No último dia 7 de maio, o ministro da Economia de Portugal, Pedro Siza Vieira, havia afirmado à Sputnik Brasil que não acreditava que seria possível avançar com o acordo comercial durante a presidência portuguesa no Conselho da UE, que termina em 30 de junho.
Confrontado com a declaração durante entrevista a correspondentes estrangeiros em Lisboa e questionado se acredita ser possível ratificar o acordo enquanto Jair Bolsonaro for presidente e mantiver sua atual política ambiental, criticada pela França e outros países da UE, o chanceler português foi irônico.
"Se me permite uma pequena ironia, seria menos mau que todas as questões relativas à ratificação do acordo [com o] Mercosul tivessem a ver com a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro, porque seria mais fácil resolvê-las", afirmou Santos Silva em resposta à Sputnik Brasil.
No entanto, segundo ele, infelizmente, há outros obstáculos à ratificação do acordo, como, por exemplo, a rejeição pelo Parlamento austríaco. No início de março, Werner Kogler, vice-chanceler da Áustria, enviou uma carta ao primeiro-ministro português, António Costa, pedindo que a presidência portuguesa do Conselho da UE evitasse "qualquer manobra" para facilitar a votação do texto do tratado. A justificativa era de que não havia cláusulas suficientes para prevenir o desmatamento no Brasil.
"Portanto, seria necessária uma nova decisão do Parlamento austríaco. De qualquer modo, nosso objetivo durante a nossa presidência não foi concluir esse processo, foi avançar nesse processo. Tenho ainda o objetivo de avançar concreta e publicamente nesse processo até o fim do mês de junho", ratificou o chanceler.
Para isso, a presidência portuguesa do Conselho da UE trabalha junto com a Comissão Europeia na elaboração de um instrumento adicional ao acordo com o Mercosul que permita tornar claro que há compromissos climáticos e pela luta pela biodiversidade que não haviam sido estabelecidos pelo texto original.
Brasil estaria disposto a assinar documento de combate a desmatamento
De acordo com Santos Silva, ainda não foi determinada a natureza jurídica desse documento, mas o Brasil estaria disposto a colaborar nesse sentido. Essa foi a solução para atender às preocupações ambientais com o desmatamento da Amazônia, externadas por parte do Parlamento Europeu e de alguns Estados-membros, como França, Alemanha e Holanda. Em fevereiro 65 eurodeputados enviaram uma missiva ao chanceler e ao primeiro-ministro de Portugal, pedindo a suspensão do acordo.
"Temos recebido indicações precisas da Comissão Europeia também da disponibilidade do Brasil para trabalhar conosco num instrumento adicional ao acordo com o Mercosul, o que torna claro o engajamento brasileiro na ação climática e no combate à desflorestação", acrescentou.
O chanceler ponderou ainda que há preocupações expressas em setores da economia portuguesa ligados à agricultura por causa das ofertas feitas para a importação de carnes e aves do Mercosul, o que também aconteceria nos Países Baixos, na Bélgica e na Irlanda. Contudo, ele ressaltou que a combinação entre vantagens e perdas foi suficientemente favorável para que os países aceitassem o acordo comercial em junho de 2019, após 30 anos de negociação.
No fim de abril, o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, disse que, com otimismo, o acordo possa entrar em vigor até o fim de 2022. Durante participação em reunião extraordinária da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, França também afirmou que há boa vontade de Portugal em ajudar o Brasil na negociação do tratado.
Santos Silva revelou que foi ele o primeiro a fazer um telefonema internacional para cumprimentar França quando foi nomeado novo chanceler brasileiro e que estava prevista uma visita dele a Portugal no fim de abril, mas teve de ser adiada. Ao ser indagado pela Sputnik Brasil quais eram suas primeiras impressões sobre a visível mudança da linha diplomática com a saída de Ernesto Araújo do ministério, o português trocou a ironia pela política da boa vizinhança.
