Mesmo 25 anos depois do massacre, não há avanços significativos que possam ser comemorados a respeito da segurança dos camponeses brasileiros. É o que afirma Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em entrevista à Sputnik Brasil nesta terça-feira (20).
"Por parte do governo federal, principalmente, em vez de encerrar os conflitos, ele tem acirrado os conflitos. […] A segurança para as comunidades é ter terra, é ter água, é ter seu território preservado e garantido, para que elas possam existir neste espaço. A segurança diz respeito a isso. Mas quem tenta garantir a segurança do seu próprio território são as comunidades, em vez de ser uma ação do governo. O governo se coloca como inimigo dos povos do campo", afirma Wichinieski.
Conflitos aumentaram 30% em 2020, diz especialista
Desde 1985 até 2019, período com dados levantados pela CPT, foram mais de 50 massacres no Brasil conduzidos contra 251 indígenas, ribeirinhos, trabalhadores sem terra e pessoas de toda a diversidade dos povos camponeses brasileiros. Segundo Wichinieski, a Amazônia Legal e o Nordeste são as áreas do território nacional que mais concentram conflitos contra camponeses. Entre os estados, o Pará é o que apresenta mais conflitos, seguido por Rondônia, Mato Grosso e Maranhão.
"Em alguns municípios até se consegue articulação junto às prefeituras, mas são poucos os municípios que facilitam este processo de políticas específicas para comunidades camponesas. […] As comunidades têm cada vez menos segurança", diz a especialista.
Segundo os dados mais recentes do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, foram 18 mortes por violência contra trabalhadores do campo no Brasil em 2020. Elas ocorreram em nove estados: Acre (uma morte), Amazonas (cinco), Bahia (uma), Maranhão (cinco), Pará (uma), Paraná (uma), Rio de Janeiro (uma), Rondônia (uma) e Roraima (duas).
"Em 2020 tivemos aumento de 30% nos conflitos por terra. Tivemos uma redução no número de assassinatos, mas também tivemos a entrada tanto do agronegócio como de madeireiros e mineradoras sobre comunidades e povos tradicionais. Mais de 80 mil famílias tiveram suas terras invadidas por estes setores", destaca Wichinieski.
'Ninguém quer aquilo que não é de seu direito', afirma Wichinieski.
A especialista ressalta que, quando se fala em violência contra as comunidades camponesas, não se trata apenas de assassinatos e agressões físicas. A expropriação de terras e águas, a destruição de plantações e roças, a devastação do ambiente, com a poluição de terras e águas pela monocultura, são bastante frequentes, assim como a violência psicológica, com ameaças e tortura.
Além da violência, agricultores lutam também contra a redução do crédito e a diminuição de programas de incentivo à agricultura familiar, como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que não facilita mais a introdução dos produtos produzidos pelos camponeses no mercado.
"A partir de 2000, com o boom do agronegocio, com o avanço do capital sobre o campo, as comunidades e povos tradicionais começaram a ser mais impactados diretamente. Nos últimos dois anos, observamos um aumento significativo de assassinatos contra comunidades de assentados e sem terra. Mas em sua maioria a violência atinge as comunidades indígenas, que se colocam em enfrentamento ao capital e às ações genocidas do governo federal", avalia a especialista.
Para Wichinieski, a impunidade é um dos principais problemas enfrentados pelos trabalhadores do campo no Brasil. Casos de trabalho escravo e até mesmo de assassinatos muitas vezes acabam arquivados sem que haja punição aos responsáveis.
Além disso, é preciso reduzir a desigualdade social e os índices de pobreza. Para isso, a melhor solução, segundo ela, é garantir um acesso democrático à terra.
"Os conflitos poderiam ser amenizados se as comunidades e povos tradicionais tivessem seus territórios garantidos. Ninguém quer aquilo que não é de seu direito", finaliza Wichinieski.