O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, recebeu na quarta-feira (2) tecnologia para iniciar a produção 100% nacional do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da vacina Oxford/AstraZeneca contra a COVID-19.
O material foi enviado pelos EUA e vai substituir o IFA importado da China.
A #Fiocruz recebeu hoje, 2/6, os bancos de células e de vírus para a produção do IFA nacional da vacina #COVID19. O material, vindo dos Estados Unidos, desembarcou no @RIOgaleao e segue para Bio-Manguinhos, local de produção da vacina. pic.twitter.com/w5mgFQuTJI
— Fiocruz (@fiocruz) June 2, 2021
Para entender melhor as implicações geopolíticas desse gesto da administração de Joe Biden, a Sputnik Brasil conversou com Antonio Gelis Filho, docente sênior de Geopolítica da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).
Interesse sanitário
A notícia da chegada do IFA dos EUA foi sucedida pelo anúncio, na quinta-feira (3), de que Washington doará 80 milhões de doses de vacinas contra a COVID-19 nas próximas semanas e o Brasil está na lista dos 40 países que receberão parte desse lote.
Com o avanço por todo o país da variante P.1, que surgiu em Manaus, e com a chegada de novas cepas, como a indiana (B.1.617.2), Antonio Gelis Filho afirma que há um interesse sanitário dos EUA no Brasil.
"Os EUA e o Brasil possuem um fluxo grande […]. As chances de novas cepas avançarem no caso de descontrole, e hoje temos uma pandemia completamente fora de controle no Brasil, é grande", alerta.
Brasil é alvo de soft power
O caráter sanitário, todavia, não é o único motivo para as ações recentes dos EUA. O professor da FGV afirma que, no caso da transferência de tecnologia de IFAs, "é uma tática que me parece descolada de estratégica" e que o Brasil vai continuar importando insumos da China.
"Os EUA estão agindo para não ficar para trás. A gente tem produção [de vacinas contra a COVID-19] hoje na Índia, na Rússia, na China. Os insumos de vacinas ocidentais dependem em muitos casos da China também. O governo americano hoje não tem mais estratégia, tem apenas tática".
Antonio Gelis Filho destaca que o Brasil é hoje uma espécie de front da guerra de soft power (também chamado de poder brando ou poder de convencimento) entre dois polos: EUA e Reino Unido, por um lado, e China e Rússia, do outro.
"Eu diria que boa parte da disputa mundial por soft power que nós temos hoje [é] por esses dois polos de poder […]. Se o Brasil jogar bem, nós podemos extrair bastante do fato de sermos a frente da disputa por soft power global."
Papel do Itamaraty
Questionado sobre uma possível participação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil na chegada de tecnologia de IFAs ao país, ao Brasil, o professor da FGV minimiza essa atuação.
"A ação dele [ex-chanceler Ernesto Araújo] no Itamaraty foi uma das mais erráticas que nós vimos na diplomacia mundial em muito tempo. Não quero desrespeitá-lo, não é esse meu ponto, mas algumas coisas foram muito estranhas. Não é necessário que tenha havido uma ação do Itamaraty de forma unificada para que nós tenhamos uma volta de um mínimo de normalidade diplomática, acho que isso viria de qualquer forma", comenta.