Na última quinta-feira (1º), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados relativos à produção industrial brasileira, que mostram uma redução de 0,7% em comparação com janeiro, interrompendo uma série de nove meses de números positivos, período em que acumulou ganhos de 41,9%.
Segundo o IBGE, o recuo registrado em fevereiro teve perfil disseminado de taxas negativas, alcançando três das quatro grandes categorias econômicas: bens duráveis (-4,6%), semiduráveis e não duráveis (-0,3%) e bens de capital (-1,5%).
Para André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE, "nos últimos meses nós já vínhamos observando uma mudança de comportamento nos índices da indústria, que, embora ainda estivessem positivos, já apresentavam uma curva decrescente, demonstrando um arrefecimento".
Em entrevista à agência Reuters, Macedo considerou que há um conjunto de fatores que podem explicar essa queda: o recrudescimento da pandemia, "que traz restrições de mobilidade, de produção e turnos de trabalho", e o desabastecimento ou encarecimento da produção com custos maiores.
👩🏭🧑🏭 A produção industrial recuou 0,7% em fevereiro em relação a janeiro, ficando 13,6% abaixo do patamar recorde de maio de 2011 e 2,8% acima do nível pré-pandemia. Em 2021, a #indústria acumula alta de 1,3%, e em 12 meses queda de 4,2%.
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Entre as atividades econômicas que exerceram maior influência negativa no índice de fevereiro estão a de veículos automotores, reboques e carrocerias (-7,2%) e a das indústrias extrativas (-4,7%). Em relação ao setor automotivo, os números revelam uma interrupção de nove meses de resultados positivos consecutivos, enquanto a atividade de indústrias extrativas eliminou os avanços de dezembro de 2020 (3,8%) e janeiro de 2021 (1,0%).
Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Carlos Pinkusfeld, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que, apesar da queda registrada em fevereiro, o que se tem, a rigor, é um quadro que reflete mais uma estabilidade.
"Primeiro, é preciso separar os componentes. A indústria como um todo cresce um pouquinho em janeiro, mas quase tudo puxado pela indústria extrativa, cuja dinâmica pouco responde à demanda doméstica. Já a indústria de transformação, cuja dinâmica reflete mais a demanda doméstica, esteve praticamente estável no período [crescimento de 0,11% em janeiro e queda de 0,22% em fevereiro]", afirma o economista.
Para o professor da UFRJ, ao desagregar os dados da indústria de transformação, há resultados mais expressivos como uma queda mais forte dos bens duráveis, enquanto as outras categorias não se mexeram muito.
A Sputnik Brasil conversou com @mmartinsrocha, economista da Unicamp que falou sobre as razões e as consequências da saída da Ford do Brasil.
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"A argentina tem uma planta industrial mais recente, mais moderna, que está alinhado com a estratégia da Ford". https://t.co/zx2HPoMuyf
Assim, na opinião de Pinkusfeld, esses dados desagregados mostram que talvez haja um impacto da redução da produção da indústria automobilística pelo lado da oferta, ou seja, que refletem as paralisações no setor causadas pela pandemia. No entanto, o professor ressalta que os semiduráveis e não duráveis também tiveram uma retração, ou seja, "é no mínimo precipitado fazer essa afirmação da dominância do efeito ruptura de cadeias produtivas".
"No ano passado, quando começou a pandemia, havia muitos relatos pontuais, jornalísticos, de problema de oferta, nas cadeias produtivas, mas o que se observou depois, no agregado, quando a demanda cresceu, principalmente por causa do pagamento do auxílio emergencial, a produção da indústria reagiu com um crescimento que mais que repôs a queda que refletiu o lockdown inicial", afirma.
Contudo, o professor destaca que os dados de casos de contágio e de fatalidades registrados nos primeiros meses de 2021 mostram que a atual "onda" da pandemia parece ser mais grave que a ocorrida em 2020, ou seja, "é possível que interrupções nas cadeias produtivas por razões sanitárias sejam mais relevantes". Porém, ainda assim, Pinkusfeld assinala que o desempenho da indústria está mais relacionado ao lado da demanda do que da oferta.
"Pelo lado da demanda, ninguém duvida que o comportamento em V da indústria em 2020 esteve associado aos gastos extraordinários relacionados à pandemia, tanto em relação ao auxílio emergencial quanto às transferências para entes subnacionais, saúde, etc. [...] Este total chegou a superar o valor de 6% do PIB, ou seja, uma importantíssima injeção de poder de compra", avalia.
No entanto, na opinião do economista da UFRJ, o que se vive agora é um momento de grande apreensão, já que a crise sanitária atual, com essa onda muito forte de casos de infecção e óbitos pela COVID-19, certamente coloca a economia em suspenso.
Pinkusfeld também destaca o repique inflacionário que, associado a não criação de empregos, reduz a folha salarial e o poder de compra da população, o que impacta principalmente na aquisição de bens não duráveis. Além disso, os dados de concessão de crédito, que tem grande importância na compra de bens duráveis, como os automóveis, apresentaram uma queda significativa em janeiro.
"Ou seja, não há sequer um bom indicador para a economia no início do ano, assim não surpreende o desempenho da indústria em fevereiro", analisa Pinkusfeld.
Nesse sentido, o economista considera que o futuro é bastante incerto, já que qualquer possibilidade de recuperação da economia fica em suspenso sem que haja uma avaliação mais sólida sobre a evolução da pandemia. Além disso, mesmo que aconteça uma melhora significativa da questão sanitária, o professor não vislumbra uma expansão considerável da economia brasileira, pois "as perspectivas de política fiscal, presa à política do teto de gastos, apontam para um futuro de baixo crescimento".
Nenhum país se desenvolveu, segundo o professor Marco Rocha (Unicamp), sem uma "complexificação tecnológica da sua estrutura produtiva" e sem uma atuação ativa do Estado — vista por ele como necessária para reverter a desindustrialização no Brasil https://t.co/TOBtTZdpjW
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O professor da UFRJ também assinala que a aposta do governo de utilizar a política monetária como motor para uma recuperação mais sólida revelou-se um fracasso, mesmo antes do início da pandemia.
"Agora, depois de um ciclo de redução dos juros, o que causou perda de reservas e desvalorizações cambiais, o Banco Central deve iniciar um ciclo de elevação dos juros, o que compromete ainda mais o uso do instrumento de política monetária" para alavancar a economia, avalia Pinkusfeld.
Em suma, o professor assinala que, por mais que se consiga debelar a pior fase da pandemia, "não há nenhum indicador de que a economia mudará o seu padrão de crescimento medíocre, apresentado desde 2017, que reflete a pior recuperação de uma recessão que se tem notícia na história", conclui.