Especialistas estimam que os dois maiores produtores de etanol do mundo, Estados Unidos e Brasil, podem reduzir a fabricação de etanol nos próximos meses. O motivo seria o aumento dos custos do milho e da cana-de-açúcar, que acabam por repassar os valores para o biocombustível.
Diante das apostas de perda da viabilidade econômica do etanol, Marcos Fava Neves, titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP, discorda. O professor disse à Sputnik acreditar que com o valor elevado do petróleo, o etanol segue rentável.
"Cabe ainda esse aumento de custos de produção para a fabricação de etanol tanto de cana como de milho, com o petróleo acima de US$ 70 (R$ 347) como está agora ainda permite rentabilidade para essas produções", pontuou.
Os EUA e o Brasil foram responsáveis por cerca de 75% das exportações globais no ano passado. E juntos, representam cerca de 90% do etanol produzido e consumido no mundo, segundo a S&P Global Platts Analytics. Por conta disso, Neves não acredita que os EUA reduzam a produção. E caso venham a diminuir, isso pode significar uma chance para o Brasil levar o produto nacional para mais exportações.
A produção de etanol brasileiro vem enfrentando diversos desafios na última década, apesar de incentivos públicos. Desde 1993, o etanol anidro é adicionado na gasolina em todo o país. Atualmente, é permitido até 27% de etanol na mistura direta nas bombas. Também o aumento da frota de veículos leves e a introdução de carros flex no país, que podem funcionar com gasolina ou etanol ou qualquer mistura dos dois aumentaram o consumo. Mas mesmo assim o biocombustível não "deslanchou" em produtividade e segue estável se observarmos os últimos 10 anos.
Para o professor, isso é explicado pelos custos elevados do agronegócio. "A produção ficou mais cara, as terras ficaram mais caras, os insumos ficaram mais caros. Os custos aumentaram, mas a produtividade não aumentou. Esse é o problema principal", apontou o especialista.
Além disso, os produtores de cana, principalmente da região centro-sul, enfrentam uma grave seca, que deve reduzir a safra de maneira considerável, entre 5% a 10%, segundo estimativas. Para o professor, essa redução é favorável para preços com a retomada da economia.
"Isso significa menor volume de açúcar e de etanol para um consumo maior em virtude de retomada da economia mundial, que vai precisar de mais alimentos e mais combustível. Essa redução de safra vai trazer preços maiores", conclui.
Ao passo que a redução na produção de etanol brasileiro afeta o preço e a oferta de combustíveis no país, ainda assim é possível acreditar em uma recuperação no médio prazo.
"É o melhor combustível hoje em termos de emissões por desempenho. As pressões mundiais pela descarbonização são muito favoráveis para a cana", diz o professor ao destacar que o grande desafio é driblar o gargalo dos custos de produção para produzir mais usando menos.
Para ele, o Brasil voltando a crescer e o mercado de combustível paralelamente na mesma direção, pode haver "uma pressão grande", para "segurar o consumo", principalmente a partir do segundo semestre e no período de entressafra.
Sobre a proposta da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) que solicitou ao governo federal que reduza a mistura obrigatória de etanol à gasolina brasileira, Neves opina totalmente contra, para ele "não há nenhum sinal de escassez" de etanol pra justificar a medida.
"Não sou favorável a mudança de regras do jogo, pois os investidores quando fazem os seus investimentos eles olham pra regras do jogo e não podemos ficar alterando isso", e completou "não faz o mínimo sentido solicitar a redução [da mistura] e com certeza é um retrocesso brutal do ponto de vista ambiental", avaliou.
Até mesmo novas tecnologias de carros elétricos vem considerando o uso de etanol como um tipo de bateria sustentável no desenvolvimento de carros menos poluentes, comentou também Marcos Fava Neves.