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COVID-19: 1 ano após 1º caso em Portugal, médicos apontam 8 lições sobre pandemia

© AP Photo / Armando FrancaEnfermeiras portuguesas segurando caixas de Styrofoam para recolher doses da vacina da Pfizer/BioNTech contra COVID-19 para serem distribuídas nos hospitais de Lisboa
Enfermeiras portuguesas segurando caixas de Styrofoam para recolher doses da vacina da Pfizer/BioNTech contra COVID-19 para serem distribuídas nos hospitais de Lisboa - Sputnik Brasil, 1920, 02.03.2021
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Um ano depois de ter sido detectado o primeiro caso de COVID-19 em Portugal, médicos ouvidos pela Sputnik Brasil apontam oito lições aprendidas com a pandemia. No dia 2 de março de 2020, um médico de 60 anos foi o primeiro português diagnosticado com o novo coronavírus após passar férias na Itália.

Na segunda-feira (1º), o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa usou quatro palavras para retratar o ano pandêmico: memória, gratidão, mobilização e "aprender a lição". Para ele, não se pode esquecer o que se viveu ao longo deste ano, deve-se agradecer a todos os portugueses, sobretudo aos profissionais de saúde que salvaram vidas, que devem permanecer mobilizados, pois a pandemia continua. Porém, o presidente citou uma série de outros substantivos abstratos ao falar das lições a serem aprendidas.

"Daquilo que correu bem, da dedicação, da coragem, da determinação, da solidariedade, da persistência dos portugueses, desde logo no confinamento, que teve de ser repetido por circunstâncias adversas. Mas também aquilo que correu menos bem, de forma aquém das nossas expectativas, por condições involuntárias, que era ainda impossível prever, ou por alguma responsabilidade porque era possível prever e projetar, e isso não aconteceu", disse o presidente durante transmissão da TSF. 

Para explicar na prática o discurso abstrato de Rebelo de Sousa, médicos brasileiros que moram e trabalham em Portugal dão exemplos de aprendizados concretos ao longo deste primeiro ano da pandemia. As lições servem não apenas ao país europeu, mas também ao Brasil e a grande parte do mundo, como destacam os especialistas.

1) Não deixar o sistema de saúde pública chegar ao limite

A médica gaúcha Nair Amaral, que trabalhou no Rio Grande do Sul e na Bahia antes de se mudar para Portugal, há três anos, observa que, apesar de os sistemas de saúde dos dois países serem diferentes, já que o português é mais homogêneo e o brasileiro varia por município e estado, em ambas as nações os sistemas públicos operam no limite de sua capacidade física, instalada, de recursos materiais e humanos. 

Enquanto o Brasil vive novo colapso na rede hospitalar em decorrência da segunda onda da pandemia, Portugal sai de uma situação similar, guardadas as devidas proporções populacionais. O país europeu, que chegou a ser referência mundial durante a primeira onda do coronavírus, foi, até início de fevereiro, a nação do mundo com os maiores números de mortes e novos casos diários de COVID-19 por milhão de habitantes, com o Sistema Nacional de Saúde (SNS) igualmente sobrecarregado.

"A primeira lição é não deixar o sistema chegar ao limite, porque a pandemia mostrou que transborda. Teve que deixar de tratar doenças crônicas, como câncer, diabetes e hipertensão. Vamos ter uma segunda pandemia de doenças não tratadas. O certo seria que o sistema tivesse uma margem de segurança para outras doenças", ensina Nair Amaral.
© Foto / DivulgaçãoA médica gaúcha Nair Amaral trabalha há três anos em Portugal
COVID-19: 1 ano após 1º caso em Portugal, médicos apontam 8 lições sobre pandemia - Sputnik Brasil, 1920, 02.03.2021
A médica gaúcha Nair Amaral trabalha há três anos em Portugal

2) Autossuficiência na produção de insumos

A segunda lição destacada pela médica gaúcha é a de que os países devem ser mais autossuficientes em insumos, como máscaras e respiradores, mas também na fabricação de vacinas e medicamentos. Segundo ela, o Brasil tem uma infraestrutura melhor e mais condições de produzir do que Portugal, mas, ainda assim, ambos os países estão reféns das importações, sofrendo com atrasos na distribuição de insumos e imunizantes, por exemplo.

"Os países deveriam pensar em ter tecnologia disponível e passar muito tempo investindo em pesquisa para que não dependam tanto de outros por questões mercadológicas. Sabemos que as coisas são fabricadas em outros lugares e, quando os países precisam em tempo rápido, não conseguem suprir toda a demanda. Não pode só uma parte do mundo a fazer máscaras, luvas e depender dos fabricantes", pondera a médica à Sputnik Brasil.

3) Incômodo com a máscara, pior sem ela

Enquanto a Europa discute a necessidade de se usar duas máscaras para tentar evitar a transmissão do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez ilações a respeito de eventuais prejuízos que seriam causados pelo uso, citando uma enquete duvidosa de uma universidade alemã. Apesar disso, não custa repetir, há consenso na comunidade científica de que estar de máscara (seja N95 e PFF2 ou caseira) é mais eficaz do que não se proteger com nenhuma, como lembra Nair Amaral.

