Diante da escalada da pandemia e a insuficiente quantidade de doses de vacinas no país, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez um apelo mundial por imunizantes.
Em videoconferência com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, nesta sexta-feira (30), Queiroga pediu que países com estoque de vacinas compartilhem doses com o Brasil, um dos epicentros da pandemia no mundo atualmente.
Até o momento, apenas 14,95% da população brasileira receberam a primeira dose da vacina contra o coronavírus. Em números absolutos, a primeira injeção foi aplicada em 31.667.346 de pessoas. Já a segunda dose foi distribuída a 15.677.543 de brasileiros, o que equivale a 7,4% do total.
Ao mesmo tempo, o país atingiu a marca de 404.287 mortos por COVID-19 e 14.665.962 de casos da doença nesta sexta-feira (30).
"Reiteramos nosso apelo àqueles que possuem doses extras de vacinas para que possam compartilhá-las com o Brasil o quanto antes, de modo a nos permitir lograr avançar em nossa ampla campanha de vacinação, conter a fase crítica da pandemia e evitar a proliferação de novas linhagens e variantes do vírus", disse o ministro da Saúde na reunião virtual com a OMS.
Segundo o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a atitude de Queiroga pode ser analisada por duas perspectivas distintas.
Em sua avaliação, o ministro mostra seriedade ao tentar buscar mais imunizantes em um momento de alto número de contágios e mortes, mas, ao mesmo tempo, escancara a incapacidade do governo em lidar com a pandemia até aqui.
"É humilhante, para um país como o Brasil, o ministro de Estado ter que mendigar vacinas a outros países, especialmente porque o presidente Bolsonaro e o ex-ministro [Eduardo] Pazuello desprezaram as vacinas e não tiveram a devida atenção ao cenário que se desenhava", afirmou Prando em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.
Ele lembra que o Brasil poderia estar em uma situação bem mais favorável se tivesse se empenhado em negociar com produtores de vacinas desde o ano passado e também incentivado a aceleração da produção interna da CoronaVac, pelo Instituto Butantan, e do imunizante da AstraZeneca/Oxford, produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"Mas vale ressaltar que ser submetido a uma humilhação que salvará vidas vale a pena", disse o cientista político. "O ministro faz a sua parte e está tentando, o que é um elemento positivo diante desta realidade catastrófica que vivemos".
Governo mudou a posição sobre vacinas?
A postura do ministro da Saúde com relação à busca por mais vacinas vai na contramão da política adotada pelo presidente Jair Bolsonaro de menosprezar a importância dos imunizantes como solução à pandemia de COVID-19.
Para Rodrigo Prando, a explicação à aparente liberdade do ministro em atuar em favor das vacinas está no início das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid contra o presidente.
"A questão é que o governo se encontra acuado, especialmente pelo início da CPI, que investigará as ações e omissões do governo no combate à pandemia, principalmente na questão da aquisição de vacinas", afirmou o professor.
Porém, o cientista político não acredita que o presidente e o núcleo bolsonarista do governo mudaram sua visão sobre a importância da vacina.
"Não diria que é uma mudança, mas uma adequação a um cenário em que o presidente e o governo se encontram acuados. Este presidencialismo de confrontação nesses anos de governo Bolsonaro é um tipo de conduta boa na retórica, no ataque, mas tem sido péssimo na capacidade de governar e na liderança política", avaliou Prando.
O especialista afirma que a tentativa do ministro Queiroga junto à OMS é louvável, mas é "uma sinuca de bico".
"De um lado, tem que trabalhar a partir da perspectiva da ciência e da medicina e, de outro, precisa enfrentar os rompantes do presidente e dos bolsonaristas, que em grande parte das vezes são negacionistas e tratam a pandemia com desprezo", disse.
Segundo o professor, a situação de Queiroga é vivida, em menor ou maior grau, por todos os ministros do governo. Ele avalia que todos precisam submeter seu conhecimento técnico, científico, acadêmico e até político às idiossincrasias do presidente.
"É muito difícil tentar trabalhar em uma situação em que o presidente da República, que é a liderança máxima do país, não dá apoio e, ao contrário, muitas vezes atrapalha o trabalho do ministro, que é incessante na tentativa de equacionar e trazer algum sinal de esperança à população brasileira", afirmou.