Nesta quinta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, completa um mês na chefia da política externa brasileira.
Sua ascensão ao cargo se deu após grave crise entre o Itamaraty e o Legislativo, que forçaram a saída do então chanceler, Ernesto Araújo.
A gestão de Araújo foi culpada pelas dificuldades do Brasil em adquirir vacinas contra a COVID-19 internacionalmente, enquanto o novo coronavírus ceifava mais de três mil vidas diariamente.
O presidente, Jair Bolsonaro, optou por nomear o diplomata que chefiava o seu cerimonial, Carlos Alberto Franco França, para liderar o Ministério das Relações Exteriores.
Com perfil mais discreto, o novo chanceler parece ter retomado o tom polido característico das chancelarias ao redor do mundo.
Mas, sem poder para influenciar o presidente, França pode não realizar mudanças significativas na política externa brasileira.
"O Carlos Alberto França é um quadro interno do Itamaraty que pode até ser excelente, mas não tem força política dentro do governo", disse o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, Gilberto Maringoni, à Sputnik Brasil.
Maringoni lembra que Carlos Alberto França, antes de ser ministro, "não chegou a chefiar embaixadas ou ocupar postos de destaque". "Então a possibilidade de ele influenciar o Bolsonaro é muito pequena, até porque não sabemos se ele tem a capacidade de influenciar o próprio Itamaraty internamente", considerou.
Apesar da fragilidade política, a chegada de França traz alguns avanços concretos para a política externa brasileira.
"O principal ganho de termos o França no ministério é que já não há aquele tipo de balbúrdia, como acusações irresponsáveis contra a China pelo coronavírus, ou aquela postura negacionista que víamos com o Ernesto Araújo", ponderou.
Nesta semana, Carlos Alberto França compareceu à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, na qual apresentou os resultados de seu primeiro mês de mandato.
De acordo com Maringoni, França "fez um discurso razoavelmente longo, no qual sobretudo prestou contas sobre o andamento da diplomacia da vacina".
"É um discurso anódino, o que, no caso do Brasil, é um fator positivo. Antes um discurso anódino do que a postura negacionista que víamos anteriormente", considerou Maringoni.
No entanto, "por mais que o Carlos Alberto França possa ter diferenças em relação ao Ernesto Araújo, é muito difícil ele virar esse transatlântico que é a política externa brasileira", alertou o especialista.
Segundo ele, a política externa não é definida somente "pela diplomacia do Itamaraty", mas também pela "conduta econômica do Brasil conduzida pelo [ministro da Economia] Paulo Guedes, a questão do meio ambiente conduzida pelo [ministro do Meio Ambiente] Salles, e a própria diplomacia presidencial".
Portanto, sem uma mudança mais profunda nas políticas conduzidas pelo governo federal, a atuação internacional do Brasil não deve sofrer alterações significativas.
Um exemplo seria a atuação do Brasil na Cúpula do Clima convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, em meados de abril.
"Na reunião sobre o clima, o Bolsonaro pode fazer um discurso civilizado, mas internamente não há mudança nenhuma", lamentou Maringoni.
Segundo ele, o governo segue adotando política que desfavorece o combate ao desmatamento na Amazônia e dificulta a fiscalização por parte dos órgãos competentes.
"Por isso, tenho receio de que a mudança no Itamaraty com o Carlos Alberto França seja cosmética, como foi a troca no Ministério da Saúde do general Pazuello pelo ministro Queiroga", notou o especialista.
Segundo ele, apesar de Queiroga se apresentar como um perfil mais aberto ao diálogo, a política de saúde do governo Bolsonaro não sofreu nenhuma alteração de monta.
"O que mudou com o Queiroga no Ministério da Saúde? Mudou que temos um sujeito civilizado na chefia da pasta, mas a política brasileira continua sendo de cortes no orçamento do Sistema Único de Saúde [SUS]", apontou.
"No Itamaraty podemos estar vendo isso também. Não tem uma mudança operacional, temos uma mudança no verbo, na fala, e não uma mudança efetiva nas ações", disse Maringoni.
O especialista chama a atenção para a atuação do Itamaraty no caso recente de El Salvador.
Em 2 de maio, a destituição de cinco juízes da Suprema Corte de El Salvador por parte do presidente do país, Nayib Bukele, foi considerada, por muitos países, como uma tentativa de golpe parlamentar.
"Os EUA, assim como diversos outros países, imediatamente condenaram o ocorrido como uma escalada antidemocrática", relatou Maringoni. "Mas o Itamaraty não se pronunciou até agora."
O deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), apoiou a destituição ao publicar postagem em rede social, comemorando a decisão do presidente salvadorenho.
Por um lado, "forças políticas dentro do Brasil caminham na direção de fazer coro com El Salvador, por outro, países democráticos condenam a destituição dos juízes, e, no meio disso, o Itamaraty permanece paralisado", ilustrou Maringoni.
Para ele, o caso de El Salvador é ilustrativo do atual momento que vive o Ministério das Relações Exteriores brasileiro.
"É justamente durante acontecimentos que colocam em choque a atuação internacional do Brasil e a diretriz autoritária do governo Bolsonaro que veremos qual será o comportamento do Itamaraty", explicou o especialista.
Por enquanto, é necessário monitorar qual o real impacto da chegada de um chanceler com perfil mais polido na chancelaria.
"É claro que é melhor termos uma pessoa com ares civilizados no comando do Itamaraty, mas isso não pode ser interpretado como uma mudança de política externa", alertou o especialista.
Nesta quinta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, comemora um mês de permanência no cargo, considerado essencial para o acesso a vacinas e produtos médicos para combater a pandemia de COVID-19 no país. O Brasil confirmou mais 2.791 mortes e 75.652 casos de COVID-19, totalizando 414.645 óbitos e 14.936.464 vítimas fatais, informou o consórcio entre secretarias estaduais de saúde e veículos de imprensa.