Chamou a atenção da mídia nos últimos dias um suposto plano do governo federal para limitar a retirada de publicações e perfis das redes sociais. A ideia, segundo matéria publicada pela Folha, seria a de impedir que empresas como Facebook, Twitter, YouTube e Instagram possam excluir conteúdos e contas com base em suas próprias políticas de utilização. Isso só poderia ser feito após decisão judicial — com algumas exceções, como no caso de violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, pedidos do usuário ou pedidos fundamentados de terceiros e ocorrência de alguns crimes.
Ainda de acordo com a reportagem, a Secretaria Especial da Cultura ficaria responsável por fiscalizar essas empresas. E estariam previstas punições a quem não respeitar essas novas regras, que podem ser advertências, multas ou até a proibição de atuar no país.
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De acordo com o advogado Marco Antônio Araújo Júnior, especialista em direito digital e em direitos do consumidor, a legislação que trata das relações de Internet no Brasil é formada por um conjunto de camadas, tendo a Constituição Federal como núcleo e demais camadas representadas pelas convenções internacionais das quais o país faz parte, pelo Marco Civil da Internet e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que são as legislações mais específicas sobre o tema, e, finalmente, pelas regras e termos de uso.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Araújo afirma que, em sua opinião, se essas regras e termos de uso que hoje são alvo do governo estão alinhados com o Marco Civil da Internet, com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, com as convenções internacionais e com a Constituição, não há problema e não há configuração de censura quando as empresas responsáveis excluem posts contrários à saúde, à segurança ou que sejam de alguma forma ofensivos, enganosos ou preconceituosos.
"Ao contrário, ela está de acordo com aquilo que foi combinado no termo de uso e alinhado com o Marco Civil da Internet, com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, com as convenções internacionais e com a Constituição Federal", explica.
O usuário da Internet sabe, segundo o especialista, que ele precisa estar "de acordo com a regra do jogo", que a rede não é "um mundo sem lei", no qual cada um pode fazer o que bem entender. A própria adesão do usuário às plataformas por ele utilizadas só é feita após o mesmo concordar com os termos de utilização. Por esse motivo, o advogado acredita que o que o usuário deseja é "uma Internet saudável", que seja um "ambiente positivo para a divulgação de informações, e não um ambiente negativo".
O governo federal, por meio de uma parceria com o Banco do Brasil, quer levar Internet para 500 municípios do interior. Entrevistado pela Sputnik, professor da UFF garante: "Nossa tecnologia é cerca de 20 vezes mais barata".https://t.co/RNoL7WsVRQ
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"Um decreto como esse tem que ser muito bem avaliado, porque vai depender do texto do que vier no decreto naturalmente — tudo que se fala agora é especulativo, porque não se tem o texto. Mas porque um decreto como esse pode ser considerado ilegal e, no limite, até inconstitucional."
Para Araújo, se há exageros por parte das empresas que administram as redes sociais, esse assunto precisa ser debatido de maneira ampla, como no Congresso Nacional, por exemplo, com participação de especialistas e da população.
"Decreto não pode se sobrepor à lei e não pode se sobrepor à Constituição. O Executivo tem poder de legislar em caráter de exceção, não como regra. E a discussão tem que ser trazida para o Legislativo."
Também ouvido pela Sputnik Brasil, Adriano Mendes, especialista em direito digital e proteção de dados do escritório Assis e Mendes Advogados, considera válido sempre atualizar as normas que dizem respeito ao mundo digital. Isso porque, enquanto a lei "para no tempo", as tecnologias estão em constante evolução.
Desde a elaboração do Marco Civil da Internet, por exemplo, em 2014, ele destaca que muitas coisas já surgiram e já sumiram da Internet. Assim sendo, seria bastante pertinente ter algum tipo de atualização.
Embora bem-vinda a atualização, a motivação do governo brasileiro e a maneira escolhida por ele para fazer isso não parecem corretas no entendimento de Mendes.
"Para evitar a derrubada de alguns questionamentos que podem ser julgados ou não lícitos, pelos quais as redes sociais, quando fazem algum ato, já respondem, todos os provedores de aplicação vão ter que seguir regras mais duras e nem por isso melhores. Então, na minha visão, esse tipo de decreto, que se pretende alterar dessa maneira, não é o correto e não vai fazer bem para o Brasil."
O Marco Civil da Internet, que o presidente Jair Bolsonaro pretende alterar, não trata apenas de redes sociais, como lembra o especialista. Trata de provedores de aplicação. Se o decreto for publicado como está, tanto uma grande rede social internacional quanto qualquer site que tenha um campo de comentários terá, de acordo com ele, que seguir as mesmas regras, o que seria um "absurdo" no seu ponto de vista.
"O segundo ponto é que parte dos crimes que a gente tem hoje que acabam ensejando a remoção de conteúdos, como calúnia, injúria e difamação, só poderiam ser removidos depois de uma decisão judicial. Por quê? Eles dependem de uma representação do ofendido para que o processo comece a rodar. E pelo texto do decreto, somente crimes de ordem pública, ou seja, aqueles crimes que não precisam de representação, podem ser removidos diretamente. O que vai abrir uma grande porta para discussão judicial. E, na dúvida, o que tende a acontecer é que os provedores deixem que isso fique no ar até uma sentença transitada em julgado."
O melhor modelo a se adotar, segundo o advogado, seria um modelo híbrido, no qual os provedores de aplicação e as redes sociais teriam mais liberdade de definir as regras, e "um modelo intermediário para remoção de conteúdos".
"Então, se alguém se sente ofendido, pode apresentar uma queixa, uma reclamação para essa plataforma, para esse provedor de aplicação ou rede social. E, aí, antes de haver o julgamento, o ofendido e o produtor do conteúdo vão ser colocados em contato para ver se existe ali alguma forma de autocomposição para essa denúncia", explica Adriano Mendes, destacando que esse modelo já é empregado em outros países.