Conforme noticiado ontem (14), a Marinha iraniana foi reforçada com uma nova fragata e um caçador de minas, ao mesmo tempo que navega com o destróier Sahand e o avançado navio-base Makran pelo oceano Atlântico em missão desconhecida.
Há poucos dias, John Kirby, porta-voz do Pentágono, afirmou que o Departamento de Defesa estava "monitorando o posicionamento" de dois navios iranianos que haviam entrado no oceano Atlântico. Para os EUA, o destróier Sahand e o navio-base Makran estariam transportando armas à Venezuela.
Em resposta, o porta-voz do governo iraniano, Ali Rabiei, respondeu que "não há proibição de venda de armas pelo Irã, e a Resolução 2231 [do Conselho de Segurança da ONU] a estipula" e que "os Estados Unidos tentaram violar a resolução, mas falharam".
No intuito de entender melhor os tipos de embarcações iranianas que estão no Atlântico e se realmente elas representam alguma ameaça aos EUA, a Sputnik entrevistou o político venezuelano, Oswaldo Espinoza, para analisar com mais detalhes essa suposta estratégia geopolítica do Irã para contornar a hegemonia de Washington nas águas da América do Sul.
Sahand e Makran
Sobre as embarcações, Espinoza conta que o destróier Sahand, por sua classificação, pode elaborar uma ideia de um destroier muito robusto, mas que na verdade a embarcação desloca apenas 2.000 toneladas e lança quatro mísseis antinavio e alguns mísseis de defesa aérea, além de conter um canhão naval de 76 milímetros, metralhadoras e torpedos. Essas características, de acordo com a classificação da OTAN, poderiam considerar Sahand uma fragata leve.
Já o navio-base Makran, é um petroleiro civil transformado em plataforma de apoio às operações da Marinha iraniana. Não possui a proteção característica de uma embarcação militar, e por isso é bastante vulnerável, porém, é uma embarcação grande e pode transportar cargas, equipamentos e suprimentos com tranquilidade.
Ameaça aos EUA?
Com os atributos mencionados acima, para Espinoza, esse agrupamento naval "não representa nenhuma ameaça real ou pouco crível para os EUA ou seus aliados" e que a navegação iraniana em águas do Atlântico seria mais um gesto simbólico com intenções geopolíticas para o país persa, uma vez que representaria sua primeira operação interoceânica, e não uma intimidação militar.
A respeito do fato das embarcações estarem supostamente carregando armamentos, o político venezuelano diz que mesmo que seja verdade, a ação não seria ilegal, uma vez que o embargo da ONU que impedia o Irã de comprar ou vender armas deixou de vigorar em outubro de 2020.
Contudo, Espinoza chama atenção para o fato de que, diante do atual contexto socioeconômico da Venezuela "a compra de armas, por mais necessária que seja, especialmente para nossa frágil Marinha, não seria bem-vinda neste momento".
Desenvolvimento iraniano
Apesar de ser bloqueado há quase 30 anos com sanções e embargos, o Irã demonstra conquistar desenvolvimento industrial e até mesmo conseguir um certo tipo de autossuficiência. Segundo Espinoza, esse desenvolvimento acontece porque o país persa optou por sua soberania e autodeterminação, mesmo sabendo que poderia pagar um preço alto com bloqueios internacionais.
"Por meio de políticas estaduais claras e do esforço coordenado de todos os setores, implementou-se uma dedicação à pesquisa e ao desenvolvimento, assim como uma atenção para engenharia reversa e investimento planejado com a priorização focada em eliminar a dependência de insumos, componentes e equipamentos que já eram ou poderiam ser objeto de bloqueio ocidental", conta o político.
Com essas práticas, Teerã teria se assegurado melhor diante dos bloqueios, permitindo até à República Persa manter elevadas capacidades de defesa, mesmo no âmbito do embargo da ONU, do bloqueio dos EUA e do Ocidente.
O que a Venezuela tem a aprender com o Irã?
Espinoza acredita que Caracas, tem, e muito, a aprender com o Irã. Entretanto, o político afirma que há uma diferença grande no pensamento iraniano para o pensamento venezuelano, pois o último teria uma cultura rentista e clientelista na gestão de sua administração pública enraizada na dinâmica social do país.
Ou seja, a Venezuela, ao contrário do Irã, optaria menos por políticas internas públicas de autossuficiência e preferiria importar tudo, de alimentos a tecnologia, independente se tal ação possa tornar o país mais vinculado e submisso ao mercado internacional.
"Mesmo já tendo experimentado a sabotagem do fornecimento de combustível e gás nacional, não agimos para eliminar a dependência de insumos importados, ou pelo menos diversificar sua origem. Nem para produzir localmente os geradores e outros elementos vitais do sistema elétrico nacional, e menos ainda para criar um incipiente complexo militar-industrial", conta Espinoza.
Para mudar esse quadro, o político considera que acompanhar o discurso soberano, como o do Irã, com ações e políticas que promovam o rompimento dos laços de dependência pesquisando, inovando, produzindo e reconhecendo a formação, os méritos e a experiência de seu talento humano, possa reverter atual conjuntura venezuelana.
"Se a Venezuela tivesse conquistado pelo menos a metade da soberania energética, industrial e militar do Irã, esse bloqueio excessivo estaria nos afetando", disse o político.
E adiciona que essa mentalidade de soberania nacional, se aliada aos recursos naturais venezuelanos, poderia fazer da Venezuela "uma verdadeira potência regional".