A declaração, no entanto,"não faz sentido" – pelo menos para o economista e cientista político José Niemeyer. Em entrevista à Sputnik Brasil nesta quinta-feira (18), Niemeyer, que é coordenador-geral dos programas de graduação e pós-graduação de relações internacionais do Ibmec no Rio de Janeiro, acredita que o Brasil não está em condições de prometer ajuda a outros países. Pelo contrário: considerando que o país passa pelo pior momento da pandemia e que a vacinação segue em ritmo lento, quem precisa de ajuda é o Brasil.
"É um contrassenso dizer que vai ajudar o Paraguai, sendo que o Brasil está precisando ser ajudado do ponto de vista da oferta de vacinas, da produção de vacinas, e de princípios químicos que outros países poderiam ter exportado ao Brasil, como a China", diz Niemeyer.
A oferta de ajuda de Araújo foi feita nesta quarta-feira (17). O ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Euclides Acevedo, veio ao Brasil encontrar-se com o chanceler brasileiro e com o presidente Jair Bolsonaro, justamente para pedir ajuda para combater a COVID-19 no país vizinho.
Assim como no Brasil, a vacinação no Paraguai segue em ritmo consideravelmente lento. Segundo números oficiais do governo paraguaio, 12.451 pessoas foram vacinadas no país – o que corresponde a cerca de 0,18% da população de quase sete milhões de pessoas do Paraguai.
Tanto Brasil, que vacinou 5,06% da população, como Paraguai estão bastante atrás do Chile, país com a vacinação mais avançada na América do Sul, com quase 30% da população já vacinada. Niemeyer observa que, de maneira geral, a vacinação em escala global tem respeitado a hierarquia internacional: países mais ricos (como Estados Unidos, China e nações europeias) lideram as vacinações, assim como os países mais influentes regionalmente. Desta forma, o Brasil poderia ajudar os vizinhos da América do Sul, não fosse o caos sanitário por que passa o país.
"Países do Mercosul até podem no futuro ser ajudados pelo Brasil, mas não acredito, porque o Brasil vai se atrasar na vacinação", avalia o cientista político.
Manifestações e turbulência política no Paraguai
Revoltados com a gestão do governo frente à pandemia, milhares de paraguaios foram às ruas protestar contra o presidente Mario Abdo Benítez no início de março. O então ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, renunciou ao cargo no dia 5 de março.
Nesta segunda-feira (15), o governo do país anunciou restrições de circulação para frear o crescimento da contaminação no país. Entre outras medidas, as aulas presenciais foram suspensas e a circulação de pessoas está limitada das 20h às 5h em 24 cidades da chamada zona vermelha.
Por conta da efervescência política e sanitária no Paraguai, Niemeyer opina que a oferta de ajuda brasileira pode ter também uma simbologia diplomática.
"De repente a chancelaria brasileira achou que a promessa de ajudar o Paraguai ajudaria os paraguaios a acalmarem os ânimos. Mas não faz sentido, porque o Brasil está com carência tanto de vacinas como de produtos para produção de vacina. Do ponto de vista da vida real, já que vivemos aqui uma catástrofe, é uma demanda estranha do Paraguai, como a resposta brasileira também é estranha", avalia o cientista político.
O especialista alerta ainda para a possibilidade de o Paraguai ser "um laboratório para o futuro". Segundo Niemeyer, o contexto da pandemia pode fazer com que situação semelhante de insatisfação popular seguida por manifestações generalizadas ocorram em "outros países da América do Sul, inclusive o Brasil, até mesmo em outros países do mundo".
Atualmente, o Paraguai está com 185 mil infecções confirmadas e pouco mais de 3,5 mil óbitos causados pela COVID-19.