Docente português pede afastamento após se recusar a dar prova a brasileira por estar muito decotada

© Foto / Reprodução/U. PortoFachada da Universidade do porto, no norte de Portugal
Fachada da Universidade do porto, no norte de Portugal - Sputnik Brasil, 1920, 13.07.2021
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A Universidade do Porto instaurou processo para investigar um professor do curso de Direito que teria se recusado a aplicar uma prova a uma aluna brasileira pelo fato de ela estar "muito destapada" (decotada). Após o caso vir à tona, o docente pediu afastamento, conforme apurou a Sputnik Brasil.

As informações foram corroboradas pela instituição, que confirmou que "o docente Paulo Pulido Adragão pediu escusa de serviço para as próximas semanas (esta incluída)". Sputnik Brasil enviou e-mail ao professor para tentar saber sua versão dos acontecimentos, mas ele não respondeu até o fechamento desta reportagem.

© Foto / Reprodução/YouTube da FDUPO professor Paulo Pulido Adragão, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP)
Docente português pede afastamento após se recusar a dar prova a brasileira por estar muito decotada - Sputnik Brasil, 1920, 13.07.2021
O professor Paulo Pulido Adragão, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP)

Professor que chamou brasileiras de mercadoria volta à faculdade

A Universidade do Porto (UP) é a mesma em que o professor Pedro Cosme da Costa Vieira, associado da faculdade de Economia, foi afastado por 90 dias depois de ter afirmado que "mulheres brasileiras são uma mercadoria". Segundo a instituição, o docente regressou à Faculdade de Economia do Porto (FEP) por ter expirado o prazo da suspensão, mas não voltou a dar aulas por ter retornado no fim do período letivo. 

Ainda conforme a UP, como há muitas testemunhas a serem ouvidas, o processo de Costa Vieira ainda está a decorrer. De acordo com a legislação laboral portuguesa, o prazo para a conclusão processual é de seis meses, mas a universidade pretende concluí-lo antes do início do próximo período letivo, que começa em setembro.

"Há uma diferença formal entre este caso [Paulo Pulido Adragão] e o da FEP. No caso do Cosme Vieira, foi feita uma queixa formal de estudantes, pelo que se passou diretamente para a fase de processo disciplinar. Neste caso da Faculdade de Direito não foi realizada queixa formal, antes uma denúncia em redes sociais, daí o processo de averiguações instaurado", lê-se no e-mail enviado pela UP à Sputnik Brasil.

De acordo com a cronologia dos acontecimentos, no domingo, 4 de julho, foi registrada, por meio da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (AEFDUP), a denúncia de uma ocorrência verificada no exame de uma unidade curricular do 1º ano do curso de Direito, realizado na sexta-feira, 2 de julho.

"Os exatos termos da ocorrência deverão ser determinados pelo processo de averiguações que a direção da Faculdade de Direito decidiu instaurar na segunda-feira, 5 de julho, precisamente o primeiro dia útil após a recepção das referidas denúncias. Isso mesmo foi comunicado nesse dia a toda a comunidade acadêmica da FDUP através de e-mail dirigido pelo diretor", lê-se na nota.

Como refere o comunicado, em cumprimento das regras jurídicas aplicáveis, será aguardada a conclusão do processo de averiguações para determinar a instauração de novas medidas, incluindo as de âmbito disciplinar. 

Segundo a nota, assinada pelos professores Paulo de Tarso Domingues, Rute Teixeira Pedro e Mariana Fontes da Costa, integrantes da direção, a FDUP é uma faculdade de Direito pública sujeita ao regime do artigo 43º da Constituição da República Portuguesa, onde, por isso, "não podem ter lugar quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas".

"A direção da Faculdade será rigorosa – como sempre foi – quanto ao escrupuloso cumprimento deste comando constitucional", lê-se em outro trecho.

Outras denúncias contra Adragão remontam a 15 anos

O caso foi denunciado primeiramente pelo Núcleo HeForShe da FDUP, um movimento global de solidariedade pela igualdade de gênero da Organização das Nações Unidas (ONU). Em entrevista à Sputnik Brasil, Sara Machado, representante do núcleo, revela que, após a publicação da denúncia nas redes sociais, surgiram novas acusações de ex-alunas contra Adragão.

"Recebemos denúncias sobre o mesmo professor. Alunas que frequentaram a FDUP há 15 anos e que tiveram que sair das provas orais para ir vestir outra roupa de outras colegas ou vestir casacos para fazer orais com um calor de verão", diz Sara Machado.

