O primeiro cabo submarino de fibra óptica que liga diretamente o Brasil à Europa foi inaugurado na terça-feira (1º). O cabo possui 6 mil quilômetros de extensão, conectando diretamente Fortaleza a Sines, Portugal, onde ocorreu a cerimônia que marcou o início das operações.
A estrutura possibilita o tráfego de dados a 72 terabits por segundo e custou cerca de 150 milhões de euros (aproximadamente R$ 924 milhões). O Governo Federal investiu 8,9 milhões de euros (R$ 54,8 milhões) e a inauguração em Portugal contou com a participação do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. Ainda assim, o Brasil praticamente não foi citado durante a cerimônia, que teve a presença de líderes da América Latina e da União Europeia (UE).
Para entender melhor a importância dessa nova ligação de alta velocidade entre as duas regiões e porque o Brasil ficou de fora dos holofotes durante o evento de estreia do equipamento, a Sputnik Brasil conversou com Arthur Igreja, especialista em tecnologia, inovação e tendências, e com Thiago Rodrigues, professor adjunto no Departamento de Relações Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF).
Investimento político-econômico
O projeto, liderado pela empresa Ellalink, era discutido há quase uma década e começou a ser executado em 2018. Thiago Rodrigues destaca que a nova ligação é uma tentativa de responder às demandas por "qualidade e quantidade de conexão de dados entre os dois continentes".
Arthur Igreja afirma que se os dados viraram o "novo petróleo" do mundo, o novo cabo é como um oleoduto.
"Os dados saíam do Brasil e iam até os EUA e depois, através de outro cabo, iam para a Europa", explica o especialista, acrescentando que essa conexão vai impactar uma série de indústrias que precisam de muita largura de banda para transmitir conteúdo em altíssima qualidade e latência baixa. "É um investimento importantíssimo."
O especialista explica ainda que a escolha de Fortaleza para ancorar o cabo se deve à localização absolutamente privilegiada da capital cearense, que está praticamente equidistante dos EUA e da Europa. "Fortaleza virou esse portal de entrada para as comunicações do Brasil […] [e] é hoje um dos hubs do mundo de conexões", diz Arthur Igreja.
Além dos ganhos comerciais, há também interesses políticos na iniciativa, comenta Thiago Rodrigues. Esse projeto seria parte de uma agenda de aproximação entre a UE e a América Latina.
A estrutura "faz parte de um esforço europeu de encontrar brechas para poder marcar presença na região e evitar um distanciamento cada vez maior entre os dois continentes", diz o professor da UFF, uma vez que a América Latina estaria mais voltada para outros parceiros, como EUA e China.
Brasil esquecido
O fato de o Brasil basicamente não ter sido citado nas intervenções dos principais líderes presentes, como o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é, para Rodrigues, uma sinalização bastante negativa.
Por não se tratar de um tema polêmico, mas de um evento comemorativo, em que todos estão ganhando algo, o professor da UFF destaca o fato de que a inauguração tinha tudo para ser um momento de impacto positivo para a imagem internacional e doméstica do Governo Federal, mas "mesmo sendo algo fácil de ser capitalizado, não conseguiu ser capitalizável".
"Bastante significativo esse acontecimento. Porque o Brasil tem uma contribuição no projeto, em pesquisa, em investimento financeiro e é também o principal usuário do lado de cá do [oceano] Atlântico, da América Latina. É muito surpreendente, impactante, que o Brasil não tenha sido citado nominalmente, mas colateralmente no discurso do primeiro-ministro português".
Rodrigues acredita que essa falta de cordialidade diplomática tenha partido da UE, uma vez que existem muitos pontos de atrito entre a administração de Jair Bolsonaro e os governos que compõem o bloco europeu.
Entre as querelas entre Brasil e UE, o professor da UFF cita a questão ambiental e o entrave na negociação bilateral entre a UE e o Mercosul, que, para os europeus, seria culpa do governo brasileiro.
"Todos esses elementos fazem com que a gente possa aferir com bastante precisão que essa pouca visibilidade, ou quase nenhuma, que o Brasil teve no lançamento do cabo oceânico foi por antipatia do lado europeu [...]. Essa cerimonia simboliza essa falta de atenção e de intenção de se aproximar do governo Bolsonaro, como se fosse um animal agonizante, que é melhor esperar morrer do que sair na foto com ele".
Próximos passos
Arthur Igreja celebra a inauguração do cabo, mas alerta que o Brasil precisa avançar em outras frentes.
"O Brasil tá nessa corrida para tentar chegar ao 5G, enquanto os outros países já estão em estágios avançados de discussão sobre o que vai suceder o 5G", lamenta o especialista, acrescentando que inúmeros países já estão testando o 6G.
Em maio, o governo brasileiro anunciou a instalação da primeira antena de 5G em uma área rural do país.