O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi fundado em 25 de março de 1922, e até hoje, é o partido mais antigo do país em atividade. Em 1962, reorganizou-se adotando a sigla PCdoB. Atualmente, segundo seu site oficial, a legenda busca "constituir uma frente ampla, pela retomada da democracia e contra os retrocessos nos direitos dos trabalhadores, das mulheres, da juventude e dos negros".
O partido entende que "o capitalismo é sinônimo de crise, exploração, violência e propõe como alternativa a construção de uma ação política consciente e organizada, tendo como desígnio uma nova sociedade, digna, justa, socialista, guiando-se pela teoria marxista-leninista", de acordo com seu manifesto.
Entretanto, a sigla vem enfrentando desafios para sua sobrevivência, e precisará desenvolver uma estratégia para ultrapassar a cláusula de barreira nas eleições de 2022. A saída do governador do Maranhão, Flávio Dino (que foi para o PSB), no final de junho, enfatizou a necessidade de fortalecimento da legenda.
Para entender melhor o atual momento do partido, os projetos de lei da legenda e quais medidas serão necessárias para sua continuidade e manutenção, a Sputnik Brasil entrevistou Daniel de Mendonça, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor do curso de graduação em Ciências Sociais e do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Marxista-leninista ou esquerdista liberal?
Em 2020, Mendonça, em conjunto a doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Bianca de Freitas Linhares, escreveram o artigo "Comunistas? Uma análise dos projetos de lei dos deputados federais do PCdoB e PPS".
Mendonça explica que a pesquisa desenvolveu uma nova metodologia de classificação ideológica de partidos brasileiros no âmbito federal, ou seja, o artigo analisou o comportamento ideológico na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no Executivo, do PCdoB e do Partido Popular Socialista (PPS), que foram exemplos de aplicação dessa metodologia.
Durante o estudo para o desenvolvimento da pesquisa, a partir da análise dos projetos de lei do PCdoB entre 2003 e 2006, o especialista conta que, na prática, ficou evidente que a legenda segue uma linha esquerdista liberal, diferente da proposta marxista-leninista na qual seu manifesto se apoia.
"No âmbito da Câmara Federal, o partido não é nada marxista-leninista. Ele é um partido de esquerda que tem de fato projetos de lei classificados no espectro da esquerda, mas daquilo que chamamos de esquerda liberal, isto é, aquela esquerda que não visa superar o capitalismo, quer o contrário, propor dentro do sistema econômico capitalista medidas de maior e mais intervenção do Estado na economia, na gestão e nas relações sociais", explicou o especialista.
Para Mendonça essa discrepância entre o manifesto do partido e sua atuação na Câmara ocorre porque a legenda "joga o jogo político", pois ainda que seja um partido que queira mais a presença do Estado na vida das pessoas, esse Estado se encontra "dentro dos marcos de uma democracia liberal a qual a sigla não contesta".
O especialista salienta que no setor da economia, o PCdoB se caracteriza por ter o maior número de projetos de lei não referentes ao desenvolvimento econômico no sentido macro, mas no sentido micro, principalmente no que diz respeito às relações de consumo, desenvolvendo uma defesa sistémica do consumidor contra os empresários.
"O PCdoB não quer terminar com as relações de consumo de uma economia capitalista, ele quer defender o consumidor no seio dessas relações, o que chama muito atenção, pois difere do seu manifesto que se diz marxista-leninista, mas na prática [o partido] defende as relações de consumo de um sistema econômico liberal."
Coligações
Sobre as coligações que o partido efetua, como por exemplo com o Partido dos Trabalhadores (PT), Mendonça diz que não vê maiores questões nessas associações diante da forma como o sistema político e partidário brasileiro está estruturado.
"Isso [as coligações] faz parte, não é difícil em coligações estaduais e, principalmente, municipais, o PCdoB estar ligado a partidos de direita, existem vários casos. Evidentemente que a coligação tradicional do partido é com outros partidos entendidos como partidos de esquerda [...] e a coligação específica com o PT é uma ligação histórica, que acontece desde as eleições de 1989 e não vejo problema nenhum nisso [...]", esclareceu o professor.
Projetos de Lei do PCdoB
Questionado se, durante a pesquisa, foram observadas incongruências ou divergências nos projetos de lei do PCdoB, Mendonça diz que de forma geral não.
Entretanto, o que lhe surpreendeu, é que o partido apresenta projetos de lei majoritariamente voltado para esquerda liberal em grandes áreas como a da economia e do social, porém, em cada uma dessas áreas, a legenda apresenta projetos que foram classificados à direita liberal.
"Esses projetos refletem uma redução da tributação e um Estado com menos impostos, uma diminuição nas relações de empregos e direitos de trabalhadores [...], há uma quantidade, nada desprezível, de projetos de leis que não defendem os consumidores, mas defendem as empresas [...] o que revela a importância de uma metodologia que possa observar mais a miúde as ações dos partidos", afirmou.
Ideologia do partido e cláusula de barreira
Ao ser indagado se a ideologia do partido contribui para sua dificuldade em sobreviver diante da cláusula de barreira no Brasil, Mendonça explica que não vê a ideologia como um problema, mas aponta a hegemonia esquerdista do PT como uma questão que influencia na popularidade do PCdoB, uma vez que o Partido dos Trabalhadores atrai potenciais eleitores do PCdoB para sua legenda.
"O eleitorado brasileiro vê o PT como o representante da esquerda brasileira, ou como representante principal, e nesse sentido fica mais difícil para outros partidos, que visam representar a esquerda, ocuparem esse lugar. [...] Como o PCdoB é um partido que orbita [através das coligações] nesse âmbito liderado pelo PT, ele tem mais dificuldades. Eu vejo que o problema não é sua ideologia, o problema principal é que os eleitores que votam comumente no PT, que são potencialmente os eleitores do PCdoB, preferem o PT. É uma questão de hegemonia no mesmo campo", elucidou o especialista.
Como opção para ultrapassar a cláusula de barreira, Mendonça aponta como possível estratégia lançar o maior número viável de candidatos ao Parlamento, para tentar eleger uma boa quantidade de deputados e, assim, vencer a cláusula.
No entanto, caso isso não seja executável, o especialista considera que a legenda deve se fundir com algum outro partido dentro do mesmo espectro, e ressalta a importância que, de uma forma ou de outra, é preciso transcender a cláusula de barreira, pois "um partido que não consegue ultrapassar essa cláusula é um partido que não tem mais viabilidade econômica, e essa é uma questão com a qual a sigla deve se preocupar".
Segundo o site do PCdoB na Câmara, o partido atualmente conta com oito deputados federais eleitos em sete estados do Brasil e 21 deputados estaduais em dez estados.
Em relação a municípios, a sigla elegeu 46 prefeitos em 2020 com maioria concentrada no estado da Bahia, aumentando em 60% a presença em prefeituras do estado em relação ao último pleito. O total de vereadores eleitos pelo partido, no mesmo ano, foi de 694.