Após um período turbulento da relação com a China, o Brasil dá sinais de que tenta restabelecer os laços com os asiáticos. A troca de Ernesto Araújo por Carlos França no comando do Ministério das Relações Exteriores não só já aliviou a tensão política entre os países, como criou expectativas positivas.
Poucos dias depois de sua posse - em 6 de abril -, o novo chanceler se reuniu com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, na última sexta-feira (9), e reconheceu a importância do papel dos chineses no cenário mundial.
França também discutiu a possibilidade de acelerar a importação pelo Brasil de insumos para a produção de vacinas contra a COVID-19.
Nesta terça-feira (13), o embaixador da China no país, Yang Wanming, exaltou a atuação do novo ministro em pouco tempo no cargo.
Queria deixar os meus sinceros parabéns ao Sr. Carlos França, o Chanceler Brasileiro por ter feito tanto trabalho em menos de uma semana, e lhe desejo muito sucesso no futuro. @ItamaratyGovBr https://t.co/hXLsiE1xPV
— Yang Wanming (@WanmingYang) April 13, 2021
Para Marcus Vinicius Freitas, professor visitante de Direito Internacional Público e de Relações Internacionais da Universidade de Relações Exteriores da China, sediada em Pequim, a troca da titularidade na pasta foi um passo importante.
Segundo ele, as convicções do ex-ministro Ernesto Araújo não estavam em sintonia com os interesses do Brasil "no sentido de uma exploração mais consciente e clara da relação bilateral".
O professor avalia que o Brasil ainda tem muito a explorar na relação com a China, com a possibilidade de "ganhos exponenciais".
"O ex-ministro Ernesto [Araújo] pretendia montar uma resistência contra a China na sua cruzada contra o globalismo, em uma associação ao governo Trump [ex-presidente dos EUA]. E essa realidade já não é o que se apresenta neste início de século XXI, onde vemos claramente uma transição e mudança de eixo", afirmou Freitas em entrevista à Sputnik Brasil.
O especialista explica que o papel do chanceler é fundamental para restabelecer as pontes com a China. Porém, as declarações e as eventuais medidas do presidente da República, Jair Bolsonaro, referentes ao governo chinês vão nortear de maneira mais concreta a relação entre os países.
"A grande questão é o quanto o presidente acredita nessas teorias conspiratórias contra a China e o quanto ele está convencido de que é importante para o país manter uma relação mais aprofundada com a China", disse.
Para o professor de Direito Internacional Público e de Relações Internacionais, o Itamaraty precisa colocar a China em sua pauta prioritária e estratégica.
Ele ressalta a importância de aumentar o número de diplomatas que falam chinês no ministério e o tamanho da missão brasileira na China e de explorar o intercâmbio político e comercial entre os países.
"A troca do chanceler é um ponto inicial, mas é importante que o governo brasileiro tenha mentes pensando sobre a melhor forma de interagir com o governo chinês e de descobrir coisas que possam ser benéficas e que tenham sinergias entre os dois países", afirmou.
Vacinas contra a COVID-19
No caso da importação de insumos e de imunizantes da China, o remédio é o mesmo, segundo Freitas. Ele conta que o governo chinês valoriza o que tem sido chamado de "diplomacia da vacina".
No Brasil, o Instituto Butantan produz a vacina chinesa CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório Sinovac. Em diversas ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro já criticou o imunizante, que virou motivo de disputa política com o governador de São Paulo, João Doria, que defendeu a importância da vacina para o país.
"A questão da vacina e dos aparelhos internacionais são importantes. A China deverá seguir na toada da diplomacia da vacina. E, com certeza, o Brasil é um parceiro prioritário para a China", disse.
O especialista afirma que os chineses têm interesses estratégicos de curto, médio e longo prazo no Brasil e contam com posicionamentos em seu favor em discussões internacionais.
"A mudança de ares no Itamaraty, se for de fato seguida por uma política de maior aproximação, poderá incentivar o governo chinês a observar o Brasil como um parceiro mais confiável", indicou.
O que mais o Brasil tem a ganhar com a China?
Segundo Freitas, o aprofundamento da relação do Brasil com a China não passa só pela questão comercial, mas também por uma intensificação dos laços culturais.
O professor lembra que a novela da TV Globo "Caminhos das Índias", exibida em 2009, melhorou as relações do Brasil com o país. Para ele, algo semelhante poderia ocorrer com a China se o Brasil puder explorar formas de "desmistificar percepções equivocadas" sobre o país asiático.
O especialista acredita que, no Brasil, muitos ainda "não entenderam o quanto a China evoluiu nos últimos anos".
Freitas avalia que existem diversas áreas em que o Brasil pode se beneficiar com uma relação mais estreita. Ele cita, por exemplo, obras de infraestrutura, administração de grandes cidades e experiências nas questões urbanísticas.
A tecnologia chinesa, em sua visão, é outro aspecto importante na relação entre os dois países. Além de parcerias para a importação de bens materiais, o Brasil pode criar alternativas para o desenvolvimento de tecnologias em conjunto.
"A China é o país que mais investe em inteligência artificial. Poderíamos criar convênios na área de engenharia para que essa inteligência artificial pudesse dar ao Brasil uma vantagem competitiva ainda maior na agregação de valor aos produtos agrícolas", pontuou.
O especialista ressalta ainda a importância de abrir mais oportunidades para empresas chinesas entrarem no Brasil e incentivar o caminho inverso, para companhias brasileiras criarem raízes na China. Para ele, a moeda chinesa (yuan) também poderia ser mais utilizada nas transações comerciais com a China.
"É preciso sair do plano político, estudar a relação e que haja mais gente no ministério dedicada à China como país, cultura e, principalmente, parceiro para o desenvolvimento econômico do Brasil", afirmou.