Na terça-feira (13), a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (FEHOSP) lançou um alerta sobre o desabastecimento de medicamentos usados para intubação de pacientes. Segundo o documento, os hospitais teriam de três a cinco dias de estoque. Apelos semelhantes foram feitos por governadores e prefeitos de capitais à comunidade internacional, apontando falta de ação do governo federal.
A situação de escassez vem sendo relatada nas últimas semanas em meio ao pico da pandemia da COVID-19 no Brasil, que já matou quase 370 mil brasileiros. Apenas em março deste ano, foram quase 67 mil óbitos. Em abril, cerca de 44 mil pessoas morreram em 15 dias, conforme dados da Universidade Johns Hopkins.
Na quarta-feira (15), chegou ao Brasil um lote de 2,3 milhões, de um total de 3,4 milhões, dos medicamentos necessários para a intubação. Fabricados na China, os sedativos, neurobloqueadores e analgésicos opioides foram doados ao Sistema Único de Saúde (SUS) por um grupo de empresas brasileiras. Além disso, uma outra doação dos mesmos medicamentos foi feita pelo governo espanhol e deve chegar ao Brasil ao longo da próxima semana, conforme comunicado do Itamaraty.
O médico Sylvio Provenzano, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) e chefe do setor de Clínica Médica do Hospital dos Servidores do Estado no Rio de Janeiro, explica que o chamado kit intubação pode ser dividido em duas partes: materiais e medicamentos.
"O que está faltando, e é o que a gente teve evidentemente notícias, seja pela mídia, seja pelos próprios hospitais quando o CREMERJ foi lá fiscalizar, são alguns medicamentos, em especial bloqueadores neuromusculares como rocurônio, que é uma substância que seda o indivíduo permitindo que a intubação seja feita com mais facilidade", explica o médico em entrevista à Sputnik Brasil.
O procedimento da intubação, delicado e doloroso, liga o paciente a um respirador e exige técnica e habilidade do médico, que tem um tempo relativamente curto para realizar a intubação.
"As substâncias são necessárias para permitir uma facilidade maior ao processo de intubação, que nada mais é do que a introdução de um tubo através do nariz ou da boca e que vai chegar pela traqueia até os pulmões. Evidentemente esse procedimento realizado com o indivíduo acordado é nazista, é uma tortura a sangue-frio, isso não é feito", afirma Provenzano.
O ex-presidente do CREMERJ explica que os hospitais têm cálculos de consumo prévio para os medicamentos necessários para a intubação, mas essa previsão foi ultrapassada pela alta demanda gerada pela pandemia da COVID-19. Desde o final de 2020, o número de casos e mortes causadas pela doença não para de crescer, o que levou o sistema hospitalar no Brasil ao colapso devido ao número inédito de pessoas precisando de atendimento.
"As compras para o almoxarifado geral do hospital se baseiam nesse consumo, só que devido à COVID-19 os procedimentos de intubação orotraqueal aumentaram em demasia, o que levou evidentemente a um consumo maior dos medicamentos e que não foi substituído, não houve uma reposição por parte dos fornecedores", conta.
O médico explica que diante da escassez, medicamentos similares foram utilizados, mas mesmo essas alternativas começaram a faltar nos hospitais.
"Isso alertou os médicos, o que chamou a atenção, inclusive, do próprio conselho regional de medicina, que estabeleceu contato com as autoridades a nível federal, estadual e municipal", aponta Provenzano.
Para o ex-presidente do CREMERJ houve, ao mesmo tempo, uma falta de capacidade da indústria para atender o crescimento da demanda e a disparada dos preços dos medicamentos necessários para a intubação que, segundo ele, chegaram a ficar dez vezes mais caros. Apesar disso, Provenzano aponta que as doações recebidas devem garantir o atendimento e ganhar tempo para reposição dos medicamentos.
"A entrega desses kits pela China e pela Espanha deve normalizar a situação. Isso vai dar um tempo para a indústria nacional se preparar para poder aumentar sua produção. É isso que a gente aguarda e com isso não deve haver dificuldade na assistência às pessoas", conclui.