Nesta segunda-feira (15), no início da primeira fase do plano, reabriram creches, jardins-de-infância e escolas com aulas presenciais para o 1º ciclo (1º ao 4º ano). Também foi autorizada a reabertura de salões de beleza, livrarias, bibliotecas, concessionárias de automóveis e agências imobiliárias. As missas voltaram a ser permitidas, mas as procissões pascais estão proibidas.
Permanece o dever de recolhimento geral até a Páscoa, assim como a proibição de deslocamento entre municípios aos fins de semana. Restaurantes continuam a funcionar apenas para entrega ou take away por mais um mês, até o início da terceira fase, quando será autorizada a reabertura gradual com um número de clientes e horários limitados.
Antes disso, na segunda fase, a partir de 5 de abril, voltam as aulas presenciais para os alunos do 2º e 3º ciclos (5º ao 9º ano). Museus, monumentos, palácios, galerias de arte também poderão reabrir, bem como lojas de até 200 metros quadrados com porta para a rua, além de feiras e mercados não alimentares. Modalidades esportivas de baixo risco, atividades físicas ao ar livre com até quatro pessoas e academias sem aulas em grupo também regressam nesta etapa.
Dentro de um mês, em 19 de abril, começa a terceira fase, com aulas presenciais nos ensinos secundário (médio) e superior. Além dos restaurantes, reabrem cinemas, teatros, auditórios, salas de espetáculos, todas as lojas e centros comerciais. Também serão autorizados eventos ao ar livre com capacidade reduzida, casamentos e batizados com 25% de lotação.
A lotação aumenta para 50% na quarta e última fase, a partir de 3 de maio. Eventos fechados serão autorizados com capacidade reduzida, definida pela Direção-Geral de Saúde (DGS). Restaurantes voltarão a funcionar sem limite de horário. Ao anunciar o início do plano faseado, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, deixou clara a necessidade de que ele fosse mesmo a "conta-gotas", como explicou em uma publicação em seu perfil no Twitter.
Entramos hoje na primeira fase do desconfinamento que tem de ser muito prudente, gradual e a conta-gotas. E conta-gotas não é sinónimo de sair e fazer tudo o que gostaríamos de fazer como se não atravessássemos ainda uma grave pandemia. #Desconfinamento #COVID19
— António Costa (@antoniocostapm) March 15, 2021
Com o início da primavera neste sábado (20) e com as temperaturas chegando à casa dos 20 graus em dias ensolarados, já se percebe um número bem maior de pessoas circulando pelas ruas de Lisboa ou mesmo sentadas em pracinhas e nas areias de praias nos arredores da capital.
'Foi a medida mais razoável', diz médico carioca que atua em Lisboa
Médicos ouvidos pela Sputnik Brasil avaliam, contudo, que o plano de desconfinamento gradual é necessário. O carioca Marcelo Teixeira Matos, que atua na linha de frente de combate à COVID-19 em dois hospitais da Área Metropolitana de Lisboa (AML), recomenda que é preciso ter precaução na reabertura e fica na torcida para que o plano atinja o objetivo de se conseguir voltar à normalidade o mais rápido possível.
"[O plano] penaliza algumas atividades em detrimento de outras, mas não sei como fazer de outro jeito. Acho que foi a medida mais razoável, tendo em vista que algumas atividades podem disseminar mais o vírus do que outras. Acho que esse faseamento do governo foi necessário sim", opina Matos.
Questionado se considerou o plano bom, ele diz que o sistema de desconfinamento precisa ser adaptável, de modo que o governo libere as atividades por etapas, podendo revertê-las tão logo haja uma piora dos dados.
"Acho que é essa a intenção do governo: o retorno às atividades de forma gradual, iniciando por grupos menos contaminantes até grupos que têm mais propensão à doença. Vai jogando em conta-gotas, monitorando os dados e pode voltar às restrições anteriores caso perceba que há um aumento no número de casos e uma demanda aumentada nos serviços de saúde", explica.