"Já tive o prazer de conversar mais do que uma vez com o novo chanceler brasileiro e de participar de reuniões internacionais, infelizmente ainda só por videoconferências. Não faço distinções de quem é o ministro em funções nos países parceiros de Portugal. Nossa máxima é muito simples no que diz respeito ao Brasil: quem quer que seja o presidente, o governo, o ministro, é nosso amigo e nosso irmão", ponderou.
O ministro português não confirmou a informação declarada pelo seu homólogo francês, Jean-Yves Le Drian, de que o Brasil estará na lista vermelha de países cujos turistas estarão proibidos de entrar na União Europeia mesmo após a vacinação completa, com o lançamento do Certificado Digital COVID-19 da UE.
"As decisões sobre os países a serem considerados na revisão da nossa lista em relação a viagens de países terceiros para a UE ainda não estão tomadas. Portanto, não posso antecipá-las", despistou.
A revisão da recomendação feita pela presidência portuguesa do Conselho da UE inclui ainda a ampliação do limiar da incidência de COVID-19 a partir do qual são aceitos turistas. Portugal havia sugerido que o limite fosse ampliado de 25 para 100 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. No entanto, deve ser adotado o valor de 75 casos por 100 mil habitantes nas duas últimas semanas.
Recomendação sobre risco de variantes pode afetar turistas brasileiros
Santos Silva esclareceu que a condição do limiar da incidência não é cumulativa com a vacinação completa. Ou seja, mesmo turistas de países que tenham uma incidência superior ao limiar determinado pela UE poderiam viajar para o bloco caso tenham a imunização completa com alguma das vacinas reconhecidas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Há, contudo, um ponto que a recomendação tem e que é muito importante que é, para além de considerar o limiar, considerar também o risco acrescido que pode significar a presença de variantes do SARS-CoV-2. Essa ponderação tem que ser feita. É uma recomendação aos Estados-membros, não uma diretiva de cumprimento obrigatório", ressaltou.
A ressalva do chanceler é importante, pois pode apontar para a manutenção do Brasil na lista de países que só podem fazer viagens essenciais a Portugal: por motivos de trabalho, saúde, estudo ou reunião familiar. Isso porque a frequência da variante de Manaus aumentou dez vezes em um mês no território lusitano.
Apesar de a estirpe brasileira P.1 ter sido detectada em 4,3% dos casos, enquanto a variante britânica estava presente em 91,2% da amostragem analisada pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), a percepção do governo português é de que a cepa do Reino Unido já é predominante na maior parte da Europa.
As declarações de Santos Silva aconteceram no Centro Cultural de Belém (CCB), sede da presidência portuguesa do Conselho da UE. Nestas quarta e quinta-feira (26 e 27), o local será palco de uma reunião informal entre 26 dos 27 ministros das Relações Exteriores dos Estados-membros da UE (Gymnich).
Segundo o chanceler, além do jantar informal desta quarta (26), na quinta (27), serão debatidos quatro temas principais: as relações entre UE e a África; a vizinhança Leste e os conflitos não resolvidos de Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Moldávia e Ucrânia; almoço com ministro das Relações Exteriores da Jordânia e a situação no Oriente Médio; e uma seção de trabalho sobre o Indo-Pacífico.
Um assunto à parte será adicionado à pauta: a questão da Belarus, após o país ter mandado desviar um voo comercial da Ryanair entre Atenas (Grécia) e Vilnius (Lituânia) no último sábado (29). O governo de Minsk nega que o avião tenha sido desviado à força. Santos Silva voltou a afirmar que se trata de pirataria e que a prisão do jornalista Roman Protasevich é inadmissível.
"Não podemos aceitar que um país faça uma interceptação militar de um voo comercial entre duas capitais europeias. O fato de ser patrocinado pelo Estado não transforma em outra coisa que não seja pirataria. As explicações são tão implausíveis que não merecem nenhuma espécie de credibilidade. Foi também a detenção totalmente ilegal de uma pessoa a exercer sua profissão de jornalista e seu direito à liberdade de expressão e de imprensa", concluiu.