No dia 17 de janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em caráter de uso emergencial, as vacinas CoronaVac - parceria entre a chinesa Sinovac e o Instituto Butantan - e a Covishield - parceria da Oxford/AstraZeneca com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Um mês depois, essas continuam sendo as únicas vacinas aprovadas pela agência, enquanto doses dos imunizantes estão em falta no país.
Apesar de que o pedido de uso emergencial foi feito apenas para as duas vacinas, outros laboratórios têm imunizantes sob análise no órgão sanitário brasileiro, conforme dados do governo. É o caso da vacina da Pfizer/BioNtech e também da Janssen, ambas com testes clínicos de fase três realizados no Brasil. No caso das vacinas Covaxin, da farmacêutica Bharat Biotech, da Índia, e da Sputnik V, do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, da Rússia, a expectativa é de que o processo de certificação das fábricas tenha início em março, um dos passos necessários para a aprovação dos imunizantes. Ambas as vacinas já são utilizadas em outros países.
A Anvisa, uma das autarquias mais respeitadas do Brasil, passou por momentos conturbados durante os meses de especulações políticas em torno da disputa entre o governo federal e o governo paulista pela aprovação de vacinas. Com a vitória política do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com a aprovação e aplicação na mesma data da CoronaVac, parte da desconfiança sobre o órgão foi dissipada, mas permanece a pressão para acelerar a aprovação de mais vacinas.
Nesse sentido, a Anvisa tem tomado medidas. Há duas semanas, o órgão dispensou a exigência de testes clínicos de fase três realizados no Brasil para aprovar novos imunizantes para uso emergencial. Além disso, a agência também consentiu em aprovar o uso emergencial das vacinas do consórcio COVAX Facility compradas pelo Ministério da Saúde. A iniciativa é da Organização Mundial da Saúde (OMS) e busca ampliar a distribuição de imunizantes pelo planeta.
A Sputnik Brasil consultou alguns profissionais de saúde especialistas em saúde pública e coletiva sobre a atuação da Anvisa e a necessidade de aprovação de mais vacinas.
'O problema está no governo brasileiro'
Apesar da capacidade instalada com dezenas de milhares de postos de vacinação e da experiência com amplas campanhas de aplicação de vacinas no Brasil, a imunização anda a passos lentos e chegou a pouco mais de 2,6% da população, cerca de 5,5 milhões de brasileiros. Mesmo figurando entre os países com mais doses aplicadas de vacinas no mundo, o ritmo é considerado abaixo do necessário.
Segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, o principal problema da campanha de vacinação brasileira não seria a demora na aprovação de imunizantes pela Anvisa, mas a falta de organização do governo federal e a lentidão do Ministério da Saúde para negociar a compra de vacinas, hoje necessárias para acelerar o processo de imunização. Essa é a opinião, por exemplo, de Gulnar Azevedo e Silva, professora do Instituto de Medicina Social da UERJ e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).
"O problema está no governo brasileiro negociar com as outras fabricantes. Só agora o governo brasileiro fechou o contrato do restante das doses do Butantan [...]. A Anvisa faz o papel dela e cada um tem que fazer o seu papel, todos os esforços, hoje, são necessários", afirma a presidente da ABRASCO em entrevista à Sputnik Brasil.
"Acho que o corpo técnico está tentando correr para dar conta disso, acho que chegando lá tudo que é necessário, a Anvisa vai fazer o trabalho dela bem feito, como fez na aprovação emergencial, em janeiro", afirma.
Jonathan Vicente, biomédico patologista clínico e especialista em saúde coletiva, também defende o papel da instituição e critica a desorganização do governo federal, mas acredita que a burocracia para a liberação de vacinas contra a COVID-19 pode ser abrandada.
"A burocracia atual é muito complicada, se tivéssemos uma burocracia mais legível, mais fácil de conseguirmos a aprovação de vacinas, a gente já teria, de certa forma, conseguido um grande número de doses, um grande número de vacinas. Quanto mais difícil a burocracia, pior é para conseguir vacinas e a imunização da população", diz Vicente à Sputnik Brasil.
"Obviamente que a gente está em um contexto de pandemia em que se exige uma celeridade nas respostas que a agência dá, e isso realmente é importante que seja cobrado. A Anvisa tem esse papel de regular e regulamentar e dar o aval para que as medicações sejam utilizadas, e a velocidade com que isso era feito antes da pandemia não deve ser a mesma agora, durante a pandemia", afirma o médico à Sputnik Brasil.
"A vacina em si não vai conseguir dar vazão a todas as necessidades que a gente tem. Às vezes a gente está focando muito na Anvisa e deixando de lado outros aspectos que também são importantes e também são eficazes para combater a pandemia", avalia o médico.
'A Anvisa faz parte da solução e não do problema'
Uma opinião semelhante à de Luiz Paulo Rosa é a de Gerson Salvador, médico e especialista em infectologia e saúde pública que também atua na linha de frente do combate à pandemia, em São Paulo. O médico ressalta que a Anvisa tem um processo de avaliação criterioso e importante e também elogia o fim da exigência de estudos de fase 3 no Brasil para aprovação de vacinas contra a COVID-19.
"A Anvisa faz parte da solução e não do problema. O problema maior, na minha opinião, está no governo federal, o presidente [Jair Bolsonaro] né. Vamos lembrar que a Pfizer, por exemplo, ofereceu suas vacinas para serem compradas pelo Brasil e o presidente respondeu que quem toma vacina da Pfizer poderia virar um jacaré e não manifestou interesse de compra, e a vacina está sendo disputada pelo mundo inteiro", diz Salvador em entrevista à Sputnik Brasil.
"Neste momento em que existe uma concorrência internacional por vacinas, em que o Brasil não consegue sequer comprar vacinas suficientes, falha na distribuição e falha nos critérios, culpar a burocracia da Anvisa como o governo federal tem feito, na minha opinião, é uma saída confortável e conveniente", conclui.