Jens Stoltenberg, secretário-geral da Aliança Atlântica, descreveu suas propostas para os Estados-membros do bloco militar, apelando para que avancem no financiamento das "principais atividades de dissuasão e defesa".
Stoltenberg contou aos jornalistas que esse financiamento "iria suportar missões dos aliados em nossos grupos de batalha na parte leste de nossa aliança, policiamento aéreo, missões marítimas e exercícios", bem como contribuir para um compartilhamento de despesas mais justo.
Contudo, vários especialistas têm dúvidas se o secretário-geral da OTAN terá sucesso em levar sua estratégia em frente.
'A OTAN não tem uma ameaça real'
Stoltenberg voltou a apelar a que todos os países-membros da aliança contribuíssem para a mesma com pelo menos 2% de seu PIB (Produto Interno Bruto), sendo que, até hoje, apenas dez países o fazem. No entanto, tais apelos são abafados pela pandemia da COVID-19, que, por sua vez, tem contribuído para a recessão econômica ao nível mundial, e logo deverão ser um enorme desafio para alguns dos Estados-membros menos desenvolvidos, apontou Dick Zandee, pesquisador sênior e diretor da Unidade de Segurança do tink tank Instituto de Clingendael, com base em Haia, nos Países Baixos, à Sputnik.
Porém, a situação econômica dos membros da OTAN não é o único motivo pelo qual a maior parte falha em investir seus 2%, mas o fato de que "não existe uma crise [de segurança] e não existe uma ameaça real", segundo o professor Anatol Lieven, membro sênior da Fundação Nova América em Washington DC e especialista em política internacional na Universidade de Georgetown no Qatar, também em declaração à Sputnik.
De igual modo, os esforços da Aliança Atlântica em apontar a China e a Rússia como principais ameaças não parecem ter muitos resultados. É como se, "desde o final da Guerra Fria, a OTAN tem se envolvido desesperadamente, enquanto organização, na procura de um objetivo para si mesma", de acordo com o acadêmico. Nesta linha de pensamento, a própria China já teria reagido à iniciativa de Stoltenberg, classificando o novo conceito estratégico da OTAN como "mentalidade de Guerra Fria".
Apesar de as relações entre a OTAN e os dois países mencionados continuarem tensas, os países europeus mostram pouco interesse em se envolverem em conflito com os mesmos. Na verdade, se observarmos os países do Leste Europeu, que afirmam estarem aterrorizados com a Rússia, poderíamos também aferir que nem mesmo eles desejam iniciar algum tipo de confrontação, aponta Lieven.
"E no que toca à OTAN enviar forças reais contra a China, penso que isso esteja absolutamente fora de questão", disse, prevendo de igual modo uma "oposição massiva a isso na maior parte dos países europeus".
Europa não quer lutar nas guerras de Washington
Desde que Joe Biden se tornou novo presidente dos EUA, as relações EUA–OTAN melhoraram nos campos da linguagem e da atmosfera pública, notou Anatol Lieven. No entanto, o desagrado de Washington perante "caronistas", muito sentido durante a presidência de Donald Trump e já referido durante o mandato de Barack Obama, permanece inalterado.
"Você poderá observar, penso, em um jeito mais educado, as mesmas tensões em torno dos gastos militares europeus, as mesmas tensões em torno da falta de vontade europeia em ajudar a América em outras partes do mundo, as mesmas tensões em torno da falta de vontade da maioria dos países europeus em enfrentar a China de modo mais duro, ou muito mais duro. Por esse motivo, não estou certo de que sob a retórica as coisas realmente, na prática, melhorem tanto assim", observa o acadêmico.
De igual modo, Lieven chama a atenção para as seguintes frases da retórica da administração Biden: "América está regressando para o topo da mesa" e "América está regressando a sua posição de líder do mundo livre". "Em outras palavras, a ambição é a América ditar de maneira mais educada – com a aparência de consultar – e os outros países vão segui-la", adicionou.
A OTAN já teria anunciado planos para expandir sua missão de treinamento no Iraque de 500 para 4.000 soldados. Entretanto, Biden também ainda não anunciou se vai ou não retirar suas forças da região, segundo o acordo entre os Talibãs e o governo de Trump, ou se ficarão depois do fim do prazo em 1º de maio de 2021. Até lá, os membros da Aliança Atlântica terão de decidir sobre a missão de apoio da OTAN no Afeganistão com cerca de 9.600 militares.
Os europeus não se mostram entusiasmados em se juntar a estas missões, segundo Lieven. O acadêmico recordou uma conversa que teria tido com um oficial americano no Afeganistão quando a OTAN estava bastante envolvida na guerra.
"Quando perguntei para ele sobre como funcionavam as relações no Afeganistão entre a OTAN, países europeus e EUA, ele disse: 'Oh, é simples. Nós fingimos que os escutamos, e eles fingem que lutam.' [...] Mas quanto ao resto, ele basicamente os considerou [europeus] como completamente inúteis, em termos militares, e que certamente não deviam ser escutados sobre qualquer questão importante. Portanto, acho que isso resume tudo muito bem."
#NATO Defence Ministers discussed #Afghanistan. We are facing many dilemmas & there are no easy options. We have not taken a final decision on our future presence, but as the 1 May deadline is approaching, we will continue to consult & coordinate together as an Alliance. pic.twitter.com/USwFtAnosc
— Jens Stoltenberg (@jensstoltenberg) February 18, 2021
Ministros da Defesa da OTAN discutiram sobre o Afeganistão. Estamos enfrentando muitos dilemas e não existem opções fáceis. Não tomamos uma decisão final sobre nossa presença futura, mas como a meta do 1º de maio está se aproximando, vamos continuar nos consultando e coordenando juntos enquanto uma Aliança.
Adicionalmente, "também há um cepticismo intenso no público europeu relativamente a intervenções militares lideradas pelos EUA, depois do que aconteceu no Afeganistão, no Iraque e na Líbia", esclarece o acadêmico.