A próxima eleição federal alemã está prevista para setembro deste ano e pode inaugurar um novo momento na vida política do país, em função da saída de Angela Merkel da liderança da União Democrata-Cristã (CDU, na sigla em alemão).
Para saber mais sobre os impactos das eleições alemãs na União Europeia (UE) e até no Brasil, a professora nos cursos de Relações Internacionais da Universidade Cruzeiro do Sul e Centro Universitário FMU, Flavia Loss de Araujo, falou com a Sputnik Brasil. Em princípio já declarou que a saída da chanceler não é nenhuma surpresa por conta de um desgaste natural após quase 16 anos.
Fim da Era Merkel
A chanceler alemã deve sair do cargo com alta taxa de aprovação, tendo passado por desafios como a própria crise do Euro e a crise dos refugiados. "Ela foi um elemento importante para continuidade do multilateralismo durante os anos de Donald Trump à frente da presidência dos EUA e mesmo para própria integridade e continuidade da União Europeia", explica ela, reforçando que "existe um cansaço e uma necessidade de renovação" tanto para o mundo político quanto para a sociedade alemã.
As atuais pesquisas de opinião apontam para o partido de Merkel, a CDU, e o Partido Verde. No caso de vitória da CDU, quem deve passar a comandar a chancelaria é Armin Laschet, que no momento evita cotar nomes para seu gabinete caso eleito, mas já falou em "novos nomes" e "pessoas jovens" na transição da atual equipe.
"O que nós podemos afirmar no que diz respeito à política externa alemã é que o Laschet representa a continuidade do que vimos até agora com Merkel e a estabilidade, então dificilmente ocorrerão grandes mudanças na política externa", opinou.
Flavia Loss de Araujo relembra que apesar do Partido Verde ter ganhado muito fôlego recentemente, não aposta que o segundo maior partido atual alemão vença as eleições. Para ela, a candidata do Partido Verde, Annalena Baerbock, foi seriamente afetada por escândalos que envolvem seu currículo profissional e acusações de que seu livro conteria plágio.
Relações Rússia, Alemanha e UE
Sobre as relações da Alemanha com o bloco europeu, Flavia aponta para continuidade do "peso" germânico na UE, mesmo tendo em conta que a proposta de Berlim e Paris sobre maior engajamento do bloco com a Rússia e a realização de uma reunião de alto nível com o presidente Putin tenha sido reprovada na recente reunião do Conselho Europeu.
"A recusa de um maior engajamento da UE com a Rússia foi um revés para Alemanha e para França, sem dúvidas e mostra um pouco dessas divisões cada vez mais intensas dentro do bloco. Porém não será uma derrota que abalará a posição que esses países ocupam dentro da UE", detalha.
A pandemia também alterou a percepção da opinião pública alemã em relação ao bloco. Flavia Araujo explica que sociedade foi mudando, de altamente favorável no início da pandemia até que "agora estamos vendo um maior questionamento, por exemplo, em relação à distribuição de vacinas dentro do bloco", que ela aponta como um desafio para o próximo chanceler alemão.
'Relações verdes': Alemanha e Brasil
A especialista em Relações Internacionais acredita que a saída de Merkel pode influenciar o relacionamento entre Berlim e Brasília e também com a América Latina.
"Essa movimentação política na Alemanha é importante para América Latina como um todo por conta das relações históricas e comerciais entre as nossas regiões. Para o Brasil é ainda mais significativo porque a UE é o nosso segundo maior parceiro comercial atrás somente da China", relembra.
Mesmo que ganhe o Partido Verde ou, mais provavelmente, com vitória da CDU, representando continuidade da política externa, Flavia aposta na necessidade do Brasil retornar à postura de preocupações com o meio ambiente.
"A própria Angela Merkel se manifestou [com insatisfação sobre a postura brasileira] em 2020; agora caso a candidata do Partido Verde vença a cobrança será ainda maior. A abordagem do Partido Verde por ser mais incisiva com países que contrariam os regimes internacionais de meio ambiente e direitos humanos", complementando que a questão ambiental deveria preocupar profundamente o Brasil já que os dois partidos a frente da discussão política na Alemanha estão fortemente comprometidos com o Acordo Verde Europeu.
"Isso envolve uma série de medidas como zerar emissões de carbono até 2050 entre outras coisas. São mais de 100 bilhões de euros para que os estados membros da UE como um todo façam essa transição para economia verde. Então é algo que nós deveríamos acompanhar", alerta Araujo.
Em relação ao acordo Mercosul-UE, a Alemanha apoiava o acordo e sua ratificação, mas segundo a professora, mudou de posição a partir da postura do Brasil frente às queimadas da Amazônia e declarações do governo Bolsonaro.
"Para agravar esses cenários, nós temos cada vez mais parcelas da opinião pública alemã contra o acordo e pelo mesmo motivo, essa parcela será difícil de reverter a não ser que o Brasil volte a ser um país engajado com temas ambientais como sempre foi nas últimas décadas", destaca a analista, apontando para a necessidade da sociedade civil se inteirar sobre a pauta.
"É algo muito prejudicial para nossas relações externas em geral, mas ainda mais para relações econômicas. Isso deveria ser uma questão de grande preocupação e constrangimento para sociedade brasileira", conclui.