Por determinação do novo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), sala onde há cerca de 60 anos funciona o comitê de imprensa da Câmara dos Deputados será destinada agora à presidência da Câmara. O deslocamento dos jornalistas está previsto para ocorrer nesta sexta-feira (12).
Ao sair do espaço, os profissionais de mídia não terão mais acesso direto ao plenário. Além disso, os presidentes da Casa não precisarão mais passar pelo Salão Verde, onde os jornalistas costumam fazer entrevistas com os parlamentares.
A Federação Nacional de Jornalismo (Fenaj) defende que o comitê de imprensa não seja retirado de seu local de origem, tanto pelo "simbolismo" da sala, como pelas "dificuldades" criadas ao trabalho dos jornalistas.
"Existe a questão histórica, o simbolismo do comitê estar ao lado do plenário. Não foi à toa que o arquiteto Oscar Niemeyer, que era altamente politizado, colocou a sala ali, porque é justamente onde acontecem os mais importantes debates e discussões", disse à Sputnik Brasil a presidente da Fenaj, Maria José Braga.
'Houve um recuo parcial'
Inicialmente, os profissionais de mídia seriam deslocados para um espaço no subsolo do Congresso. Após a repercussão negativa da mudança, o comitê será instalado provisoriamente em uma sala próxima ao local atual. O destino final deverá ser o gabinete da primeira vice-presidência da Câmara, que, por sua vez, vai ser transferido para o gabinete até hoje ocupado pela presidência da Câmara.
"Houve um recuo parcial, mas insistimos que a decisão de mudança é equivocada. No aspecto prático pode até não ter sido essa a intenção do presidente da Câmara, mas ela desmerece o jornalismo, porque dificulta o trabalho dos profissionais. A localização é estratégica, onde os jornalistas têm acesso a todos os parlamentares. O objetivo foi claramente garantir ao presidente acesso ao plenário sem circulação pelo Salão Verde", acrescentou Maria José.
'Diminuição drástica da transparência'
Para o repórter da Folha de S.Paulo Ranier Bragon, que cobre o dia a dia do Congresso, mais do que atrapalhar o trabalho dos profissionais do setor, a mudança diminui o nível de transparência exigido dos presidentes da Câmara.
"Com essa mudança, o presidente da Casa fica livre para fazer esse trânsito sem necessidade de passar pelo escrutínio dos jornalistas, pelo contraditório, o tipo de coisa que todo político que detém um cargo dessa importância deve passar. Pela Câmara transitam vários grupos de pressão da sociedade, por exemplo. O problema no dia a dia da função do jornalista existe. Se você está em um lugar distante, dificulta. Mas o principal problema é a diminuição drástica de transparência do presidente", disse à Sputnik Brasil.
Deputados criticam
A mudança provocou reação entre os próprios congressistas. Parlamentares de diversos partidos, entre eles PT, PSOL, DEM, PCdoB e MDB, se posicionaram contra a mudança. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) iniciou a coleta de assinaturas para um documento questionando a decisão de Lira.
"A Câmara é um dos órgãos mais democráticos do Brasil. Aqui, nada deveria ser feito de forma secreta. A presença ostensiva da imprensa se justifica para permitir ao povo a mais absoluta transparência sobre todos os assuntos da Câmara. A atitude do presidente é extremamente infeliz, pois dá azo a que se cogite que a imprensa tem papel secundário nos trabalhos da Casa. Não tem. A imprensa é parte vital do processo democrático", declarou o parlamentar do DEM à Sputnik Brasil.
Lira reclama de gabinetes sem banheiro
O presidente da Câmara, por sua vez, disse, segundo o portal Congresso em Foco, que "todos os partidos sabem das dificuldades que esta casa vive com gabinetes sem banheiros para parlamentares, lideranças com espaços diminutos, outras lideranças com espaços sobrando, espaço de 70 deputados para 30, partidos que saíram do espaço de 30 deputados para 50".
Ao mesmo tempo, Lira, eleito para o comando da Casa com apoio do presidente Jair Bolsonaro, afirmou que continuará dialogando com a imprensa.
À Sputnik Brasil, o deputado Helder Salomão (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, disse que decisão de Lira foi "autoritária e injustificável".
"O presidente decide retirar o comitê de imprensa, que estava instalado próximo ao plenário há décadas, sem outra justificativa que não seja atrapalhar o trabalho da imprensa e afastar jornalistas. Lamentável e inadmissível", condenou o parlamentar.
Ulysses Guimarães
O jornalista Ascânio Seleme, ex-diretor de redação de O Globo, que trabalhou por cerca de 14 anos cobrindo política em Brasília, afirmou ver a proposta de Arthur Lira mais como uma busca por "conforto próprio do que retaliação à imprensa".
"O que ele quer é pompa, conforto pessoal e majestade. Uma sala grande e ter acesso direto ao plenário. O desconforto que ele alega de sair da sala e passar caminhando pelo Salão Verde, faz parte de sua função, é inerente ao cargo, que precisa dar satisfação à população pela imprensa", disse à Sputnik Brasil.
Seleme lembrou da figura de Ulysses Guimarães, que presidiu a Câmara dos Deputados de 1985 a 1989, e, segundo o jornalista, "trabalhou daquela sala pequena sem nunca reclamar ou ameaçar os jornalistas", inclusive no cargo de presidente da República.
"Como vice do José Sarney, por inúmeras vezes ele assumiu a presidência. Algumas vezes, ia até o Palácio do Planalto despachar, mas, como tinha muita atribuição na Câmara, por diversas vezes despachava ali mesmo, na salinha da presidência", afirmou Ascânio Seleme.
Os dois olhos do comitê
A jornalista Tereza Cruvinel, ex-diretora da EBC/TV Brasil e com passagens por veículos como O Globo, Correio Braziliense e Jornal do Brasil, ressalta que a localização do comitê de imprensa na Câmara é "estratégico".
"O comitê, arquitetonicamente, é como se ele tivesse dois olhos. Uma porta para o plenário, onde os jornalistas ficam em um lugar chamado cercadinho, onde podem acompanhar as sessões e chamar os deputados para conversar, e também uma visão, por uma parede envidraçada, da Esplanada dos Ministérios, para se ver o que acontece na rua, como manifestações. Ou seja, um olho para dentro do plenário, e outro para a rua", disse Cruvinel à Sputnik Brasil.
A jornalista afirma ainda que o presidente da Câmara, com a mudança, "está se blindando do contato com a imprensa".
"Essa aversão aos jornalistas, que é muito típica do presidente da República, é extensiva a outros aliados", criticou Tereza Cruvinel.