Na terça-feira (6), o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, tomou posse em cerimônia no Palácio do Planalto.
O ministro foi alçado ao cargo após forte pressão do Congresso Nacional pela retirada do ex-ministro Ernesto Araújo da condução da política externa brasileira.
"Foi impressionante que os 81 senadores se colocaram contra Ernesto Araújo. Nunca tinha visto nada parecido", disse o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni, à Sputnik Brasil. "Araújo ficou em uma situação realmente insustentável."
O discurso de posse de França retomou alguns temas tradicionais da política externa brasileira que estavam fora do vocabulário político desde a posse de Bolsonaro, como desenvolvimento sustentável e multilateralismo.
Em resposta à pressão por gestões internacionais para compra de vacinas, França prometeu uma "diplomacia da saúde", voltada a trazer "resultados para a vida dos brasileiros".
"Embora eu não acredite que haverá alterações de fundo na diplomacia subordinada a Washington que torna o Brasil irrelevante na cena global [...], o perfil mais racional do novo chanceler já é um ganho diante do antecessor."
Continuidades
Apesar da forte pressão pela elaboração de uma nova política externa e pelos sinais de mudanças no Itamaraty, o protagonismo de atores como o deputado Eduardo Bolsonaro na formulação da política externa deve se manter.
"Quem dirige a política externa brasileira de fato é Eduardo Bolsonaro", disse Maringoni.
Segundo ele, o filho do presidente "é quem dá sustentação à política externa mais extremista".
Outro sinal de continuidade seria a manutenção no cargo do assessor internacional de Bolsonaro, Felipe Martins.
"O assessor internacional da Presidência sempre teve um papel importante. Acho que é, sim, um indicador forte [de continuidade]", disse a professora de Relações Internacionais da UFABC e pesquisadora do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil, Tatiana Berringer, à Sputnik Brasil.
Martins também foi alvo de pressão de senadores, após fazer gesto considerado supremacista branco durante audiência no Senado. Apesar do gesto já ter sido motivo para que Bolsonaro afastasse outro conselheiro, Martins foi mantido na assessoria.
Para Berringer, há uma tentativa de "preservar um núcleo duro próximo ao presidente", afinal "mudar o ministro e o assessor internacional no mesmo momento seria algo indicativo de uma crise profunda, na beira de um impeachment, o que não acho que seja o caso".
Maringoni relativizou a relevância da manutenção de Martins no cargo, lembrando que "ele não ocupa uma função executiva. Não tem contato com embaixadores e não está operando a política externa".
Núcleo duro
Apear da mudança na chefia do Itamaraty, o governo Bolsonaro deve manter retórica internacional que agrade seus apoiadores.
"O governo Bolsonaro não funciona no sentido de buscar apoio da maioria, não funciona da maneira cartesiana que estamos acostumados na política de disputar a hegemonia", disse Maringoni.
Segundo o especialista, o presidente "busca consolidar o seu núcleo duro, que o apoia e representa entre 25% e 30% do eleitorado".
"Acho difícil a política institucional mudar significativamente, porque, para isso, o governo precisaria mudar suas concepções centrais", acredita Maringoni. "A desestabilização da lógica do ambiente político é a própria razão de ser do governo."
Apesar das mudanças de forma no Itamaraty, "vamos continuar tendo um extremismo com punhos de renda", disse o especialista.
O processo seria similar ao da substituição do general Eduardo Pazuello pelo cardiologista Marcelo Queiroga na chefia do Ministério da Saúde.
"Queiroga implanta a mesma política, sem ter modificado absolutamente nada", disse Maringoni. "Mas um sujeito que conversa com a imprensa e come de garfo e faca, imagino."
Da mesma forma, "é bem possível que o novo chanceler seja uma pessoa afável, educada, de boas maneiras, que não vá fazer declarações extremadas", acredita o especialista.
Mudanças
A forte pressão do Congresso, aliada à insatisfação de setores econômicos com a gestão da política externa, deve favorecer a realização de alguns ajustes na atuação externa brasileira.
"Acho que a política externa pode fazer ajustes, como deixar de fazer provocações em relação à China, diminuir essa ênfase discursiva", acredita Berringer. "Deve manter sua subordinação passiva [aos EUA], mas não de forma tão explícita."
A conversa do presidente Jair Bolsonaro com seu homólogo russo, Vladimir Putin, na terça-feira (6), pode apontar para uma relação menos distanciada dos países do BRICS, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
"Que as relações com o BRICS são relevantes eu não tenho dúvidas. A cadeia farmacêutica passa necessariamente por Índia e China", lembrou Berringer. "Nesse sentido, pode haver, sim, um ajuste."
A queda de Ernesto Araújo foi em boa medida capitaneada pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e ex-ministra da Agricultura durante o segundo governo de Dilma Rousseff.
"Kátia Abreu sempre se colocava contra a política externa do governo Bolsonaro, vocalizando os interesses do agronegócio e colocando-se a favor da manutenção de boas relações com a China em função das exportações de soja", disse Maringoni.
Para poder compor diálogo com o Congresso, o novo chefe do Itamaraty poderá se mostrar mais atento a demandas do agronegócio.
"Mas não foi só o agronegócio [...] eu diria que vários setores econômicos já estavam insatisfeitos com a política externa do governo", disse Berringer.
Pelo caráter beligerante, "a expectativa era justamente que uma política externa nesse tom duraria pouco", disse a especialista.
"Ainda é muito cedo para avaliar o ajuste. Ninguém sabe ao certo o que levou à queda [de Ernesto Araújo]", ponderou Berringer. "É um momento de bifurcação: podemos caminhar tanto para o estado de sítio quanto para uma derrota do Bolsonaro nas urnas em 2022."
Na terça-feira (6), o embaixador Carlos Alberto Franco França tomou posse como ministro das Relações Exteriores do Brasil, em cerimônia que não contou com a cobertura da imprensa. França ocupava o posto de assessor-chefe do presidente Jair Bolsonaro, a cargo do cerimonial da Presidência da República.