O que se pergunta é se há segurança para a dispensa de reserva da segunda dose das vacinas contra COVID-19, tendo em vista todos os problemas que o governo teve para importação de imunizantes e do ingrediente farmacêutico ativo (IFA). Será que essa é uma decisão acertada? Quais podem ser as consequências da falta da segunda dose?
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse nesta sexta-feira (19) a prefeitos que novo lote de 4,7 milhões de vacinas deve ser usado inteiro na aplicação da primeira dose, ser reserva para segunda https://t.co/WthLFD75YC
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) February 19, 2021
Para saber mais sobre esse tema, a Sputnik Brasil conversou com Guilherme Werneck, médico epidemiologista e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Ele disse que a estratégia parece ser adequada para o momento epidemiológico e para a perspectiva de chegada de novas doses da vacina contra a COVID-19: "Quando se pretende utilizar esse lote para vacinar um número maior de indivíduos com a primeira dose não quer dizer que o Ministério da Saúde está optando por deixar de vacinar com a segunda dose, o que está acontecendo é que a perspectiva de distribuição do produto por parte da Fiocruz/Bio-Manguinhos e do Instituto Butantan dão uma garantia de que haverá doses disponíveis para uma segunda aplicação em um curto espaço de tempo".
"A gente entende que essa segunda dose é dada em três semanas ou mais, dependendo da vacina que a pessoa está tomando. Então ainda há um tempo para a pessoa ser vacinada, por exemplo, essa semana e aguardar um tempo para a segunda dose. Esse tempo parece que, pelos dados que nós temos atualmente, permitirá que tanto Fiocruz como Butantan adicionem uma quantidade substancial de doses para cobrir a demanda da segunda vacina da população", avaliou o especialista.
Werneck disse que essa é uma questão importante a ser considerada, pois ela é estratégica: "Não se está optando por não dar a segunda dose, mas, com a perspectiva de chegada de novas doses, ampliar ao máximo a vacinação da população com a primeira dose".
Estoques de vacinas para reabastecimento
Segundo Werneck, a perspectiva com as notas divulgadas recentemente por Fiocruz e Instituto Butantan dão uma segurança de que o Brasil terá doses suficientes para uma segunda aplicação em tempo hábil, de forma que não seria necessário fazer um estoque do imunizante.
"Até porque implicaria numa redução da cobertura de primeira dose para ser utilizada no futuro. Se nós não tivéssemos essa manifestação tanto do Butantan quanto da Fiocruz sobre a perspectiva de liberação de uma quantidade suficiente de vacinas em curto espaço de tempo eu diria que seria uma postura temerária do Ministério da Saúde, mas no momento as condições que se apresentam é que nós teremos essa dose e, portanto, fazer o estoque imediatamente não seria a opção mais racional", declarou o epidemiologista.
Para ele, o mais racional parece ser utilizar essas doses da forma mais ampla possível, inclusive aplicando a segunda dose das pessoas que receberam a primeira, mas ainda não receberam a segunda, e aguardar a chegada em breve desse quantitativo de vacinas de Fiocruz e Butantan para retomar a vacinação de segunda dose em tempo hábil.
"Certamente, essas são decisões que são tomadas com um nível de incerteza razoável, tendo em vista as condições vivenciadas no início desse processo, quando houve vários problemas de importação de IFA. Mas essas questões foram sendo solucionadas, de forma que hoje há muito menos empecilho para a importação de IFAs e inclusive importação de doses já prontas, de forma que essa já não é uma preocupação tão grande de curto prazo. Então entendo que, sim, há algum risco, mas também o quantitativo de doses do qual estamos falando é pequeno", avaliou Werneck.
Consequências de falta de estoque para a aplicação da segunda dose da vacina
Para o especialista, esse tipo de estratégia deve ser pensada caso a caso. No curto prazo, com uma quantidade modesta de vacinas e com a perspectiva apresentada por Fiocruz e Butantan de reposição do número de doses de vacina, ele entende que essa conduta é apropriada, mas isso não quer dizer que deva ser feito sistematicamente sem uma avaliação, porque no futuro próximo, com uma quantidade maior de doses, eventualmente, o país não terá a mesma expectativa e o mesmo cenário.
"Seria realmente muito inadequado que nós tivéssemos uma ausência de vacinas para a segunda dose. Sabemos que essas vacinas que foram apresentadas, testadas e avaliadas podem oferecer algum grau de proteção logo após a primeira dose, mas não se sabe qual é a duração dessa proteção com apenas essa aplicação única. A segunda dose é o protocolo recomendado e ela deve ser oferecida", continuou Werneck.
Consenso sobre intervalo entre as doses da vacina
O intervalo entre uma aplicação e outra da vacina contra a COVID-19, segundo o especialista, vai depender da vacina, sendo para a CoronaVac um período menor, em torno de um mês, e para a da AstraZeneca um período maior, podendo ser estendido por até 3 meses.
"Há vários estudos nesse momento tentando avaliar até que ponto esse período pode ser ou não prorrogado, até que ponto isso altera ou não a resposta imune das pessoas, mas a princípio esse é o tempo que parece adequado: um mês para a CoronaVac, de dois a três meses para a da AstraZeneca, enquanto não temos alguma informação de estudos mais atualizados entendo que essa é a distância entre as doses que deve ser utilizada no país", concluiu o epidemiologista.