As forças norte-americanas estão deixando o Afeganistão após mais de duas décadas de operações militares no país. Os EUA já retiraram mais de metade de suas tropas e esperam completar a retirada até 11 de setembro deste ano.
Ao mesmo tempo, um relatório da comunidade de inteligência dos EUA, citado na segunda-feira (23) pelo jornal Wall Street Journal, estima que o governo do Afeganistão poderá colapsar seis meses após a saída das forças norte-americanas.
Ganhos frágeis e reversíveis
Apesar da possibilidade de algumas tropas dos EUA e aliados permanecerem em solo afegão devido a estas preocupações, Raghav Sharma, professor associado e diretor do Centro de Estudos do Afeganistão da Universidade Global O. P. Jindal, Índia, não acredita que isso vá acontecer.
"[…] Esta é uma opção que não é politicamente do agrado de Washington e da maioria das outras capitais ocidentais. Há novas ameaças e prioridades de segurança nacional para Washington, como a China, por exemplo. A realidade é que o Afeganistão não é mais uma prioridade para o Ocidente", disse o especialista à Sputnik.
Ele referiu o relativamente alto grau de legitimidade da intervenção dos EUA, tanto fora como dentro do país asiático, e o progresso atingido na educação, saúde, mídia livre e sociedade civil.
"No entanto, todos esses ganhos permanecem frágeis e reversíveis. O acordo de Doha indica que Washington sofreu uma espécie de 'derrota estratégica' no Afeganistão", referiu Sharma, afirmando que o futuro do país é profundamente incerto.
O acordo, assinado em Doha, no Qatar, em 29 de fevereiro de 2020, estipulou uma retirada gradual das tropas dos EUA, bem como o início das negociações intra-afegãs e a troca de prisioneiros.
"É provável que testemunhemos uma escalada prolongada de violência no país, com o número de deslocados internos e refugiados crescendo. Isto teria consequências limitadoras para a região a longo prazo", concluiu o acadêmico.
Paz não era objetivo final?
Por sua vez, Nazif Mohib Shahrani, professor de Antropologia, Estudos da Ásia Central e Oriente Médio na Universidade de Indiana, EUA, acredita, em declarações à Sputnik, que o país norte-americano não falhou em seus objetivos no Afeganistão, porque estava perseguindo seus próprios interesses e não a paz.
"Como os EUA estavam lá para proteger seus próprios interesses após os eventos de 11 de setembro de 2001, a destruição e disrupção da Al-Qaeda [organização terrorista, proibida na Rússia e em vários outros países], etc., ao NÃO trazerem paz ou boa governança ao Afeganistão, eles não veem isso como um fracasso", disse.
Os EUA "conseguiram um bom negócio para si", disse o especialista, citando a experiência de guerra adquirida pelos soldados norte-americanos e a oportunidade para Washington testar muitas armas, incluindo a chamada Mãe de Todas as Bombas. Os Estados Unidos implantaram a GBU-43/B Massive Ordnance Air Blast, que é a maior bomba não nuclear jamais utilizada por Washington em um conflito, usada pela primeira vez na província afegã de Nangarhar, em abril de 2017.
"Seu complexo militar-industrial conseguiu empregos, etc. Onde está o fracasso? O Afeganistão é que foi destruído e fracassou", concluiu Shahrani.
Perspectivas futuras
A guerra dos EUA no Afeganistão, o conflito armado mais longo do país no século XXI, envolveu quatro administrações presidenciais norte-americanas, começando em outubro de 2001, quando George W. Bush (2001-2009) era presidente.
Sharma acredita que a situação atual no Afeganistão é impactada por vários fatores complexos.
"Para começar, o Acordo de Bonn de 2001 não foi bem um 'acordo de paz', pois excluiu totalmente o movimento Talibã [organização terrorista, proibida na Rússia e em vários outros países], que naquele momento estava receptivo a participar. Isto acabaria por causar estragos no teatro afegão a longo prazo, e hoje o Talibã está negociando a partir de uma posição de força", disse o acadêmico.
O Acordo de Bonn, que visava restabelecer o Estado afegão após a invasão dos EUA, tem sido repetidamente criticado por ostracizar o Talibã e levar a novas tensões.
A fragmentada elite política afegã, o vácuo de poder no Afeganistão e as fracas reações da comunidade internacional contribuíram para a crise afegã, disse Sharma.
Os termos do mais recente acordo de paz entre os EUA e o Talibã também "minaram substancialmente a República Islâmica do Afeganistão", concluiu Raghav Sharma.
O nível de violência continua elevado no país, com os talibãs acusando repetidamente Washington de violar o acordo, e sublinhando que, se os EUA não cumprirem seus compromissos, a comunidade internacional deve responsabilizar os americanos por todas as consequências.