Os dois se reuniram no Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, para tratar de temas da agenda internacional, como o acordo comercial União Europeia-Mercosul, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e relações bilaterais políticas, econômicas e culturais. Também foi assinado um acordo sobre serviços aéreos entre os dois países na primeira viagem internacional de França no comando do Ministério das Relações Exteriores.
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No dia anterior, ele França esteve com Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, e com João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática. Confrontado pela Sputnik Brasil com o fato de a política ambiental brasileira ser apontada como um dos maiores entraves para a ratificação do acordo UE-Mercosul e questionado se o Brasil estaria disposto a assinar um instrumento adicional que prevê compromissos climáticos e o combate ao desmatamento, França adotou um tom conciliador, diferente do seu antecessor à frente do Itamaraty.
"Julgamos que o acordo UE-Mercosul é dos mais avançados do mundo, talvez o mais avançado na matéria ambiental. Nós, sim, estamos dispostos a negociar o documento paralelo. Mas o que não queremos é que o acordo seja reaberto por essas questões, porque entendemos que já há avanços significativos nessa área. O presidente Jair Bolsonaro, há dois dias, assinou um decreto que proíbe as queimadas nos próximos 120 dias e renovou o compromisso das Forças Armadas nas atividades de comando e controle na Amazônia brasileira", exemplificou.
No fim de abril, o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil havia afirmado que, com otimismo, o acordo UE-Mercosul entraria em vigor até o fim de 2022, período que coincide com o término do mandato de Bolsonaro. Indagado pela Sputnik Brasil se acreditava que o presidente chegaria ao fim do mandato frente ao aumento da pressão pelo impeachment e diante de acusações de que ele teria prevaricado ao tomar conhecimento dos indícios de irregularidades do líder do governo, Ricardo Barros, para a aquisição da vacina Covaxin, França respondeu que não há bases para o impedimento e que cabe ao Congresso decidir.
"Pelo que li da imprensa, pois eu já estava em viagem para cá quando foi apresentado esse pedido [de impeachment], não há base política, não há base jurídica, não há base factual. E penso que isso é baseado em declarações da Câmara dos Deputados. O Congresso que vai julgar esse processo", afirmou à Sputnik Brasil.
Ministro pede respeito ao resultado das eleições
O chanceler também se colocou na posição de apenas mais um eleitor (de Bolsonaro), mas pediu respeito ao resultado das eleições.
"Sobre a questão do mandato, quem sou eu? Sou um eleitor. Agora, eu gostaria de lembrar aqui o fato de que o presidente Bolsonaro em 2018 foi eleito por 57 milhões de brasileiros. O regime democrático obriga que o resultado das eleições seja respeitado", acrescentou.
Ainda sobre o pacto comercial entre Mercosul e UE, França ratificou seu otimismo de que o acordo possa avançar nas duas próximas presidências rotativas do Conselho da UE. Com a duração de seis meses cada, a Eslovênia sucede a presidência portuguesa, que terminou nesta quarta-feira (30).
A partir de janeiro, é a França que assume o mandato rotativo por seis meses, país que é o principal opositor à ratificação do acordo entre os dois blocos, seja sob os argumentos de Emmanuel Macron de que o desmatamento e as queimadas na Amazônia brasileira são um entrave à concretização, seja sob o lobby do protecionismo agrícola francês. O chanceler brasileiro conta com o apoio de Portugal.
"A história diplomática brasileira, que ano que vem completa 200 anos, há 200 anos se pensa no Itamaraty a soberania nacional, me credencia a ter certo otimismo. Imaginamos, sim, que o acordo possa avançar. Foi um dos acordos que tratei aqui hoje com o ministro Santos Silva. Estamos numa fase de aperfeiçoamento do texto, da tradução. Confiamos realmente, que, agora, na presidência eslovena e na presidência francesa, no ano que vem, podemos avançar nesse tema, tendo Portugal sempre como um forte aliado", defendeu França.
Durante a conferência de imprensa, os dois ministros também comentaram as expectativas para a Cimeira de Luanda, nos dias 17 e 18 julho, onde deve ser assinado o Acordo de Mobilidade da CPLP pelos chefes de Estado dos nove países integrantes, já aprovado pelos chanceleres de cada nação em março. Além de Brasil e Portugal, compõem o organismo Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
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Bolsonaro estará ausente na Cimeira de Luanda da CPLP
França antecipou que a delegação brasileira será representada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, uma vez que Bolsonaro terá uma agenda ambiental no Amazonas na mesma data. O chanceler visitou a sede da CPLP, nesta quinta-feira (1º), e reafirmou o compromisso do Brasil com a entidade, depois da presença apagada durante a gestão de Ernesto Araújo.
"É um organismo internacional onde os Estados se unem não apenas pela língua, mas pela promoção de valores comuns e onde nenhum Estado parece ter fronteira com o outro. É realmente uma organização que nos ajuda muito, auxiliou o Brasil para eleição do diretor brasileiro na Organização Mundial do Comércio", relembrou.
Segundo dados oficiais de março de 2020, aos quais a Agência Lusa teve acesso, o Brasil devia mais de € 1,5 milhão (R$ 9 milhões) por duas contribuições anuais em atraso, uma referente a 2019 e outra em relação ao ano passado. França se comprometeu a quitar esses pagamentos atrasados.
"Tratei de questões administrativas com o secretário executivo [da CPLP], e é desejo do Brasil saldar os compromissos que têm com organismos internacionais. A CPLP, dentro desses compromissos que o Brasil honrará e sempre honrou, terá a nossa prioridade", assegurou.
De acordo com o titular do Ministério das Relações Exteriores, a África é uma das prioridades da política externa do governo Jair Bolsonaro. Ele destacou o fato de que Moçambique será o primeiro país africano a receber a doação de vacinas feitas pela Fundação Oswaldo Cruz, além do Paraguai, na América do Sul.
Já Augusto Santos Silva ressaltou o empenho da presidência de Cabo Verde na CPLP para que o Acordo de Mobilidade fosse aprovado. E falou que as expectativas para a Cimeira de Luanda são elevadas, por marcar o aniversário de 25 anos da CPLP, e o começo da presidência angolana na organização.
"Temos as expectativas mais altas em relação à próxima presidência angolana e à ênfase que Angola já disse que ia pôr na dimensão econômica da nossa comunidade. Parece-nos ser uma boa aposta", avaliou Santos Silva.