Na terça-feira (15), o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE, na sigla em espanhol) anunciou que o socialista Pedro Castillo, do Peru Livre, foi o candidato mais votado no segundo turno das eleições presidenciais, com 50,125% dos votos válidos. Keiko Fujimori, da Força Popular, terminou com 49,875%. Castillo recebeu 8.835.635 votos, 43.957 a mais do que Fujimori.
Ainda assim, onze dias após o segundo turno e dois depois da divulgação da contagem final dos votos, Castillo ainda não foi declarado oficialmente vencedor das eleições peruanas. Para entender melhor essa situação, os desafios que o próximo presidente vai enfrentar e como vai ficar a relação com o nosso país, a Sputnik Brasil conversou com Roberto Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) e coordenador do núcleo de estudos latino-americanos da UnB.
Denúncia de fraude
Em 10 de junho, Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori (1990-2000), pediu às autoridades eleitorais a anulação de cerca de 200 mil votos sob acusações de irregularidades e fraude. O Júri Nacional Eleitoral (JNE) está analisando a denúncia e, por isso, ainda não anunciou o vencedor do pleito.
Roberto Menezes não acredita que as acusações progridam porque as urnas foram auditadas e não encontraram nenhum indício de fraude e os observadores internacionais não reportaram nenhum fato atípico e já endossaram o resultado.
"Ela [Keiko Fujimori] não tem nenhuma materialidade de que há fraude […]. Tudo leva a crer que isso não vai prosperar e uma vez analisado esse recurso dela, encerra-se o processo de contagem e os resultados serão proclamados, creio que nos próximos dias."
Na terça-feira (15), o atual presidente do Peru, Francisco Sagasti, rejeitou o uso da palavra fraude para caracterizar o segundo turno das eleições: "O que você tem que fazer é ter confiança [nas autoridades eleitorais], acho que não devemos nos apressar, muito menos usar palavras totalmente inapropriadas como fraude, e vamos esperar os resultados com tranquilidade, com calma".
Un nuevo tiempo se ha iniciado. Millones de peruanos/as se han alzado en defensa de su dignidad y justicia. Gracias a los pueblos de todo el Perú que desde su diversidad y fuerza histórica me han brindado su confianza. Mi gobierno se deberá a toda la ciudadanía.#PalabraDeMaestro pic.twitter.com/sOt6GResPI
— Pedro Castillo Terrones (@PedroCastilloTe) June 15, 2021
Um novo tempo começou. Milhões de peruanos/as se levantaram em defesa de sua dignidade e justiça. Agradeço aos povos de todo o Peru que, por sua diversidade e força histórica, confiaram em mim. Meu governo é devido a todos os cidadãos.
A ambiguidade de Castillo
Virtual vencedor, Pedro Castillo tem 51 anos, é professor do ensino básico e começou a ganhar popularidade durante uma greve nacional de professores em 2017. O professor do IREL/UnB nota uma certa ambivalência no discurso de Castillo durante a campanha.
"Há uma série de ambiguidades na postura política dele. Ao mesmo tempo em que apresenta com uma agenda progressista do ponto de vista social […] em relação à desigualdade social […] a questão da reforma agrária, o fortalecimento das empresas e do serviço público […]. [Ele também] flerta com uma agenda de candidato de extrema-direita, no que diz respeito à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Um conservadorismo na moral e nos costumes, que traz uma certa ambiguidade, que alguns imputam a uma estratégia eleitoral de falar para públicos diferentes. Uma vez sendo empossado, vamos ver o perfil do seu ministério e quais são as pautas que ele vai priorizar", comenta Roberto Menezes.
Há ainda declarações polêmicas, como as que fez ainda durante o primeiro turno, sobre a possibilidade de fechar o Tribunal Constitucional, a mais alta corte do país, e o Congresso.
Menezes vê duas leituras possíveis para as declarações: uma atitude puramente autoritária ou uma forma de colocar pressão para alterar a Constituição do país.
Uma das principais bandeiras do candidato de esquerda durante a campanha foi a redação de uma nova Constituição. A atual entrou em vigor durante a ditadura de Alberto Fujimori e "limita o pleno funcionamento das instituições", o que torna a situação do Peru muito instável, explica o especialista.
"Ele tem chamado a atenção para uma nova constituinte, fazer uma Constituição que reflita a realidade da democracia peruana e não ficar sendo tutelado por uma Constituição feita por uma ditadura."
Todavia, o caminho não deve ser fácil, uma vez que o partido de Castillo, Peru Libre, tem apenas 37 dos 130 deputados do Congresso, que não tem Senado. O que é insuficiente para aprovar qualquer mudança constitucional.
Peru e Brasil
Roberto Menezes destaca três frentes que Castillo deve priorizar internacionalmente. O professor do IREL/UnB acredita que o novo presidente peruano vai rever a participação de Lima na Aliança do Pacífico ou "vai procurar manter um engajamento de moderado a baixo" no bloco regional criado em 2011 e constituído por Chile, Colômbia, México e Peru.
O segundo ponto tem a ver com o Grupo de Lima. Formalizado em 2017, é atualmente constituído por 14 países da América do Sul e Central, mais o Canadá.
"O Grupo de Lima estava muito alinhado às posições do governo [do republicano Donald] Trump (2017-2021) para a América do Sul, e o Brasil foi um dos entusiastas desse grupo. O presidente [Castillo] já anunciou que uma das medidas será se retirar desse grupo", explica Menezes. Em março, a Argentina comunicou a saída do bloco.
Por fim, a questão central: a pandemia do novo coronavírus. Peru é um dos países mais afetados e o Brasil pode ter um papel importante nos próximos meses.
Com a vacina ButanVac e o soro contra a COVID-19, ambos desenvolvimentos pelo Instituto Butantan, São Paulo, e produção da vacina russa Sputnik V pelo laboratório brasileiro União Química, o Brasil "pode vir a ser uma fonte fornecedora de imunizantes" para Lima, sobretudo "mais para o fim do ano".
"Eu creio que a relação do presidente [Castillo] com o Brasil e com a região será sobretudo na relação central que é a pandemia. Porque o presidente, nos seus seis primeiros meses, terá que gastar toda sua energia política tentando estabilizar politicamente o país, já que nós temos um país dividido", conclui Roberto Menezes.