Os efeitos do colapso resultante continuarão a ser sentidos, embora Kevin Kamps, membro da organização sem fins lucrativos Beyond Nuclear, afirme que tudo poderia ter sido muito pior.
Kamps serviu como especialista em lixo radioativo no Serviço de Informações e Recursos Nucleares dos EUA por oito anos e trabalha com a Beyond Nuclear desde 2007.
No 10º aniversário do desastre nuclear de Fukushima Daiichi, Kamps explica à Sputnik sobre as consequências de longo prazo do colapso da usina.
O especialista declara que o que aconteceu em Fukushima neste dia há dez anos foi uma das piores catástrofes relacionadas a energia nuclear da história, originada por um terremoto que gerou um tsunami de 15 metros de altura atingindo o complexo de seis reatores, fazendo com que ao longo dos dias seguintes três dos reatores derretessem. O resfriamento dos mesmos não foi possível, pois o terremoto havia destruído a rede elétrica, que era a principal fonte de eletricidade para operar os sistemas de segurança e refrigeração.
A onda do tsunami também destruiu os geradores de reserva e emergência a diesel, bem como as bombas de água de resfriamento à beira-mar. Portanto, não havia capacidade de resfriar os reatores e eles derreteram. Felizmente, os outros três reatores no local não estavam operando naquele dia, caso contrário poderia ter havido seis colapsos.
Por que isso aconteceu?
Kamps conta que "o parlamento japonês fez uma investigação. A conclusão deles [que levou um ano a atingir] foi que um conluio entre a Companhia de Energia Elétrica de Tóquio, a indústria de energia nuclear, os reguladores de segurança nuclear japoneses e os funcionários do governo deixou a usina nuclear de Fukushima Daiichi bastante vulnerável ao duplo desastre natural que a atingiu. E essa foi a causa principal – o conluio".
A Companhia de Energia Elétrica de Tóquio e o governo nacional japonês, especificamente sua agência reguladora de segurança nuclear, teriam recebido vários avisos de que um terremoto em grande escala, e até mesmo um tsunami, poderia atingir aquela usina e outras atividades nucleares em todo o Japão. No entanto, muito pouco foi feito sobre isso.
"Eles apenas esperavam que isso nunca acontecesse. Mas aconteceu. O quebra-mar que eles haviam construído era terrivelmente inadequado, por exemplo. Foi facilmente ultrapassado pelo tsunami. Todos os erros que levaram às consequências catastróficas tiveram a ver com esse conluio", afirmou Kamps.
Como resultado, para além de toda a destruição causada, o país sofreu uma das maiores liberações de radioatividade ionizante perigosa no meio ambiente que alguma vez ocorreu no oceano e no ar. O resto da bacia do Pacífico foi duramente atingido pela contaminação, incluindo a costa oeste da América do Norte, já para não falar das implicações disso para a saúde.
"As implicações genéticas disso se desdobrarão por muito tempo, porque esses isótopos radioativos, os perigosos césio e estrôncio, por exemplo, têm uma persistência perigosa de pelo menos 300 anos, o trítio de 123 anos, pelo menos, e o plutônio de 240 mil anos. Então, de certo modo, desastres de energia nuclear têm começo, mas eles realmente não têm um fim", explicou o especialista estadunidense.
Foi tudo um acidente?
Kevin Kamps diz que não. Na verdade, algo como o sucedido seria bastante previsível, uma aposta até. O especialista relembra que a tecnologia nuclear é "uma tecnologia de alto risco. E você sabe, às vezes há quem diga que a energia nuclear é de alguma forma essencial para resolver a crise climática. Isso não é verdade [...] a energia nuclear será cada vez mais insegura para operar e poderemos muito bem ver uma catástrofe nuclear induzida pela mudança climática", avisou.
Relativamente ao lixo nuclear, Kamps admite que ainda ninguém sabe o que fazer com ele. Os resíduos radioativos de alto nível são armazenados em piscinas internas de armazenamento úmido, pelo menos é onde a maioria do lixo radioativo de alto nível americano é armazenado. Fukushima Daiichi, porém, teve um golpe de sorte, pois a piscina interna úmida do reator 4 quase pegou fogo.
Caso tal desastre tivesse ocorrido, o primeiro-ministro japonês da época, Naoto Kan, admitiu, um ano após a catástrofe, que tinha um plano de contingência secreto, se a piscina tivesse pegado fogo, para evacuar 35 milhões a 50 milhões de pessoas do nordeste do Japão e da região metropolitana de Tóquio. Caso isso tivesse acontecido, teria sido "o fim do Estado japonês".