O último Dia do Trabalhador, no sábado (1º), não foi motivo para grandes comemorações. A pandemia de COVID-19 aprofundou o desemprego no Brasil, mas a crise no mercado de trabalho do país começou muito antes de o vírus aparecer. É o que apontam economistas consultados pela Sputnik Brasil, após a nova alta da taxa de desemprego, que subiu de 14,2% para 14,4% no trimestre encerrado em fevereiro, como divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última sexta-feira (30).
O número de #desempregados no #Brasil foi estimado em 14,4 milhões no trimestre encerrado em fevereiro, com taxa de #desemprego de 14,4%. Em um ano de #pandemia, houve redução de 7,8 milhões de postos de #trabalho.
— IBGE Comunica (@ibgecomunica) April 30, 2021
Saiba mais na #PNAD Contínua, do #IBGE: https://t.co/fDyc1mvaHk pic.twitter.com/ZOivn0ZuWF
De fato, o desemprego já está em patamares elevados há cinco anos. Desde o trimestre terminado em fevereiro de 2016, o índice, principal termômetro para medir o aquecimento do mercado de trabalho no país, está acima dos 10%.
O economista, empresário e ex-banqueiro Eduardo Moreira avalia que, apesar de a crise sanitária ter atingido o mercado de trabalho em todo o mundo, o Brasil deverá ter mais problemas para se recuperar. Isso porque, segundo o especialista, o desemprego no país é estrutural, e não conjuntural.
Para alterar o panorama e reduzir o desemprego, ele explica que o Brasil precisa de investimentos. Porém, devido ao lento processo de vacinação e, principalmente, às incertezas econômicas, os empresários, brasileiros ou estrangeiros, estão receosos de investir sem vislumbrar a possibilidade de retorno no futuro.
"Se não tiverem um grau de certeza grande em relação às condições do futuro, as empresas não investem, porque investir significa ficar mais pobre hoje, abrir mão de recursos. Se elas acham que o futuro será pior do que hoje, não vão investir nada, vão segurar o dinheiro", afirmou Moreira em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil. "Quanto mais incerteza no cenário, menos disposição para investir. E quanto menos se investe, mais devagar é o ritmo de retomada dos empregos", disse.
Antes da crise causada pelo coronavírus, o economista lembra que outros fatores contribuíram para elevar os níveis de desemprego no país.
Segundo ele, a crise no mercado de trabalho brasileiro começa com a adoção de uma agenda de corte de gastos e redução de investimentos, desde o final do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, entre 2015 e o início de 2016.
Outros fatores que explicam a mudança de patamar, de acordo com Moreira, são a queda no preço das commodities, entre 2014 a 2016, e os impactos da Operação Lava Jato nas principais empresas brasileiras, gerando um "efeito cascata" na economia do país.
De dezembro de 2014 a março de 2017, segundo dados do IBGE, a taxa de desocupação pulou de 6,5% para 13,7%. Nos três anos seguintes, até o início da pandemia, o índice oscilou na faixa de 11% a 13%.
Com a crise sanitária e o fechamento de postos de trabalho, o indicador atingiu seu recorde histórico em setembro do ano passado, com 14,6% da população sem emprego.
O levantamento é realizado desde janeiro de 2012, por meio de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), pelo método da média móvel trimestral.
"Quem pode forçar a desatar o nó é o próprio governo, que pode decidir investir mesmo em condições onde os riscos parecem maiores. Mas o Estado resolveu cortar em vez de investir. Diminuiu seu tamanho, seja através de privatizações ou do teto dos gastos [emenda constitucional aprovada em 2016 que impede investimentos acima da inflação]", analisou Moreira.
Segundo o economista, o cálculo é simples: com menos brasileiros empregados, há menos consumidores em potencial na economia.
"Precisamos de uma demanda saudável. E essa demanda vem de pessoas que estão empregadas, recebendo salários que estejam aumentando em termos reais", disse.
