A energia fotovoltaica é a energia elétrica produzida a partir de luz solar, e pode ser produzida mesmo em dias nublados ou chuvosos. Quanto maior for a radiação solar, maior será a quantidade de eletricidade produzida.
No Brasil, em 2019, o mercado de energia solar cresceu mais de 212%, alcançando a marca de 2,4 GW instalados. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foram instalados mais de 110 mil sistemas fotovoltaicos de mini e microgeração, correspondendo a R$ 4,8 bilhões e 15 mil profissionais trabalhando na área.
Em 2020, a energia solar no país correspondeu a 1,7% de toda a matriz energética brasileira, alcançando a geração de 3 GW no mês de outubro, de acordo com o Portal Solar.
Para entender melhor como está o desenvolvimento deste tipo de energia no Brasil, sua contribuição para economia brasileira e como ela pode ser usada como alternativa às hidrelétricas diante da crise hídrica, a Sputnik Brasil entrevistou Paulo Cesar Cunha, consultor da FGV Energia na Fundação Getulio Vargas.
Aumento da fotovoltaica no Brasil
Cunha explica que o uso da energia fotovoltaica no país tem aumentado rapidamente porque algumas características facilitaram esse processo, como exemplo, o especialista conta que em 2012 foi implementada uma regulamentação que acabou sendo muito favorável, principalmente para modalidade de geração distribuída.
"Em 2012 começou uma regulamentação tímida no Brasil, em 2015 ela foi aprimorada e assim as condições para instalação ficaram facilitadas. Então, foi criado um mecanismo de compensação onde cada usuário pode se conectar à rede, instalar sua planta solar e fazer uma compensação entre a energia que ele produz com excedentes e a energia que ele não está produzindo, podendo se apropriar da rede", disse Cunha.
O consultor também destaca que alguns estímulos foram elaborados e ajudaram no processo, como estímulos tributários e de financiamento.
Adicionalmente, Cunha diz que outro impulsionador da energia renovável no país foi o fato de que começou a se perceber, nos últimos 50 anos, que o uso de barragens (estruturas que fazem parte do processo de geração de energia em hidrelétricas) era um problema grande, inclusive porque cria questões socioeconômicas, já que produz impacto nas populações.
"Quando se percebeu que nós não poderíamos mais usar hidrelétricas por conta das barragens […] a gente entendeu que precisava diversificar […]. Além de termos abundância hídrica, nós temos abundância de Sol e de ventos, e começou agora a possibilidade de usar excedente de vento para fazer hidrogênio. Por isso, saímos de uma predominância hidrelétrica, e, na tentativa de criar outros recursos, estamos mirando na energia renovável", explicou o consultor.
Sobre as vantagens de usar tal recurso para geração de energia, Cunha aponta o baixo custo da sua instalação, o fato de a fonte ser renovável e o impacto ambiental positivo do ponto de vista de balanço de carbono como sendo benefícios oriundos das instalações dessas fontes.
Críticas ao modelo de energia
Mesmo com as vantagens apresentadas diante de tal recurso, a energia solar ainda recebe algumas críticas. O especialista explica que essas críticas se concentram no formato distribuído, pois a regulamentação de 2012 embutia em si um certo tipo de distorção, uma vez que foi projetado que quem aderisse à energia solar deixaria de pagar alguns encargos que são de responsabilidade de todos, sendo estes basicamente os custos associados ao transporte da energia.
"A energia como qualquer produto ela tem na sua estrutura de custo duas composições: uma que é produzir energia em si e a outra é o transporte da energia do ponto onde ela é produzida até o ponto onde é consumida. […] Quando alguém tem energia em casa, parte do preço que se paga advém desse transporte."
Após a regulamentação citada, quem tem energia solar em casa foi isentado de pagar esse custo, mesmo quando está utilizando a rede de energia, que engloba a todos, e por conta disso gerou-se muitas críticas.
Mas Cunha elucida que essa medida foi adotada "porque era muito complexo fazer uma reformulação da estrutura tarifária que obrigasse a pagar a rede […] o tempo passaria e não conseguiríamos estimular o uso dessa energia no Brasil".
"Quando essa distorção foi admitida, a ideia era retirá-la da regulamentação quatro anos depois. Passados esses anos, quando se tentou tirar a distorção, o sucesso era tão grande que os agentes econômicos, que estavam se apropriando dessa nova modalidade, disseram: 'Não, essa distorção está muito boa e queremos que seja eternizada'. A partir daí, criou-se o conflito", contou Cunha.
