O governo boliviano se prepara para relançar o processo de industrialização do lítio, informou o jornal Periódico Bolívia na semana passada. O ex-gerente nacional de Recursos Evaporitos da Corporação Mineira da Bolívia e ex-ministro de Minas e Metalurgia boliviano, Luis Alberto Echazú, explica à Sputnik como o ousado plano de lítio do ex-presidente Evo Morales foi interrompido e por que a integração regional é essencial para o desenvolvimento do setor.
Durante visita ao México em março, o presidente boliviano, Luis Arce, afirmou que a Bolívia retomou as negociações para a industrialização de suas reservas de lítio com a Alemanha e abriu as portas para outros países que queiram participar do projeto.
Estratégia de Morales para o lítio
A Bolívia tem um dos maiores depósitos de lítio entre os países do Triângulo de Lítio da América Latina, que conta ainda com Argentina e Chile. De acordo com o último relatório de lítio do Serviço Geológico dos EUA, apenas no Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, a Bolívia tem mais de 21 milhões de toneladas métricas do metal alcalino.
Como as principais economias do mundo têm procurado mudar de combustíveis fósseis para energia limpa nos últimos anos, a demanda por lítio, uma parte integrante das baterias para veículos elétricos e armazenamento de energia, está aumentando. Além disso, as baterias de íons de lítio são indispensáveis para todo um conjunto de dispositivos recarregáveis populares, incluindo smartphones, laptops e tablets. Segundo algumas estimativas, o mercado mundial de lítio pode crescer 500% nos próximos 35 anos, o que torna as reservas da Bolívia fundamentais para o país e para o mercado global.
Dessa forma, o ex-presidente Evo Morales (2006-2019) começou a buscar parceiros internacionais para comercializar as riquezas de lítio de La Paz. Morales não queria que o país se tornasse um mero exportador de matéria-prima, mas planejava criar toda uma cadeia industrial incluindo fábricas de baterias e fábricas de automóveis na Bolívia.
"A Estratégia de Industrialização de Recursos Evaporitos, elaborada em 2009, contemplou desde seu início a construção de fábricas de materiais catódicos e baterias em território boliviano", lembra Echazú.
Ainda assim, a extração do metal apresenta uma série de desafios. Primeiro, a salmoura de lítio encontrada em Uyuni tem altos níveis de magnésio, exigindo esforços adicionais para separar os dois. Depois, as chuvas e o clima mais frio de Uyuni diminuem a taxa de evaporação da salmoura, o que torna a extração mais problemática. Por fim, a falta de infraestrutura cria mais obstáculos.
"15 empresas de diferentes países apresentaram propostas de industrialização do complexo de evaporitos para formar um empreendimento conjunto com a empresa boliviana YLB [Yacimientos de Litios Bolivianos]", observa Echazú. "Esse empreendimento teve a estatal como sócia majoritária."
"A empresa que obteve a maior pontuação e, por isso, foi premiada foi a alemã ACI Systems, tudo isto no Salar de Uyuni", destaca o ex-ministro. Além disso, a ACI Systems Alemania GMbH ofereceu uma nova tecnologia que visa agilizar o processo de extração por meio da produção de hidróxido de lítio diretamente da salmoura.
Uma licitação semelhante foi realizada para o Salar de Coipasa, quinto maior deserto de sal do mundo e o segundo mais importante da América do Sul, que viu a empresa chinesa TBEA sair vencedora.
Golpe interrompe planos de Morales
Esperava-se que ACI Systems e YLB estabelecessem uma planta capaz de produzir de 35.000 a 40.000 toneladas de hidróxido de lítio anualmente até o final de 2022. No entanto, os termos do empreendimento conjunto, incluindo os royalties para as comunidades locais, foram contestados pelo Comitê Cívico de Potosí (Comcipo, na sigla em espanhol), entidade que defende os interesses dos trabalhadores e os recursos naturais da região de Potosí.
Diante da pressão local, Evo Morales foi obrigado a suspender a colaboração com a empresa alemã: "O empreendimento conjunto foi constituído por meio de um decreto supremo, o mesmo que foi revogado pelo governo, antes do golpe de outubro-novembro de 2019", observa Echazú.
"Acredito que o Comcipo distorceu a política do governo boliviano […]. Na realidade, esse movimento fez parte do golpe de Estado e, portanto, impediu o desenvolvimento da industrialização do lítio e de outros componentes da salmoura. Esse comitê tem assessores que trabalharam com o governo chileno e outros com uma posição francamente neoliberal, contrária ao desenvolvimento de políticas soberanas e de mudança social. Por isso faziam parte do governo golpista de Jeanine Añez, cujo objetivo era entregar as salinas e sua exploração a empresas transnacionais, segundo afirmam seus ministros", garante Echazú.
Da mesma forma, o golpe de Estado na Bolívia em 2019 atrapalhou o plano do governo boliviano de estabelecer um empreendimento conjunto com a TBEA, "mas um acordo final foi alcançado sobre os estatutos da empresa, restando apenas a aprovação do decreto supremo", enfatiza o ex-ministro.
Integração para proteger América do Sul da exploração de empresas transnacionais
Luis Arce está determinado a reviver o plano de Morales e acelerar sua implementação, a julgar pelo plano Estratégia Industrial de Lítio Primeiro. A estratégia prevê, em particular, a conclusão de uma avaliação completa dos recursos de lítio da Bolívia, além de engajar-se com empresas líderes em lítio e baterias de todo o mundo e garantir que a Bolívia seja vista como líder global na indústria de lítio.
Ao mesmo tempo, a Bolívia está procurando fortalecer a colaboração com outros países latino-americanos produtores de lítio. No final de março, Arce visitou seu homólogo mexicano, Andrés Manuel López Obrador, para discutir um conjunto de questões, incluindo integração regional e produção do metal alcalino. O México, como a Bolívia, o Chile e a Argentina, tem reservas significativas de lítio.
"A cooperação e integração das economias de nossos países latino-americanos sempre será benéfica para nossos povos […]. A cooperação em matéria científica e tecnológica pode permitir um maior avanço em grandes projetos de industrialização dos enormes recursos naturais da região e, assim, impedir a penetração de empresas transnacionais que buscam apenas explorar matérias-primas e saquear suas reservas", defendeu Echazú.