Na semana passada, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, informou que doses extras de vacinas contra a COVID-19 seriam enviadas para seis estados que fazem fronteira com outros países. O objetivo é avançar na vacinação nessas localidades para criar uma espécie de "cordão sanitário" e restringir a entrada de variantes do novo coronavírus no Brasil.
"O trânsito dos cidadãos de países vizinhos pode trazer e levar doenças […]. [A iniciativa] é uma estratégia, até para que a gente possa conter variantes e criar uma espécie de cordão epidemiológico, vacinando a população fronteiriça, para evitar que variantes que vêm de outro país possam chegar ao Brasil, e dando uma atenção especial às nossas fronteiras secas", afirmou Queiroga à Agência Brasil em 19 de junho.
A Sputnik Brasil conversou com a Rosilane dos Reis Pacheco, pediatra imunologista e alergista no hospital São Cristóvão e doutoranda do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e Andrea Von Zuben, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde (DEVISA) de Campinas, São Paulo, sobre essa nova estratégia do Ministério da Saúde.
Estados prioritários
As doses extras de vacinas contra a COVID-19 serão enviadas para os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, de Roraima e Santa Catarina. Segundo Queiroga, as doses serão suficientes para aplicação em 279 mil pessoas.
No início de julho, o Ministério da Saúde já havia informado que as populações de fronteira seriam incluídas como prioritárias para vacinação. Na ocasião, foram enviadas doses extras de imunizantes para os estados do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso e Rondônia.
Rosilane Pacheco afirma que a estratégia é importante para reduzir a entrada de novas variantes do SARS-CoV-2 no país, uma vez que nas regiões de fronteira, mas não só, a circulação neste momento é muito maior de jovens e da população economicamente ativa.
"O trânsito de cidadãos em locais de fronteira é muito intenso. Isso faz com que o vírus se propague mais facilmente. Se a maior parte da população das fronteiras estiver vacinada com as duas doses, esse cordão sanitário reduziria a entrada de novas variantes do novo coronavírus, não só nesses locais, mas também como no resto do país", explica.
A especialista acrescenta que as fronteiras fechadas evitam que novas variantes surjam e que se propague o vírus. "O maior exemplo disso agora são as Olimpíadas. Como vimos, a liberação das fronteiras [em Tóquio, Japão], a ida de [atletas de] várias nacionalidades e eles convivendo, [resultou] novamente em um aumento no número de casos no Japão".
Fronteiras, portos e aeroportos
A estratégia do Ministério da Saúde foi considerada polêmica por alguns por priorizar pessoas mais novas em regiões de fronteira, em detrimento de pessoas mais velhas de outras zonas. O governador da Bahia, Rui Costa, argumentou na rede social Twitter que a medida "discrimina o Nordeste e a Bahia na distribuição de vacinas".
Na prática, é diminuir ainda mais o volume de vacinas que vêm para a #Bahia e para o #Nordeste, que recebem aviões e navios de fora do País. Nós, governadores, não vamos aceitar esta decisão e vamos tomar medidas judiciais para dar um basta a esta perseguição.
— Rui Costa (@costa_rui) July 21, 2021
O ministro Marcelo Queiroga justificou a decisão afirmando que impedir a disseminação de cepas como Lambda, detectada pela primeira vez no Peru, e a Delta, oriunda da Índia, estão entre as grandes preocupações do ministério. De acordo com a pasta, a variante Delta já foi identificada em 110 pessoas, de oito estados e do Distrito Federal, com oito mortes confirmadas.
Andrea Von Zuben esclarece que quando uma região atinge uma população vacinada de 75%, 80%, circulação viral cai e, consequentemente, diminui a possibilidade da entrada de uma nova variante.
"Quanto mais gente vacinada, menor viabilidade viral, menor transmissão, menor a chance de espalhar uma nova variante […]. Porque já se sabe que a vacinação, embora ainda permita a infecção, permite uma infecção em um nível menor porque a viabilidade do vírus no trato respiratório acaba ficando menor", explica a diretora do DEVISA.
Andrea Von Zuben acrescenta que é importante vacinar não apenas pessoas que moram nas fronteiras, mas todo o contingente aeroportuário, "justamente porque no contato, mesmo que esporádico, com alguém que esteja chegando com uma nova variante, a gente vai fazer uma barreira imunológica no sentido de não entrar na cidade".
Rosilane Pacheco concorda, afirmando que o Ministério da Saúde deveria priorizar todas as barreiras do Brasil que recebem grande fluxo de pessoas: "Se não há fiscalização, isso propicia a entrada de pessoas infectadas no país" e a proliferação do vírus.
Vacinas e pressão da mídia
Em uma reunião a portas fechadas na semana, na Suíça, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, teria afirmado, segundo o portal UOL, que 75% das vacinas contra a COVID-19 foram destinadas para apenas dez países.
Rosilane Pacheco, todavia, não acredita que o Brasil se enquadre nos países que ficaram excluídos da compra da vacina, pelo contrário.
"Acho que o que faltou foi bastante planejamento para comprar os imunizantes. Temos verbas suficientes para vacinar toda a população, falta apenas, por parte dos governantes, um maior empenho e uma maior organização", garante.
A doutoranda da USP recorda a atuação vacilante do Ministério da Saúde desde o início da pandemia do novo coronavírus.
"O que vimos inicialmente foi um ministro [da Saúde, Luiz Henrique Mandetta,] que tinha muita vontade de organizar, porém não tinha apoio. Isso foi uma pena porque acabou gerando um grande número de mortes e até falta de material em algumas partes do país. E o pior de tudo é que se perpetuou nos ministros subsequentes. Fiquei muito feliz com a postura do atual ministro [Marcelo Queiroga] e vejo que com as medidas de vacinação por faixa etária, a terceira onda não veio de uma forma tão catastrófica. Espero de verdade de ele continue com atitudes nesse sentido."
A especialista argumenta que o Ministério da Saúde começou a se esforçar mais para adquirir imunizantes devido à pressão dos veículos de comunicação social.
"Mas a gente tem que ver também que a maioria dessas coisas, como a vacina ser liberada e ser trazida com mais empenho, só foi possível depois que os veículos de comunicação fizeram pressão no governo. Aí sim eles começaram a comprar mais vacinas", afirma.
Rosilane Pacheco conclui sugerindo algumas medidas que o Ministério da Saúde poderia tomar para deter o avanço da COVID-19 e de novas variantes: promover triagem na população que teve contato com pessoas com casos suspeitos da doença, ampliar a vacinação entre jovens e adolescentes, e tentar a liberação da vacinação para as crianças, além de emitir notas públicas sobre a ineficácia do tratamento precoce e desestimular o seu uso.
"Outra medida seria adotar a mesma coisa que outros países fizeram: barrar a entrada de estrangeiros ou exigir teste PCR negativo para poder entrar [no Brasil] ou mesmo uma quarentena para poder circular pelo país."