Em um momento de recomendação de isolamento social para o combate à pandemia de COVID-19, como ficam os presídios brasileiros com superlotação, pouca ventilação e sem nenhum distanciamento?
Segundo dados do primeiro semestre de 2020 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o sistema prisional do país tinha, no meio do ano passado, 759.518 pessoas privadas de liberdade.
A quantidade, de acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, excede a capacidade máxima do sistema penitenciário em cerca de 70%.
Segundo Marcos Fuchs, diretor jurídico e financeiro da ONG Conectas Direitos Humanos, a situação "é assustadoramente preocupante".
Em entrevista à Sputnik Brasil, ele contou que não há um protocolo específico para o sistema prisional para impedir a disseminação do vírus.
"Temos um sistema superlotado, onde o contágio é muito mais rápido. Uma cela que deveria ter oito, dez ou doze presos tem até 60. As pessoas que vêm de fora, os agentes prisionais, também podem trazer a doença", afirmou Fuchs, que também é diretor-executivo do Instituto Pro Bono, que conecta advogados voluntários a quem não tem condição de pagar pelo serviço.
Diagnósticos e mortes por COVID-19 nas prisões
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza um monitoramento periódico dos casos de contágios e mortes por COVID-19 nos sistemas prisional e socioeducativo, tanto entre detentos como servidores.
Até o último levantamento do órgão, divulgado no dia 8 de março, os sistemas já haviam contabilizado um total de 71.342 diagnósticos e 308 óbitos desde o início da pandemia no país.
Só no sistema prisional, são 64.189 casos e 269 mortes. No sistema socioeducativo, que abriga adolescentes em privação de liberdade, 7.153 já contraíram o vírus e 39 morreram (nesse caso, todos eram servidores).
Assim como em todo o país, a velocidade de contágio vem aumentando nas últimas semanas. Por consequência, o número de mortes também sobe.
Em comparação com os 30 dias anteriores ao levantamento, houve um aumento de 5,5% de casos e de 13,5% de mortes no sistema prisional. No socioeducativo, a taxa é ainda maior: 8,9% e 25,8%, respectivamente.
No recorte de 2021, o CNJ observou que os números dispararam. Os primeiros 67 dias do ano tiveram 190% mais mortes que nos últimos 70 dias de 2020 na soma dos dois sistemas.
Em números absolutos, o salto é de 20 para 58 óbitos.
O Conselho Nacional de Justiça informou que até a primeira semana de março foram realizados 362.025 testes para detecção da COVID-19 em detentos e em servidores dos sistemas prisional e socioeducativo.
"É uma tragédia anunciada do Brasil, que se replica dentro do sistema prisional. É muito preocupante. Deveria haver, na nossa opinião, uma prioridade para as pessoas presas no recebimento da vacina. O CNJ tem trabalhado por essa frente", disse Marcos Fuchs.
Decisão diminuiu lotação
Os números poderiam ser ainda piores se não fosse a aprovação da recomendação 62/2020 pelo CNJ em março do ano passado. Além de orientações para evitar contaminações em massa, o órgão incentivou juízes a reverem prisões de pessoas do grupo de risco e em final de pena.
Com base na recomendação, os tribunais de Justiça dos estados deslocaram, entre março e maio de 2020, 35 mil pessoas de unidades prisionais para a adaptação do cumprimento da pena em outros formatos, como prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico.
O número representa 4,6% do total de pessoas em privação de liberdade, excluídos o regime aberto e presos em delegacias.
Mas o diretor da Conectas diz que a quantidade poderia ser bem maior para ajudar a salvar vidas e conter a pandemia nas prisões. Para Fuchs, o país ainda tem "um Poder Judiciário muito conservador".
"Infelizmente, é aquilo de 'vamos deixar preso', mantendo essa postura completamente equivocada do encarceramento em massa", criticou.
Segundo o CNJ, o levantamento periódico de contágios e mortes por COVID-19 é feito a partir de informações de diferentes fontes dos poderes Executivo e Judiciário estaduais do país.
O órgão recebe dados dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), além de boletins epidemiológicos de secretarias estaduais.
ONG internacional critica governo Bolsonaro
O relatório anual da Human Rights Watch sobre o Brasil em 2020 critica duramente a atuação do governo do presidente Jair Bolsonaro no enfretamento à pandemia de COVID-19.
A organização internacional não governamental, que defende e realiza pesquisas sobre direitos humanos, afirma que o presidente "tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter" a doença, mas que o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional e os governadores "defenderam políticas para proteger os brasileiros".
A Human Rights Watch diz ainda que Bolsonaro não tomou medidas para diminuir a superlotação das prisões e comemorou a recomendação do CNJ para redução de prisões provisórias durante a pandemia, como solução para mitigar os danos.
"Em julho, o presidente Bolsonaro vetou um artigo de um projeto de lei exigindo o uso de máscaras em unidades prisionais e centros socioeducativos, mas o Supremo Tribunal Federal concluiu que o veto não atendeu ao trâmite processual e restabeleceu o artigo da lei", destacou a ONG, lembrando que a corte ressaltou a "precariedade estrutural" das políticas de Saúde nas unidades prisionais e socioeducativas na decisão.
A Lei 14.019/20, que tornou obrigatório o uso de máscaras de proteção facial como prevenção à COVID-19 para toda a população, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no início de junho.
Porém, em seu veto, o governo excluiu da lei a obrigatoriedade das máscaras em presídios e em estabelecimentos socioeducativos.
Bolsonaro também retirou do texto dois trechos: um determinava fixar cartazes sobre a forma de uso correto dos equipamentos de proteção individual e o outro regulamentava o número máximo de pessoas permitidas simultaneamente dentro dos estabelecimentos.
Os vetos foram derrubados pelo STF após a contestação de PT, PDT e Rede Sustentabilidade, partidos de oposição ao governo.