O economista Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que não se surpreende com os resultados negativos da economia brasileira, em especial com relação ao emprego, após o conjunto de reformas implementadas a partir do governo do ex-presidente Michel Temer.
Segundo ele, a reforma trabalhista, por exemplo, desestruturou o mercado de consumo doméstico, com "efeitos nocivos quanto à própria capacidade do país de retomar o crescimento".
Já sobre o teto dos gastos, o especialista aponta que a nova regra gerou "maior irracionalidade" do uso do dinheiro público, "mais conflitos político sobre o orçamento e menor capacidade de planejamento do Estado".
"As reformas tiveram o efeito esperado. Já se discutia que os efeitos das reformas seriam devastadores para a economia brasileira e que a reforma trabalhista não teria o impacto em termos de criação de emprego em uma economia estagnada ou em semiestagnação", disse Rocha à Sputnik Brasil.
Setores mais impactados
De acordo com o IBGE, oito de dez ramos de atividades profissionais tiveram queda no número de ocupados na comparação com o mesmo trimestre do ano passado.
As maiores perdas de vagas ocorreram entre trabalhadores do comércio, com dois milhões de postos de trabalho a menos que há 12 meses.
Na sequência, aparecem alojamento e alimentação (com menos 1,5 milhão de trabalhadores), indústria (menos 1,3 milhão) e serviços domésticos (também menos 1,3 milhão).
Apenas administração pública e agropecuária registraram abertura de vagas, com mais 334 mil e 226 mil, respectivamente. Mesmo assim, as duas altas são consideradas como estabilidade estatística pelo IBGE.
"Os setores que precisam lidar diretamente com o público, particularmente o de serviços, foram fortemente afetados. Isso acabou por reduzir muito a atividade econômica nesses setores, com reflexo direto sobre o nível de emprego", explicou à Sputnik Brasil o economista Mauro Rochlin, professor dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV/RJ).
Empregos mais precários
Além da taxa de desemprego, o economista Marco Rocha, professor da Unicamp, destaca a necessidade de se observar o índice de subutilização.
Esta variável abrange os desempregados, os subocupados (que dizem trabalhar menos do que gostariam) e a parte da força de trabalho que desistiu de procurar emprego (desalentados) ou que está impossibilitada por algum motivo.
Esta taxa, que chegou a ser de 15,1% em 2014, ficou em 29,2% no trimestre encerrado em fevereiro de 2021.
Segundo Rocha, o indicador passou a ser importante "nesse mundo de novas relações trabalhistas, com trabalho intermitente e por aplicativo".
"Essa taxa demonstra todo um conjunto da população que foi deslocado de uma estrutura mais formal para essas novas formas de ocupação. Dá um panorama mais geral do que tem acontecido com relação ao desemprego. Muitos acabam ficando desempregados e se alocando nas formas possíveis dentro da nova estrutura de ocupação", explicou o professor da Unicamp à Sputnik Brasil.
Futuro do emprego no Brasil
Para Mauro Rochlin, da FGV, a economia continua sofrendo interferências políticas no país. O professor aponta que a volta do crescimento, com a consequente geração de empregos, passa por uma "grande concertação política".
"O governo atual, infelizmente, não usufrui da confiança de setores empresariais importantes. A turbulência política acentua a aversão ao risco, e o que estamos vendo é uma redução de investimentos", afirmou Rochlin.
Já Marco Rocha, da Unicamp, avalia que, para reaquecer o mercado de trabalho no país, serão necessárias medidas econômicas que revertam as reformas dos últimos anos.
Ele acredita que, nos moldes econômicos atuais, com a política do teto dos gastos, o governo tem pouca capacidade de estimular a demanda devido aos limites da nova regulamentação.
"Enquanto não fizermos reformas que vão justamente na contramão daquelas que foram feitas, estaremos em uma amarra que inviabiliza os instrumentos necessários para sair do buraco. Ou seja, precisamos de reformas que deem mais garantias para se reconstruir o mercado de consumo doméstico e que permita que o Estado volte a ser um elemento de planejamento e de indução do crescimento econômico", indicou.