O especialista considera que o lockdown foi um remédio amargo, mas eficaz. De acordo com ele, houve uma mudança importante do curso da doença com a adoção das medidas mais restritivas em uma situação extrema durante o colapso do sistema de saúde português, em janeiro, praticamente sem vagas em leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
O pico de 16.432 novos casos foi atingido em 28 de janeiro. Já o número máximo de 303 mortes diárias ocorreu no dia 31 do mesmo mês. Desde então, ambos os números vêm despencando. O boletim epidemiológico da DGS desta sexta-feira (19) registrou 11 mortos e 568 novos infectados com COVID-19. Houve também uma redução nos internamentos, com 789 internados, menor número desde 7 de outubro de 2020. Segundo Matos, o lockdown surtiu efeito reduzindo drasticamente esses números.
"É uma diferença brutal, e isso se sente nos serviços públicos. Temos hoje um Covidário praticamente às moscas, com pouquíssimas pessoas que procuram o serviço. No auge do caos, tínhamos por volta de seis a oito médicos atendendo sem parar em regime de estresse total, com um tempo de espera absurdo. Hoje, temos apenas um médico lá dentro que dá conta do serviço e ainda fica um bom tempo ocioso", compara.
Portugal é o país com menor taxa de incidência de COVID-19 na UE
De acordo com o relatório semanal do Centro Europeu de Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) divulgado nesta quinta (18), Portugal é o país da União Europeia (UE) com a menor taxa de incidência da COVID-19, com 93 casos de infecção pelo novo coronavírus por 100 mil habitantes nas duas últimas semanas. Em segundo lugar, aparece a Irlanda, com 144 casos, e em terceiro, a Espanha, com 147.
Já os dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) que ajudaram a nortear o plano do governo português mostram que os principais indicadores propostos são a incidência cumulativa a 14 dias por cem mil habitantes, o Rt (reprodução da infecção em tempo real) e o número de camas ocupadas em unidades de cuidados intensivos por doentes COVID-19, junto com outros indicadores secundários como a positividade dos testes ou a relevância das variantes do vírus.
A médica gaúcha Nair Amaral, que também atua na linha de frente do combate à COVID-19 na Área Metropolitana de Lisboa, confirma na prática a melhora dos números no último mês. Após sair de um plantão de 18 horas, na madrugada de sexta (19), ela ainda encontrou tempo e fôlego para conversar com a Sputnik Brasil.
Otimista, ela relata que o Covidário está mais tranquilo nas últimas semanas, permitindo que os médicos possam voltar a dar atenção a outros pacientes com doenças crônicas.
"A urgência de COVID-19 tem estado muito calma nas últimas semanas. Então a nossa mão de obra está voltando toda para urgência geral, onde estamos reencontrando outras doenças, com pacientes muito abandonados, sem acompanhamento, os diabéticos e hipertensos muito descompensados, os cânceres avançando. Daqui para frente, tem que se pensar em todas as medidas para não se causar mais danos", avalia Nair.
Ela ressalta que não existe uma solução mágica, mas um conjunto de medidas que devem ser tomadas de acordo com a realidade de cada país. A médica acredita que o lockdown tem o seu momento e pode ser aplicado em doses maiores ou menores conforme a necessidade e a sociedade, mas sempre com responsabilidade, como aconteceu em Portugal. Ela também considera necessário o plano de desconfinamento faseado.
"Portugal tem um bom plano de desconfinamento, otimista e prudente. Acho que tem que desconfinar, não se pode viver a vida toda em lockdown. Acredito muito num desconfinamento gradual e controlado. Acho que, passado um ano já da pandemia, as pessoas estão mais conscientes do que se pode ou não", diz à Sputnik Brasil.
Entre as medidas que ela considera fundamentais estão a vacinação e a testagem em massa, o uso de máscaras e o distanciamento social. A especialista destaca que, quanto mais se avança na prevenção terapêutica, é preciso menos usar medidas radicais, como o lockdown, que tem efeitos colaterais, como o agravamento de doenças psíquicas.
Apesar do otimismo, ela prevê que ainda viveremos por pelo menos mais dois anos com a necessidade de usar máscaras e manter o distanciamento social "até entendermos bem essa doença". Nair também crê na evolução de medicamentos que possam ajudar a combatê-la, mas pede paciência quanto aos efeitos da vacinação.
"Acredito muito no melhoramento das vacinas, e não podemos exigir milagres da indústria farmacêutica. Não podem adivinhar as complicações que vão advir de algo que não foi testado numa grande população. Queremos vacinas totalmente seguras ou para ontem, num tempo recorde? Não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo", pondera.