Alfred-Maurice de Zayas, especialista independente aposentado da Organização das Nações Unidas (ONU) na Promoção de uma Ordem Internacional Democrática e Equitativa, afirma que não acredita que o presidente dos EUA, Joe Biden, altere as políticas do ex-presidente Barack Obama (2009-2017), de quem foi vice, estabeleceu em relação a divulgadores de informações confidenciais como Julian Assange, Chelsea Manning, Edward Snowden e muitos outros.
Recentemente, uma testemunha-chave no processo do Departamento de Justiça dos EUA contra Julian Assange, Sigurdur Ingi Thordarson, admitiu que mentiu em suas declarações usadas pelo governo norte-americano para acusar o fundador do WikiLeaks. Como mostra a publicação abaixo, o ex-administrador de sistemas da Agência de Segurança Nacional dos EUA Edward Snowden reagiu à notícia dizendo que "isto é o fim do processo contra Julian Assange", mas Zayas não é tão otimista.
This is the end of the case against Julian Assange. https://t.co/bhFCfVBuq0
— Edward Snowden (@Snowden) June 26, 2021
"Os EUA estão empenhados em dar o exemplo para todos os futuros denunciantes. O caso contra Assange nunca foi legal, mas político. A política tem prioridade sobre a lei, o Departamento de 'Justiça' dos EUA vai dobrar a aposta em outros aspectos do caso forjado contra Assange", afirma o especialista.
Zayas recorda que o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária declarou repetidamente que a "detenção e a perseguição" de Assange violam pactos internacionais sobre direitos civis e políticos, que tanto os EUA quanto o Reino Unido ratificaram.
"O que estamos testemunhando aqui é uma guerra contra o jornalismo e uma guerra contra os denunciantes. O problema é agravado pela cumplicidade da grande mídia que joga o jogo desde o primeiro dia, participa da demonização de Assange e da divulgação de falsas acusações."
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Biden segue cartilha de Obama
No início de junho, um grupo suprapartidário de 24 parlamentares do Reino Unido pediu ao presidente dos EUA para retirar as acusações contra o fundador do WikiLeaks, citando a liberdade de imprensa. Apesar da agenda de direitos humanos da administração Biden, Zayas não crê que o presidente norte-americano retire as acusações contra Assange.
"Duvido que Biden mude as políticas que seu mentor Barack Obama já estabeleceu, não apenas contra Assange, mas contra Chelsea Manning, Edward Snowden e muitos outros. Biden dirá algumas banalidades para salvar a pele, mas não espero nenhum 'perdão presidencial' como [o ex-presidente dos EUA Donald] Trump deu aos criminosos de guerra condenados", comenta.
Ainda assim, o especialista afirma que a imagem política de Joe Biden seria significativamente melhorada se ele tomasse a decisão "moralmente necessária e corajosa", mas Biden estaria cercado por militares que não permitiriam que a "boa imagem" do Exército dos EUA seja manchada por um hacker.
"O Pentágono quer esmagar qualquer oposição, qualquer dissidência e perseguirá quem ousar descobrir crimes nos EUA. Nós, norte-americanos, somos 'os mocinhos' por definição. Isso é o que aprendi no colégio em Chicago, e no qual acreditei por muitos anos, como uma profissão de fé, uma religião. Qualquer um que diga o contrário deve ser mau ou perturbado", sentencia.
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McAfee, Epstein e Assange
Apesar de os primeiros resultados da autópsia oficial do empresário norte-americano John McAfee, divulgadas na segunda-feira (28), comprovarem que o fundador da empresa do software antivírus tirou mesmo a própria vida em uma prisão espanhola após sua extradição para os EUA ter sido aprovada, há quem acredite que o empresário foi assassinado.
Em uma postagem no Twitter, publicada em 15 de outubro de 2020, McAfee afirmou que não tinha a intenção de cometer suicídio e observou que se ele sofresse o destino do milionário norte-americano Jeffrey Epstein, que morreu em uma prisão dos EUA em circunstâncias estranhas, a culpa não seria dele. Na semana passada, Edward Snowden comentou morte de McAfee e apontou Julian Assange como próximo em risco.
Europe should not extradite those accused of non-violent crimes to a court system so unfair—and prison system so cruel—that native-born defendants would rather die than become subject to it. Julian Assange could be next.
— Edward Snowden (@Snowden) June 23, 2021
Until the system is reformed, a moratorium should remain. https://t.co/tUociySmVy
A Europa não deveria extraditar os acusados de crimes não violentos para um sistema judicial tão injusto, e um sistema penitenciário tão cruel, que réus nativos preferem morrer a ficar sujeitos a ele. Julian Assange pode ser o próximo. Até que o sistema seja reformado, uma moratória deve permanecer.
Questionado sobre se Assange poderia tirar a própria vida, Zayas é enfático: "Não acho que Assange jamais cometeria suicídio".
"Ele não tem nenhum motivo para cometer suicídio. Ele certamente não está à beira do desespero […]. Se Assange fosse encontrado morto na prisão de Belmarsh, [Reino Unido,] eu suspeitaria de uma execução extrajudicial pela qual a CIA [Agência Central de Inteligência dos EUA] é bem conhecida e experiente. Talvez não um assassinato tão 'sórdido' como o do [jornalista Jamal] Kashoggi por bandidos sauditas, mas tão certo quanto a eliminação de Jeffrey Epstein e John McAfee, que sabiam demais", comenta o especialista.
Zayas afirma que os EUA e a União Europeia têm um histórico de deliberadamente não proteger testemunhas estelares.
"Infelizmente, a dignidade humana conta pouco hoje em dia. Vale tudo para o maquiavélico 'o fim justifica os meios'. Mas e quando não apenas os meios, mas também os fins são maus? E quando o fim for uma distopia orwelliana para a qual estamos avançando implacavelmente?", questiona o especialista.