No primeiro trimestre de 2021, um terço da derrubada registrada na Amazônia aconteceu nessas áreas, segundo dados do Deter. O Deter é um sistema de alerta que dá suporte à fiscalização e controle de desmatamento e da degradação florestal realizada pelo IBAMA.
Para discutir o tema a Sputnik Brasil conversou com o biólogo e ecólogo Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM que explicou que florestas públicas não destinadas é uma maneira de se identificar aquelas florestas que ainda aguardam uma manifestação do governo federal ou do governo dos estados para dar uma destinação final a elas.
"Hoje temos algumas florestas públicas destinadas, que são aquelas unidades de conservação, terras indígenas, florestas de produção sustentável de madeira, parques ecológicos e assim por diante. O que acontece é que há uma imensa área na Amazônia maior do que a Espanha que ainda não foi alocada ou destinada pelo poder público para um específico fim, que seria regrado pela lei de gestão de florestas públicas aprovada no Congresso em 2006. Por esta lei essas florestas precisam continuar públicas. Portanto há um passivo enorme quanto à destinação de florestas públicas na Amazônia, porque os governos estaduais ou federal não avançam com essa alocação para um uso específico que geralmente é de conservação ou de uso sustentável", explicou o biólogo.
"Percebemos muito facilmente o avanço da grilagem por, pelo menos, dois dados importantes: o primeiro deles é o desmatamento, que vem avançando bastante nos últimos dois anos e que é totalmente ilegal", disse.
Cadastro Ambiental Rural como ferramenta de diagnóstico
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um dos indicadores usados para mapear a grilagem em florestas públicas não destinadas, sendo um elemento fundamental do Código Florestal, pois o CAR tem que ser feito por todos os proprietários de terra do país, que precisam registrar suas propriedades no sistema em seus estados, sendo reunidos em um outro sistema do governo federal.
"Ao se fazer isso, você se autodeclara que tem aquela propriedade e, no momento seguinte, o sistema deve iniciar uma validação para saber se você realmente é dono daquele pedaço de terra que declarou através do Cadastro Ambiental Rural", explicou o especialista.
O que acontece é que a grilagem vem usando desse subterfúgio para requerer propriedades ou terras em florestas públicas e não somente nas não destinadas, mas às vezes até em áreas já destinadas, como por exemplo cadastros ambientais rurais sendo requeridos sobre terras indígenas, áreas protegidas, parques nacionais e assim por diante, continuou.
"O processo de grilagem evoluiu bastante. Hoje você tem o CAR como um elemento que é meio desse processo de grilagem, ou seja, se usa o CAR para se declarar dono de área pública ou de uma floresta pública, sendo usado para buscar recursos de terceiros ou mesmo no sistema financeiro e com isso se produzir o desmatamento na esperança de que você possa vender essa terra grilada ou mesmo esperar que se passe no Congresso uma lei que legaliza essa ocupação ilegal de terra pública", disse Moutinho.
"Nós temos alguns cálculos que mostram que mais da metade do desmatamento da Amazônia está ocorrendo via grilagem, via ocupação de terras e florestas públicas", disse.
Projeto de lei sobre regularização fundiária
"O IPAM tem feito vários estudos de mapeamento da grilagem, em breve vamos lançar uma plataforma que vai fazer o monitoramento e observação da grilagem na Amazônia, especialmente nessas terras públicas, mas também em terras indígenas, para que não tenhamos um problema sério de desmatamento que possa ser legalizado com leis como esse projeto que está no Congresso", explicou Moutinho.
Com isso haveria, segundo o especialista, um efeito cascata de avanços cada vez maiores em cima do patrimônio público ocorrendo, na esperança de que novos projetos de lei sejam propostos pelos congressistas e assim se tornar uma forma de legalização daquilo que é totalmente ilegal.
"O final dessa história é o patrimônio dos brasileiros, que é a Amazônia não ser mais dos brasileiros, e haver um processo de degradação que pode afetar enormemente não só a questão climática, ambiental, mas principalmente a questão econômica, lastreada na agricultura, a qual depende da chuva, e boa parte dessa chuva é reciclada pela floresta amazônica", concluiu Moutinho.