Reino Unido corta ajuda internacional: seria o fim da projeção internacional do país?

© REUTERS / Peter NichollsPrimeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Downing Street, Londres, 14 de julho de 2021
Primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Downing Street, Londres, 14 de julho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 15.07.2021
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Nesta terça-feira (13), o Parlamento britânico aprovou formalmente a proposta do governo Boris Johnson de cortar a ajuda aos países estrangeiros. A Sputnik explica o papel da ajuda internacional na política do Reino Unido e as possíveis consequências desta decisão.

O financiamento da ajuda externa já havia sido reduzido no país no início deste ano sem alteração da Legislação. No entanto, a medida do governo foi veementemente criticada, inclusive pela predecessora de Johnson, Theresa May, devido a não dar aos deputados a oportunidade de ratificarem a nova quota de despesas.

Isso levou à votação na Câmara dos Comuns do Reino Unido, no dia 13 de julho de 2021. O projeto de lei foi aprovado oficialmente por 333 deputados, enquanto 298 votaram contra a medida. Assim, o Reino Unido deve reduzir o volume de ajuda aos países estrangeiros de 0,7% para 0,5% da renda nacional bruta.

De acordo com a iniciativa, os países em desenvolvimento vão receber quatro bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 28,6 bilhões) a menos. Para compreender melhor as consequências políticas desse passo, a Sputnik Brasil ouviu o professor Demetrius Pereira, coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Europeus da ESPM.

© REUTERS / Parlamento do Reino Unido / Jessica TaylorPrimeiro-ministro britânico Boris Johnson responde a perguntas no Parlamento, Londres, 23 de junho de 2021
Reino Unido corta ajuda internacional: seria o fim da projeção internacional do país? - Sputnik Brasil, 1920, 15.07.2021
Primeiro-ministro britânico Boris Johnson responde a perguntas no Parlamento, Londres, 23 de junho de 2021

Ajudar para influenciar

As políticas de ajuda a países em desenvolvimento sempre desempenham um importante papel nas relações exteriores do Reino Unido, em particular como elemento do seu prestígio internacional. Demetrius Pereira relembra que o Reino Unido é um dos países mais ricos do mundo, sendo membro do grupo G7 – os sete mais industrializados do planeta.

Para além disso, a Grã Bretanha foi a potência hegemônica durante o século XIX e colonizador de grande parte do mundo, mantendo até hoje várias ex-colônias no mundo, que continuam sendo países pobres. Mas, agora o Reino Unido já não possui a mesma influência que tinha no passado.

Em consequência, para ter determinada influência internacional, o Estado britânico tem que aplicar a chamada política de soft power, o poder brando, aponta o especialista.

Para Demetrius Pereira, a ajuda externa aos países em desenvolvimento "faz parte dessa política mais branda de realmente influenciar o mundo por meio dessa ajuda".

Até o momento, o Reino Unido mantém um sistema de associação com suas ex-colônias em diversos formatos, como a CommonWealth, a Comunidade das Nações, que abrange quase todos os países que faziam parte do Império Britânico.

© REUTERS / Kevin LamarquePresidente dos EUA, Joe Biden, e premiê britânico, Boris Johnson, durante seu encontro na véspera da cúpula do G7, Cornualha, Reino Unido, 10 de junho de 2021
Reino Unido corta ajuda internacional: seria o fim da projeção internacional do país? - Sputnik Brasil, 1920, 15.07.2021
Presidente dos EUA, Joe Biden, e premiê britânico, Boris Johnson, durante seu encontro na véspera da cúpula do G7, Cornualha, Reino Unido, 10 de junho de 2021

A aprovação do corte da ajuda ao desenvolvimento pode dar a impressão que Londres está reduzindo as relações com os países desse grupo. Porém, o especialista acredita que, ao contrário, quem corre risco de perder a ajuda britânica são os países fora da Commonwealth.

Ele explica que "uma das grandes promessas do Brexit" foi um maior engajamento com os membros da Commonwealth, após a saída da União Europeia.

Nacionalismo como motivo da decisão

Existe um sentimento de que o engajamento internacional com políticas de desenvolvimento econômico está diminuindo globalmente. O especialista explica que "esse foco no nacional em vez do internacional" parcialmente é motivado pelo nacionalismo presente em muitos países: nos Estados Unidos com Trump, no Brasil com Bolsonaro ou no Reino Unido após o Brexit.

Para Demetrius Pereira, a população com viés nacionalista pensa que primeiramente os governos devem ajudar seus cidadãos e só depois podem prestar ajuda externa.

O especialista constatou a existência dentro do país dessa oposição entre os ingleses mais nacionalistas, geralmente oriundos da população mais tradicionalista do interior, e outras áreas do Reino Unido que apostam em um maior papel internacional, entre eles os londrinos, escoceses e residentes na Irlanda do Norte.

A política externa de Boris Johnson é uma política bastante nacionalista, sublinha, o que em parte explica por que o premiê britânico sugeriu esse corte no orçamento de ajuda internacional.

Uma outra razão que aponta é a crise econômica global devido à pandemia, que forçou os países a fazerem cortes nos orçamentos.

Essa redução do orçamento de fato reduz o papel internacional de Londres, e o especialista concorda com isso.

No entanto, ele acrescentou que isso "é consequência da própria vontade da população", uma vez que o plebiscito que resultou no Brexit em 2016 revelou o comportamento bem nacionalista da sociedade britânica.

Crítica à iniciativa: fim dos Grandes Tempos?

A ex-primeira-ministra britânica e líder do Partido Conservador de 2016 a 2019, Theresa May, votou pela primeira vez contra seu partido. Ela disse que o Reino Unido quebrou o compromisso que tinha com os pobres de todo o mundo.

Além do mais, adiciona o professor, a proposta do governo sofreu críticas de todos os ex-ministros britânicos. Pereira considera que essa tendência para a redução da ajuda internacional se observa tanto no Partido Conservador, como em todo o país, o que leva à diminuição do papel do Reino Unido no mundo.

"O Reino Unido parece estar se tornando a pequena Inglaterra e não a Grã-Bretanha", afirma ele, indicando que desde a Primeira Guerra Mundial, o papel dos britânicos na arena internacional vem se reduzindo cada vez mais.

Mesmo assim, ele admite que o Reino Unido ainda é uma potência internacional, levando em conta seu assento permanente no Conselho da Segurança da ONU, que só cinco países têm, e a participação do G7.

© REUTERS / PETER NICHOLLSAtivista do Greenpeace segura cabeça de boneco do premiê britânico Boris Johnson em Downing Street, Londres, 13 de julho de 2021
Reino Unido corta ajuda internacional: seria o fim da projeção internacional do país? - Sputnik Brasil, 1920, 15.07.2021
Ativista do Greenpeace segura cabeça de boneco do premiê britânico Boris Johnson em Downing Street, Londres, 13 de julho de 2021

Porém, essa nova iniciativa do governo é mais um fator, afirma o professor, que "vem reduzindo o protagonismo dos britânicos, cada vez mais distante do Império Britânico, embora muitos ainda tenham esse saudosismo dos Grandes Tempos".

Para apaziguar a revolta dos parlamentares opositores à medida, o ministro do Tesouro britânico Rishi Sunak garantiu que a redução será temporária. Mas, neste caso, a retoma da ajuda internacional britânica no patamar anterior pode ser mais difícil.

Já que a medida levou a uma alteração legislativa, Demetrius Pereira explica que a nova mudança necessitará de outra aprovação parlamentar "para que tudo volte a ser como era". "Realmente pode haver uma dificuldade em relação a isso", concluiu.

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