O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli defendeu hoje (29) o fim de uma norma que permite estender os prazos de patentes no Brasil, fazendo com que, em alguns casos, as mesmas durem por até 30 anos.
Na última quarta-feira (28), o STF deu início ao julgamento de um processo movido há cinco anos pela Procuradoria-geral da República (PGR) contra essa regra, presente na Lei 9.279/96 — Lei de Propriedade Intelectual (LPI) —, segundo a qual, em caso de demora na análise de pedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), o monopólio sobre a produção e comercialização de um determinado produto pode se prolongar por vários anos.
😷No início da sessão plenária de hoje (29), o presidente do STF, ministro Luiz Fux, manifestou solidariedade aos familiares dos mais de 400 mil brasileiros que faleceram em razão da #Covid19.
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A ação em questão foi apresentada pelo então PGR Rodrigo Janot em 2016, atendendo a um desejo de fabricantes de medicamentos genéricos. No início deste mês, Toffoli, que é relator do processo no Supremo, concedeu uma liminar para suspender a prorrogação de patentes de "produtos e processos farmacêuticos e equipamentos e/ou materiais de uso em saúde", citando preocupações com a pandemia da COVID-19.
"Não se sabe o prazo final da vigência de uma patente no Brasil até o momento em que essa é efetivamente concedida, o que pode demorar mais de uma década", afirmou o ministro, nesta quinta-feira (29), durante seu voto, ainda não finalizado. Para o ministro, essa prorrogação automática viola a segurança jurídica, o princípio da eficiência da administração pública e o direito à saúde.
Relator inicia voto pela inconstitucionalidade de norma que prorroga vigência de patentes no Brasil. https://t.co/QDPQRAsGDB ➕⤵️ pic.twitter.com/EGr9dAk4RL
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Preços mais baixos e maior disponibilidade de medicamentos
O julgamento da ação foi suspenso e deverá ser retomado na próxima quarta-feira (5). Nele, o Supremo analisa tanto a validade desse prazo extra das patentes como se a decisão de derrubar a regra valerá também para as patentes vigentes ou só para as concedidas futuramente.
Se o STF decidir suspender a regra de extensão de patentes, isso afetará o preço e a disponibilidade de inúmeros fármacos no país, inclusive daqueles utilizados no tratamento de sintomas de pacientes vítimas da COVID-19, conforme explica o Movimento Medicamento Acessível, que une vários setores da sociedade em prol da exclusão do parágrafo único do Artigo 40 da LPI, que trata dessa prorrogação.
Quebra de patentes:
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Por que, no auge na COVID-19, a diplomacia do Brasil se posicionou contra a quebra de patentes das vacinas contra o coronavírus?https://t.co/bkyVxAvfJz
De acordo com o movimento, a derrubada da extensão terá impacto, por exemplo, no caso do anticoagulante Rivaroxabana, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tratar sintomas do novo coronavírus, que está escasso no mercado. Com o fim da ampliação da exclusividade de produção, pelo menos oito novos laboratórios, já autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), poderiam oferecer o medicamento em um prazo de 15 a 90 dias, diminuindo drasticamente o preço e impedindo a possibilidade de falta de estoques.
Na mesma linha, o anti-inflamatório Tocilizumabe, eficaz para casos graves de COVID-19, também poderia ser produzido, uma vez que sua fórmula já é de domínio público desde 2017 em vários países. No Brasil, devido à extensão das patentes dos medicamentos, seu uso é restrito até 2023.
"A extensão de patentes, permitida pela incidência do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, tem impacto negativo direto para a população e para os órgãos públicos. Além de tirar de médicos e pacientes opções de tratamentos com genérico e biossimilares, a extensão eleva preços, desestimula a concorrência, cria monopólios e, consequentemente, gera mais gastos ao sistema de saúde e aos cidadãos", afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, o médico sanitarista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Gonzalo Vecina Neto, porta-voz do Movimento Medicamento Acessível.
Segundo o especialista, sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) responsável pela compra de milhões de medicamentos todos os anos, a extensão de patentes gera custos astronômicos para toda a sociedade, com efeitos negativos sobre a saúde pública e sobre o bolso dos consumidores.
"Com o fim da extensão de patentes, é esperado, em uma estimativa conservadora, que o preço dos medicamentos, inclusive os usados no tratamento de pacientes com COVID-19, caia ao menos 40%. Além disso, a produção por diferentes laboratórios também contribuirá para que a oferta possa suprir a atual demanda", sublinha.
Economia e aquecimento da indústria nacional
Com a participação de novas farmacêuticas na produção de medicamentos genéricos, oferecendo preços mais acessíveis à população e ao sistema público de saúde, espera-se também um fortalecimento "da indústria farmacêutica nacional, possibilitando também novos empregos", destaca, também em declarações à Sputnik, o advogado Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional).
"Quanto aos cofres públicos, estima-se que o SUS gaste a mais R$ 3,8 bilhões por ano com a prorrogação. Ou seja, a ampliação da concorrência significará uma economia relevante do orçamento destinado à saúde."
Fürst argumenta que, caso o Supremo decida pela inconstitucionalidade do Art. 40, parágrafo único, da LPI, o entendimento deverá ser aplicado com "efeitos ex tunc", ou seja, atingindo "a todos os casos de patente em prorrogação".
"Todos os laboratórios farmacêuticos com interesse em atuar no mercado nacional e devidamente autorizados pelos órgãos regulatórios brasileiros poderão produzir os medicamentos cuja patente deixará de ser prorrogada. Isso representa um grande aquecimento no mercado farmacêutico nacional, bem como ampliação do acesso a tratamentos, além de economia aos cofres públicos."
De acordo com dados divulgados pelo Movimento Medicamento Acessível, apenas 7,8% das patentes concedidas no Brasil respeitam o prazo de 20 anos. As outras 92,2% são concedidas com extensão de prazo.