Nas últimas semanas, um aumento significativo nas tensões militares na Ucrânia levou muitos analistas a questionarem se estaríamos à beira de um conflito militar.
Moscou reconheceu ter mobilizado tropas para a fronteira com a Ucrânia, dizendo estar preocupada com atividades militares da OTAN em suas fronteiras.
A Missão Especial de Monitoramento para a Ucrânia da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa (OSCE, na sigla em inglês) identificou aumento da atividade militar nas fronteiras da região de Donbass, na Ucrânia.
"Nas últimas semanas vimos uma alta significativa nas atividades na linha de contato. Entre 22 de março e 4 de abril de 2021, confirmamos 3.922 violações ao cessar-fogo na região", informou a missão especial à Sputnik.
Autoridades russas declaram reiteradamente que, apesar de não estarem interessadas em um conflito de larga escala, preparam sua Defesa em caso de necessidade.
"Nós com certeza vamos garantir a nossa segurança e defender nossos interesses em qualquer caso. Não queremos uma escalada, mas estamos prontos para todo tipo de desenvolvimento", disse o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, à Sputnik.
Mas por que a Rússia decidiu movimentar suas tropas justamente agora? Qual o risco de conflito militar na região? A Sputnik Brasil conversou com o diretor do Instituto de Pesquisa em Política e Conflitos de Kiev, Mikhail Pogrebinsky, para responder a essas perguntas.
Movimentação de tropas
A escalada de tensões entre a Rússia e a Ucrânia é anterior à movimentação de tropas russas em direção às fronteiras.
"Há cerca de um mês, a Ucrânia deu mostras de estar se preparando para uma invasão da linha de contato", disse Pogrebinsky à Sputnik Brasil. "A Ucrânia fez demonstrações, levando tanques e armamentos pesados."
Em 12 de março de 2021, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia, Ruslan Khomchak, declarou que a cooperação entre a OTAN e Kiev "se aprofundava".
"Ele também declarou que o país preparava seus soldados para combates urbanos, o que foi percebido como um sinal claro de que a Ucrânia se preparava para um ataque", disse Pogrebinsky.
Além da "retórica agressiva de autoridades ucranianas de diversos escalões", o recrudescimento de políticas percebidas como anti-russas conduzidas por Kiev também contribuiu para o aumento de tensões.
"Durante muito tempo foi se agravando uma situação na qual a Ucrânia se permitia tomar medidas duras [...] como repressão à oposição política e a todos os que defendiam algum tipo de acordo com Moscou em relação a região de Donbass", relatou Pogrebinsky.
A gota d'água veio quando o governo ucraniano baniu por cinco anos as atividades de três canais de televisão de fala russa.
O dono de um dos canais banidos, Taras Kozak, que é líder de partido de oposição no Parlamento ucraniano, descreveu a decisão do governo como "ato descarado de censura".
De acordo com a porta-voz da presidência ucraniana, Yulia Mendel, "esses meios de comunicação tornaram-se uma das ferramentas da guerra contra a Ucrânia, por isso estão bloqueados para proteger a segurança nacional".
Para Pogrebinsky, "medidas como essa estavam sendo tomadas há muito tempo, sem que houvesse consequência nenhuma".
"A Rússia quer demonstrar que vai responder a essa política conduzida pela Ucrânia, com o consentimento de fato dos EUA e da União Europeia", acredita o especialista.
Engajamento dos EUA
Além do recrudescimento retórico, o início do ano também foi marcado pelo início da administração Biden. Nesse contexto, a movimentação de tropas pode ser uma forma de, tanto a Ucrânia quanto Rússia, testarem o nível de engajamento de Biden com a contenda.
"Esse elemento também está presente, mas infelizmente os EUA têm uma compressão bastante falha sobre a posição russa na Ucrânia", lamentou Pogrebinsky.
O analista nota que os EUA têm dificuldades para fazer concessões, notando que "eles ainda acreditam que podem ditar suas próprias condições à Rússia, como faziam há algumas décadas".
"Mas os EUA não podem resolver o conflito ucraniano sem o diálogo com a Rússia", notou. "E isso também é verdadeiro para outras questões internacionais, como o Irã e o debate sobre o clima."
Além disso, a atual crise demonstra uma "derrota simbólica importante" para o apoio ocidental ao governo de Kiev.
"As movimentações mostram que [...] militarmente, o Ocidente não conseguiria parar o Exército russo. E isso é uma derrota significativa, uma vez que o apoio prometido não atingiu resultados", explicou Pogrebinsky.
Portanto, as ações russas têm o objetivo de mostrar "não só para Kiev, mas também para Washington, que eles não estão em posição de responder".
A mensagem pode ter sido ouvida do outro lado do Atlântico. Nesta terça-feira (13), o presidente dos EUA, Joe Biden, telefonou ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, para debater a situação ucraniana. Biden inclusive propôs um encontro entre a alta cúpula da Rússia e dos EUA em um país terceiro.
"Acredito que o telefonema de Biden veio no sentido de pedir uma pausa, de dar alguns passos para sair dessa situação perigosa e estabelecer um diálogo", opinou o especialista. "O importante é que os norte-americanos chegaram à conclusão de que para eles o mais vantajoso agora é sair desse momento crítico."
No entanto, "enquanto os políticos norte-americanos falavam em diálogo e relações construtivas, os militares mantiveram o discurso belicoso", apontou.
A retórica ucraniana tampouco parece ter arrefecido. O embaixador da Ucrânia na Alemanha, Andriy Melnyk, sugeriu que Kiev poderia optar por adquirir armas nucleares para enfrentar Moscou, caso não pudesse se tornar membro da OTAN.
Os países europeus se movimentaram e marcaram encontro entre a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o da Ucrânia, Vladimir Zelensky, por vídeoconferência nesta sexta-feira (16). Os tanques seguem estacionados nas fronteiras, mas a diplomacia volta a ter papel central na resolução de mais uma crise na Ucrânia.