"Sabemos que os vírus são mais rápidos e inteligentes que as bactérias. Sabemos que as mutações podem deixar o vírus mais ou menos agressivo. Temos que usar tudo aquilo que já se sabe para combater doenças respiratórias. Se com a máscara não temos grandes certezas, pior sem ela. É uma proteção respiratória, assim como o distanciamento e a higiene das mãos", exemplifica.

4) Lockdown é um remédio amargo, mas eficaz

Há um mês em meio confinamento, Portugal viu o número de novos casos diários despencar de 16.432, no pico de 28 de janeiro, para 718 um mês depois. Já o número de óbitos chegou ao recorde de 303 em 31 de janeiro, caindo para 41 no último dia de fevereiro. 

Na segunda (1º), o lockdown foi renovado até 16 de março. O primeiro-ministro António Costa já declarou que no dia 11 vai anunciar um plano de desconfinamento faseado, que deve começar pela volta às aulas nas escolas. No entanto, as medidas mais rigorosas de restrição de circulação só devem ser suspensas após a Páscoa.

Em entrevista à Sputnik Brasil, o médico carioca Marcelo Teixeira, que há um ano está na linha de frente do combate à COVID-19 em dois hospitais da Área Metropolitana de Lisboa, avalia que as medidas de isolamento social determinadas pelo governo português foram fundamentais para o controle da pandemia.

"O lockdown tem se mostrado indubitavelmente eficaz no controle dos casos. Portugal hoje é um bom exemplo disso", diz Teixeira.
© Foto / DivulgaçãoO médico carioca Marcelo Matos trabalha na linha de frente contra COVID-19 em Portugal
COVID-19: 1 ano após 1º caso em Portugal, médicos apontam 8 lições sobre pandemia - Sputnik Brasil, 1920, 02.03.2021
O médico carioca Marcelo Matos trabalha na linha de frente contra COVID-19 em Portugal

5) Readequação na proporção de leitos de UTI/habitantes

Logo no início da pandemia, em março de 2020, um estudo mostrou que Portugal é o país europeu com menor proporção de leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), com 4,2 camas por cada 100 mil habitantes. No fim de novembro, a ministra da Saúde, Marta Temido, disse que existiam 704 leitos para COVID-19 em UTIs, mas que a capacidade de expansão ultrapassava os 900.

No entanto, essa expansão mostrou-se quase insuficiente no ápice da crise, quando se atingiram 865 internamentos em UTIs em 31 de janeiro. Por isso, Marcelo Teixeira recomenda que deve haver uma readequação na proporção de leitos de UTI/habitantes. O especialista ressalta que não basta criar novas camas, mas que também é preciso ter médicos intensivistas em número suficiente para trabalhar nessas unidades.

"A adequação deverá ser reajustada, principalmente nos países mais pobres. A falta de leitos e de profissionais aptos a trabalhar com essa medicina mais especializada foi bastante sentida em todos os lugares. Esse tipo de profissional demanda longos anos de formação. Não dá pra achar ou formar do dia para noite", destaca.

6) Decisões governamentais devem ser tomadas com base na ciência

Quinzenalmente, o governo português tem reuniões com médicos e cientistas que norteiam as decisões tomadas para as duas semanas seguintes. O exemplo de Portugal deveria ser seguido pelo Brasil, acredita Teixeira. 

"A ciência deve imperar nas ações governamentais. As medidas de lockdown e de restrição de deslocamento, de viagens, têm que ser determinadas por critérios bem definidos por grupos científicos, com recomendações claras. Deixá-los nas mãos de políticos, como acontece no Brasil, sempre dará margens para medidas populistas e, por vezes, desastrosas", compara.

7) Criação de sistemas de alerta mundial de pandemias

A China demorou quase uma semana para alertar sua população sobre o então surto do novo coronavírus, que começou na cidade de Wuhan, em novembro de 2019. A demora do governo chinês em divulgar o genoma do vírus, só o fazendo em 11 de janeiro de 2020 após um laboratório publicar o sequenciamento genético em um site de virologia, também contribuiu para a Organização Mundial da Saúde (OMS) demorar a declarar a pandemia, o que só aconteceu dois meses depois.

Por isso, Teixeira defende que deveriam ser criados sistemas de alerta mundial de pandemias. 

"O mau exemplo chinês, que levou a um retardo na contenção do vírus, foi fundamental para hoje todo o planeta estar infectado. Ter meios de vigilância, notificação e contenção em nível planetário é premente", recomenda.
© Foto / DivulgaçãoOs médicos brasileiros Nair Amaral e Marcelo Teixeira em ação em Portugal
COVID-19: 1 ano após 1º caso em Portugal, médicos apontam 8 lições sobre pandemia - Sputnik Brasil, 1920, 02.03.2021
Os médicos brasileiros Nair Amaral e Marcelo Teixeira em ação em Portugal

8) Laboratórios conectados para pesquisa de vacinas

A agilidade na pesquisa e produção de vacinas contra COVID-19, fazendo com que diferentes imunizantes tenham sido testados e fabricados em tempo recorde, antes de se completar um ano da detecção do novo coronavírus, também é uma lição ensinada pela pandemia, na opinião de Teixeira.

"Temos que ter laboratórios conectados pelo mundo para, tão logo seja detectado o vírus, logo seja criada uma vacina", conclui.
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