Este ano, dados do Sistema de Tráfego Internacional (STI), plataforma da Polícia Federal onde são registradas entradas e saídas de pessoas no Brasil, indicaram 131,5 mil movimentos de saída de brasileiros que não regressaram ao país entre os meses de janeiro e maio.
Diante da crise econômica e do desemprego recorde, a falta de perspectiva sobre o futuro parece ser a razão do novo movimento emigratório brasileiro.
"Estamos vendo a retomada de um fenômeno das décadas de 1980 e 1990. O brasileiro acha que vai ter trabalho e tenta a sorte em países como Estados Unidos e Portugal", disse Tadeu Oliveira, coordenador estatístico do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e pesquisador do IBGE, citado pela CNN Brasil.
Estados Unidos e Portugal são apontados pelo pesquisador como os principais destinos, no entanto, outros países, como Reino Unido e Japão, também têm recebido fluxo crescente.
Para entender o porquê da retomada desse fluxo emigratório, como a economia do Brasil fica perante esse quadro e como a mão de obra brasileira está sendo vista no exterior, a Sputnik Brasil entrevistou Milton Pignatari, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo.
Motivos econômicos
Pignatari relata que existe um sonho de consumo antigo no Brasil apoiado no fato de que trabalhar no exterior trará boa renda, ou seja, se ganhará melhor, principalmente porque ao converter moedas como euro ou dólar, o dinheiro praticamente dobra em relação ao real pela alta taxa de câmbio.
Com o cenário da pandemia e a crise econômica no país, o professor considera que essa mentalidade voltou a rondar a mente do brasileiro que enxerga a emigração como uma solução para ultrapassar essas dificuldades.
"Eu acredito que o sonho de uma melhor vida é o que atualmente está levando uma grande parte dessas pessoas a tentar essa opção", afirmou Pignatari.
Entretanto, a realidade não é bem essa. O especialista frisa que, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, mais de 50% dos brasileiros que "vão tentar a vida no exterior" acabam regressando em menos de um ano, uma vez que não conseguem se sustentar e passam, até mesmo, necessidades.
Efeitos na economia do Brasil
Apesar da alta taxa de emigração, Pignatari não acredita que a mesma vá afetar a economia brasileira, já que as pessoas que fazem parte dessa taxa, em sua maioria, não estavam mais produzindo no Brasil, seja porque o próprio negócio fechou ou porque estão desempregadas.
O que poderia afetar é se um grande grupo coorporativo ou um megaempresário decidisse tirar seu negócio do país, mas o grupo que faz parte dessa emigração já vive uma realidade complexa que não colabora economicamente com o país.
"São pessoas que dentro da cadeia produtiva já não estavam produzindo mais, e por isso, não estão contribuindo para o crescimento econômico, para o PIB […] elas estão em uma situação de emergência vendendo carro, pegando reservas financeiras e se arriscando para o exterior", afirmou o professor.
Juventude e emigração
Uma grande parcela dos brasileiros que emigram são jovens, e diante desse dado, o professor é indagado se, futuramente, essa parcela poderia influenciar na oferta de mão de obra no Brasil.
Pignatari afirma que sim, principalmente se forem jovens que têm uma perspectiva intelectual, que procuram sair para estudar, ou seja, eles emigram para evoluir academicamente e acabam aplicando esse conhecimento no exterior e não no Brasil. Portanto, a médio prazo, o especialista crê que esse fluxo pode abalar mão de obra qualificada no país.
Essa falta seria sentida especialmente no desenvolvimento de projetos e pesquisas que poderiam gerar patentes, algo bastante lucrativo para a nação que as desenvolvem. Porém, uma vez que o "capital intelectual" do brasileiro é acolhido em outro país, quem vai obter os louros monetários será o território que o abrigou, quando deveria ser o Brasil a receber esse retorno financeiro.
"Vira e mexe podemos ver na televisão reportagens sobre cientistas brasileiros que estão se dando muito bem no Reino Unido, na China, Japão, EUA, inclusive na área da informática, brasileiros que trabalham em empresas tipo IBM, Google, Facebook e que são 'importados', isso traz prejuízos para o Brasil sem dúvida nenhuma."
