Após mais de um ano de pandemia, muitos brasileiros devem conhecer alguém que não foi contaminado com a COVID-19 mesmo depois de ter contato próximo com pessoas infectadas.
De fato, alguns estudos recentes indicam a possibilidade de indivíduos "superimunes" ao vírus SARS-CoV-2.
Uma pesquisa do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, verificou que gêmeos univitelinos, ou seja, irmãos geneticamente idênticos, quando expostos ao vírus, tendem a ter sintomas parecidos.
Já entre os que apresentam genomas diferentes, a maior tendência é de casos distintos.
Cientistas, focando apenas nos casos leves da COVID-19, monitoraram possíveis lesões tardias sérias do vírushttps://t.co/i4lNzTcScA
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) May 17, 2021
Em entrevista à Sputnik Brasil, o médico infectologista Daniel Junger, com atuação em virologia, explica que, na verdade, os especialistas na área já esperam que as doenças infecciosas, como é o caso da COVID-19, não sejam 100% eficazes em contaminar o corpo humano.
Ele detalha que, para se instalar na célula, o vírus precisa de receptores, que se estiverem com uma conformação diferente, o agente infeccioso não consegue se encaixar para a invasão.
"Essas resistências já são, de certa forma, esperadas. Claro que a documentação tem seu valor, mas não surpreende. Nem todo mundo consegue, digamos assim, adoecer de uma determinada moléstia", disse Junger.
O infectologista ressalta que, no caso de hipertensos e diabéticos, ocorre justamente o contrário de pessoas teoricamente resistentes ao vírus.
Isso porque os indivíduos deste grupo têm, em maior quantidade, o receptor chamado de ACE2, que facilita a replicação do vírus no organismo, deixando-os suscetíveis a manifestações mais graves da doença.
"É igual chave e fechadura, mas em nível molecular. Então, se tem uma diferença, que não favorece o encaixe desse vírus, a pessoa é resistente à infecção", afirmou.
O especialista explica que, em geral, a conformação das proteínas obedece a uma determinação genética. Com isso, as pessoas podem nunca perceber suas diferenças genéticas em relação a outras até que todas sejam expostas a uma infecção.
"A pessoa pode ter um receptor de membrana ou enzimas que não seja favorável à replicação viral nas células e ter uma vida normal, sem saber disso, até que um dia se mostra mais resistente à infecção viral", disse.
Segundo Junger, não existe um grupo seleto de indivíduos imune a todas as enfermidades, mas sempre há uma parcela variável da população resistente a determinadas doenças.
"Temos que ter o raciocínio de que a doença não vai pegar 100% da população. Pode ser 95%, 99%, mas sempre vai ter alguém com resistência", explicou.
'Superimunes' podem ter vida normal na pandemia?
O infectologista afirma que, mesmo que um indivíduo tenha potencial para ser superimune ao SARS-CoV-2, ele não deve se expor deliberadamente ao vírus.
Além de não ser possível comprovar a resistência de todas as pessoas com essa característica de imunidade natural contra a doença, o vírus se transforma, dando origem a novas cepas e linhagens, que podem ser diferentes das variantes que não foram capazes de causar a infecção.
"Posso achar que sou imune por ter tido uma experiência em que não me infectei, seja com um cônjuge ou colegas de trabalho. Isso não me dá a certeza, a segurança, de ter a imunidade. A chance de eu ser superimune só porque observei um evento em que não me infectei é pequena", alertou Junger.
Segundo o especialista, ainda são muito nebulosos os mecanismos que proporcionam a imunidade natural ao vírus.
"Já que não conseguimos identificar com clareza quem é superimune, é interessante que todo mundo tenha uma adesão às medidas sanitárias, para que se interrompa a cadeia de transmissão", frisou.