O coronel da Brigada Militar e autor do livro "Policiamento comunitário: como conquistar a confiança da comunidade", Jorge Luiz Paz Bengochea, comentou com a Sputnik Brasil alguns fatores contribuintes que deixaram o Brasil em uma situação preocupante nos últimos anos.
Para Jorge Luiz Paz Bengochea, a violência urbana é o maior problema do país, já que existe um terrorismo social, psicopatas, quadrilhas, milícias e facções nas ruas, bairros e cidades, que fazem com que o Brasil pontue mal e fique em uma situação crítica.
Fatores contribuintes para a violência no Brasil
O coronel ressaltou cinco fatores contribuintes para a deterioração da posição brasileira no ranking Global Peace Index.
"Na minha opinião, há cinco grandes fatores. A segurança pública, que é usada como um instrumento político e não como um direito de todos. As leis permissivas com o crime, onde a justiça criminal é corporativa, sistemática, e trata com leniência, licenciosidade e indiferença os crimes e a violência no Brasil. O descaso dos governantes e magistrados é alarmante, pois são indiferentes aos níveis de violência, assassinatos cometidos, ao empoderamento do crime organizado, empoderamento bélico, político e social que toma conta de diversas comunidades, especialmente no Rio de Janeiro. E a impunidade, que reina no país, dando aos criminosos a certeza que podem cometer crimes, que não dá nada, ou se der é pouca coisa [...]", explicou o coronel.
Além disso, o especialista ressaltou que a segurança pública no país é tratada como "um instrumento do governo e não como um direito de todo o Estado democrático, como deveria ser, garantida pelo Estado constituído, no caso, o poder legislativo, executivo e judiciário, na defesa da população e na tutela da vida, da liberdade e da propriedade das pessoas".
Outro problema enfatizado pelo especialista foi o sistema criminal brasileiro que, segundo ele, está totalmente falido, arcaico, distorcido, isolado, corporativo e não deve ser chamado de sistema, pois "não há sintonia e nem foco na defesa da população", favorecendo os criminosos, o que mostra uma grande falha em todos os sistemas brasileiros.
Polícias 'enxugam gelo'
Bengochea lamenta que a culpa pela insegurança recaia quase totalmente sobre as polícias, enquanto policiais morrem no cumprimento do dever.
"Enquanto a polícia enxuga gelo prendendo sempre os mesmos, e arrisca a vida nos confrontos, os criminosos recebem as benesses da lei", critica.
Além disso, o coronel explica que as polícias estaduais foram fragmentadas, com cada uma delas atuando em um segmento disperso e isolado, dependentes umas das outras e desprovidas do segmento policial e do policiamento de trânsito.
"[...] Ao longo do tempo [as polícias estaduais] foram sucateadas em efetivos e recursos, dificultando as investigações, as perícias criminais e o policiamento ostensivo nas cidades", afirmou, ressaltando que apenas a Polícia Federal se mantém integrada, o que a torna forte no combate ao crime.
O especialista afirma que o Brasil é um país que prende pouco diante da violência que está submetido, uma vez que possui mais criminosos soltos do que presos. "Tudo patrocinado por uma Constituição detalhista e garantista. E por leis penais anacrônicas e permissivas, criadas para favorecer quem comete crimes."
Ranking mostra parte da realidade
O ranking do Global Peace é realizado a partir de uma pontuação avaliada com base em indicadores que vão da criminalidade urbana ao grau de estabilidade política, levando em consideração a situação econômica dos países, bem como o combate à corrupção e outros fatores.
Ex-subcomandante do BOPE, Paulo Storani, comenta falta de segurança no Brasil e o ranking Global Peace Index 2021, no qual o país está na 128ª posição este ano https://t.co/e0RjT48Jwb
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) June 20, 2021
O índice apontou que o impacto da violência no desenvolvimento econômico mundial aumentou 0,2% em 2019 e, certamente, uma das economias afetadas foi a do Brasil, comentou o coronel.
"A violência semeia a miséria, o medo e a submissão das pessoas, que têm medo de sair. A economia sofre com isso, e quando o crime aumenta a sociedade se destrói. Os equilíbrios sociais e humanos se rompem, isso intimida qualquer empreendimento, [...] afetando os empregos, dificultando os serviços públicos, impedindo o desenvolvimento e criando dependência, empatia com o opressor e subserviência da população às facções criminosas, por isso, não surpreende o fato de os moradores irem contra a polícia e contra os traficantes", observou.
Bengochea, todavia, afirma que é necessário um diagnóstico mais amplo e sistêmico para identificar as causas da violência e como combater a situação. "[O ranking] deveria questionar o papel dos legisladores, da Justiça e da execução penal, que são parte do problema e essenciais nas soluções contra a violência", comenta.
América do Sul aponta problema crônico
Como indica o relatório, a América do Sul, de modo geral, pontuou mal no ranking, apontando um problema crônico na região, a segurança.
Com relação ao assunto, o coronel afirmou que para vencer este grande desafio de segurança pública na região, é preciso que haja um esforço conjunto entre os países da região com relação ao sistema de justiça criminal e o amparo a leis severas antiterroristas, anticrime e anticorrupção, bem como um forte policiamento e o uso das Forças Armadas de todos os países atuando de forma conjunta e contundente nas fronteiras dos países para combater o narcotráfico e o contrabando de armas.
O coronel voltou a mencionar e cobrar ações da justiça criminal e o papel dos legisladores, que são parte do problema, tornando os crimes impunes.
Deputados do Rio de Janeiro aprovaram nesta quarta-feira (12) o uso de câmeras nos uniformes e aeronaves da policia. A votação ocorreu seis dias após ação no Jacarezinho que deixou 28 mortos https://t.co/jbvSFMdkR6
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) May 12, 2021
Além disso, ele ressaltou que esta situação certamente influenciará as próximas eleições, já que a população não ficou nada satisfeita com o fim da Lava Jato, da impunidade dos corruptos, ladrões e traficantes, bem como da lerdeza da Justiça brasileira, da omissão dos parlamentos e tribunais, "que não estão fazendo nada para conter a violência", e por isso a reforma do Congresso Nacional será o foco do eleitorado, que pede uma nova Constituição, pois a atual "favorece apenas os criminosos, é vitalista e é remendada por interesses corporativos, os direitos sociais e fundamentais que nela constam são letras mortas, e não são para o povo".
Como reduzir o medo da população e reverter o problema?
A pesquisa do Global Peace Index mostra que cerca de 83% dos brasileiros estão preocupados com a violência, um índice considerado altíssimo.
Ao ser questionado sobre o contínuo medo da população brasileira, o especialista afirmou que isso se deve ao aumento da violência, que assumiu "um nível de terrorismo", com organizações criminosas, execuções e empoderamento bélico das facções.
"Os crimes estão se tornando banais, pois roubar não dá nada, os criminosos não são presos, os bandidos não temem os policiais, as penas são brandas e os bandidos são tratados com um garantido penal e favores da lei e da Justiça", afirmou Jorge Luiz Paz Bengochea.
Para reverter esta situação, Jorge Luiz Paz Bengochea acredita que seja necessário adotar a "tolerância zero, a partir dos pequenos crimes para dissuadir os maiores e mais hediondos, aplicando medidas amplas coativas, firmes, contundentes e sistêmicas, envolvendo o Legislativo, Executivo e Judiciário no enfrentamento da violência, da corrupção e do narcotráfico".