A solução apontada pelo professor para interromper essa movimentação jovem em direção ao exterior, seria a execução de reformas no Brasil, como a reforma tributária, parlamentar, administrativa, que precisam com urgência acontecer, pois assim "não vamos ter 85% da nossa arrecadação voltada para pagamento funcional, e a partir do momento que tiver dinheiro sobrando para verba de pesquisa e investimento social, a pessoa não considera outro país como opção".
"Por mais que a pessoa tenha o ideal de morar fora, se ela tiver a oportunidade de ter uma boa remuneração, laboratórios, equipamentos, grupos de pesquisa ela não tem um motivo para buscar essas soluções no exterior. […] Por que dificilmente vemos cientistas japoneses saírem do Japão, britânicos saírem do Reino Unido? Porque na hora que se observa [no próprio país] a possibilidade de fazer um projeto, existe esse investimento de capital", explicou o especialista.
Pignatari ainda destaca que no Brasil não há uma mentalidade empresarial que aposte em linhas de pesquisa, visto que essa aposta, interpretada pelos empresários, não traria retorno financeiro.
O que não é verdade, segundo o analista, já que em países como a Coreia do Sul, Japão e EUA o investimento em pesquisas de empresas particulares é muito grande, e isso incentiva porque "uma vez que o projeto é bom você vai ter alguém para te apoiar. Mas no Brasil não, você vai ter que ficar correndo atrás, pedindo 'pelo amor de deus' para liberar uma verba para pesquisa".
Economia internacional com a chegada de brasileiros
Se os países que recebem os emigrantes brasileiros se beneficiariam com esse movimento, Pignatari afirma que sim, e que esse benefício acontece pela grande capacidade do brasileiro de adaptação, por sua flexibilidade diante de qualquer estrutura montada.
"Por que que Portugal, Japão, Reino Unido, EUA, França, Alemanha buscam funcionários brasileiros? Porque eles sabem que os mesmos vão se adaptar a qualquer estrutura. Esses países sabem que se um pesquisador brasileiro tiver que ficar além do horário de trabalho, ele vai ficar, e você não vê isso com tanta continuidade em pesquisadores do próprio país", elucidou o especialista.
Para Pignatari, as oportunidades oferecidas a brasileiros ocorrem porque se sabe que haverá um retorno, pois é um funcionário que além de levar expertise e capacidade, "não vai se aborrecer" se tiver que ficar um pouco mais do horário "por essa nossa poderosa habilidade de adaptação".
"O brasileiro tem um jogo de cintura que beneficia o empregador […] se um pesquisador, por exemplo, fica mais uma hora porque é necessário resolver uma fórmula ele agiliza o processo dessa pesquisa, e esses países têm a noção desse tempo. […] É por isso que esses países veem nos brasileiros um povo que tem capacidade e jogo de cintura que se adaptam a outras estruturas."
Mudança na visão estrangeira sobre o brasileiro
O especialista ressalta que, hoje, a visão de países estrangeiros sobre pessoas oriundas do Brasil mudou. A ideia de que o brasileiro chega ao país para "fazer rolo ou vai fazer arruaça" está cada vez mais enfraquecida, e essa percepção acaba colaborando na emigração, uma vez que o exterior abre mais a porta para os brasileiros.
"Hoje pessoas provenientes do Brasil não são mais sinônimo de 'problema' em outros países e isso ajuda. […] Tanto que quando acontece alguma questão com algum brasileiro, um assassinato ou qualquer coisa do tipo, a comunidade, não só a brasileira, mas também a internacional, se comove, porque sabe que o brasileiro hoje não tem mais o estigma que tinha anteriormente, e esse entendimento está cooperando muito nessa busca de países como Portugal, Japão por brasileiros", afirmou o professor.
Em 2021, foram registrados 437 mil movimentos de saída de brasileiros de janeiro a maio, mas 305,5 mil voltaram dias ou semanas depois. Assim, o saldo líquido acumulou a saída de 131,5 mil pessoas. Ou seja, praticamente um a cada três que embarcou rumo a outro país não voltou para casa.