Ela conta que as denúncias foram encaminhadas à AEFDUP, que, por sua vez, as encaminhou à direção da faculdade. Questionada pela Sputnik Brasil se tem esperança de que sejam tomadas medidas mais duras contra Adragão, diferentemente do que aconteceu na FEP, em que Costa Vieira foi suspenso por 90 dias e voltou à faculdade, ela é otimista.

"Tenho, sinceramente tenho alguma esperança. Espero honestamente que não sigamos o exemplo da Faculdade de Economia. Tendo em conta os antecedentes, deveria estar em ordem um afastamento permanente", avalia.

O Coletivo Feminista FEMFDUP teve conhecimento da situação no dia do exame, logo após o término do mesmo. Em nota enviada à Sputnik Brasil, o coletivo informa que a aluna encontrava-se sentada à espera do enunciado da prova como qualquer outro estudante e, no momento da entrega, o professor hesitou e pediu que ela vestisse um casaco "por estar demasiado despida com um top". 

De acordo com o relato, o professor procedeu à entrega do enunciado aos restantes e, no final, a estudante o chamou, mas ele só teria dado atenção quando um colega, "por sinal um rapaz", interveio, alertando o professor sobre não ter entregue o enunciado à estudante.

"A atitude do professor perante esta estudante foi uma atitude sexista. As motivações do professor não poderão ser aferidas, mas acreditamos que o importante perante esta situação é não descredibilizar qualquer luta de qualquer mulher que na academia sofra discriminação", lê-se na nota.

Ainda conforme o FEMFDUP, no âmbito das discriminações, pode-se ainda apontar para posicionamentos afirmados como "matéria", "ensinados" em aula pelo professor, como é o caso de temas como o aborto ou o casamento homossexual no ordenamento jurídico português.

"Sendo que os fundamentos são sempre misturados com valores religiosos e não propriamente jurídicos", complementa a nota.

Paulo Pulido Adragão é doutor em Direito Público do Estado, pela Universidade Nova de Lisboa, com a dissertação "A liberdade religiosa e o Estado". Segundo seu currículo, disponibilizado no site do Centro de Investigação Jurídico-Econômica (CIJE) da UP, do qual é investigador desde 2004, a pesquisa para o doutorado levou-o a acompanhar de perto, desde 1995, as questões relativas às relações Igreja-Estado.

Na FDUP, além de ser regente da cadeira de História do Direito, na licenciatura, ele é coordenador do seminário sobre "Direito, Religião e Sociedade" no mestrado. Adragão também é membro da Comissão Paritária entre a Santa Sé e o governo português, desde 2009, e foi mandatário de iniciativas populares por referendos contra projetos de leis como o que legalizou o casamento entre homossexuais, em 2010, e o que pretendia descriminalizar a eutanásia, em 2020.

Coletivo relata que outro professor teria tocado em corpo de aluna

Matilde Alves, estudante do 3° ano de Direito na UP e integrante do FEMFDUP, conta à Sputnik Brasil que, devido ao verão europeu, ela mesma foi vestida com um top no dia 2 de julho, mesma data em que o professor repreendeu a aluna por causa da indumentária durante a prova. Ela diz que se sentiria humilhada se tivesse passado pela mesma situação.

"Eu estive na FDUP nesse dia e tirei o casaco quando entrei. Sentir-me-ia humilhada se ele [professor] me pedisse para vestir um casaco em frente a todos os colegas [e], por isso, insinuar que eu estaria a atentar contra o pudor, quando estava só com um top que escolhi nessa manhã porque estava confortável", relata Matilde.

O FEMFDUP ressalta que pretende salvaguardar a vítima após as proporções que o caso tomou, embora sejam benéficas para expor o que está a acontecer dentro das instituições. De acordo com a nota, este foi o primeiro caso que chegou efetivamente longe na escala das denúncias feitas pelos coletivos dentro da faculdade e em que está havendo uma pressão para apuração de responsabilidades.

"Momento pelo qual aguardamos ansiosamente. Por tudo o que relatamos, a nossa luta continuará", lê-se na nota.

O coletivo também recolheu testemunhos, por suas redes sociais, em que detectou que o comportamento sexista não se restringe ao referido professor, sendo também permitido e perpetuado pela repetição deste ou de comportamentos semelhantes por estudantes.

"Um dos testemunhos que consta da nossa recolha diz inclusive que um professor tocou no corpo de uma rapariga de uma forma invulgar e que a deixou desconfortável", revela.
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