Competitividade entre os tipos de energia
Cunha aponta que hoje a energia eólica tem um nível de competitividade mais forte, mas o consultor salienta que para pensarmos sobre qual fonte terá maior predominância, é preciso olhar para os atributos dessa energia, porque além de terem custos diversos, entregam-se produtos diferentes.
"A fonte eólica, a solar, [a] de biomassa, do biogás e do biometano cada uma tem custos diferentes, mas também entregam produtos distintos. Por exemplo, a energia solar é bem barata, mas você só pode contar com ela de seis da manhã até as seis da tarde, se passa uma nuvem, você para de produzir", explicou.
Na interpretação do especialista, é difícil dizer qual tipo de energia vai predominar porque nem toda fonte agrega a mesma quantidade de produtos. "O que se tem como alvo é uma matriz que agregue energia, potência, flexibilidade e controlabilidade. A fonte dominante será a que oferecer cada um desses atributos em um custo mais baixo", complementou.
"Porém, não é só o preço da energia final que vai dizer quem vai ser predominante, é o preço versus o tipo de serviço que ela vai oferecer, e cada fonte por questões tecnológicas entrega um serviço diferente."
Investimento no setor
O especialista diz que é preciso continuar a investir nas fontes renováveis de energia no Brasil porque a carga no país é crescente e gera a necessidade de se utilizarem novas fontes.
"Em um país com carga mais estável, com uma economia mais madura, geralmente acontece o investimento de substituição: as plantas vão acabando a vida útil e você investe para substituir. No Brasil não, pois ainda temos algum crescimento populacional acontecendo e uma economia muito pobre. Se a economia ainda está se desenvolvendo, mais equipamentos serão utilizados, pois a carga elétrica é crescente, então vamos precisar de investimentos para atender a demanda", explicou.
E se é necessário investir na área, o consultor afirma que o mais adequado é optar pela energia renovável, já que é mais barata, ambientalmente mais adequada e pelo fato de as fontes primárias estarem no país com abundância pela geografia do território brasileiro.
Além de o investimento ser benéfico para o Brasil, há também um ganho no setor socioeconômico brasileiro com o uso da fonte solar fotovoltaica.
No começo de julho, foi inaugurado o maior complexo de energia solar do país com as usinas solares Brígida, Bom Nome e Belmonte, no município de São José do Belmonte, em Pernambuco. A intenção do investimento, de R$ 3 bilhões, é se tornar a maior fonte de energia solar da América Latina, conforme noticiado.
De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), o setor vai gerar mais de 147 mil novos empregos em 2021. A avaliação da associação é que novos investimentos privados poderão ultrapassar a cifra de R$ 22,6 bilhões em 2021, somando os segmentos de geração distribuída (sistemas em telhados e fachadas de edifícios) e centralizada (grandes usinas solares).
Para Cunha, esses dados são confirmados a partir do momento que a demanda por esse tipo de energia começou a gerar "uma cadeia econômica nova que não existia no Brasil antes, através da importação de equipamentos, da realização de projetos, montagem, instalação, operação e manutenção. Isso tudo gera atividade econômica e gera riqueza".
"Desde que essas unidades de energia começaram a ser instaladas, de 2012 até agora, nós temos 450 mil unidades geradoras desse tipo. O número absoluto não é muito grande, mas com o impulsionamento em 2015, em seis anos, esse número mostra um crescimento rápido."
Sobre os desafios que o setor enfrenta no Brasil, Cunha diz que ele já está amadurecido, no que diz respeito a ocupação de espaço, concepção e elaboração para sua execução, e o necessário agora é financiamento, rentabilidade e expansão.
Secas e energias renováveis
Hoje, o Brasil vive uma crise energética grave, em função das secas e sua dependência da energia hidroelétrica, o consultor é indagado então se as energias renováveis poderiam contribuir para ajudar esse cenário.
Cunha afirma que essas energias já têm um papel forte nesse contexto, e ressalta que a crise não é maior justamente pelo uso dessas fontes.
Entretanto, implantar mais energia renovável não seria a solução a curto prazo, porque levariam dois anos para ela estar em pleno funcionamento, portanto, é preciso criar "um planejamento que permita que todas as fontes entrem nesse espaço o qual está sendo percebido agora".
"Quase 100% das fontes de energias brasileiras eram provenientes de hidrelétricas, e funcionava bem porque havia vastos reservatórios […]. Quando não foi mais possível usar esse recurso pela falta de água, ficou claro que não poderíamos contar com hidrelétricas, e a partir daí se deflagrou todo esse processo de usar outras fontes", analisou o consultor.
Contudo, Cunha diz que 30 anos depois, mesmo realizando esforços para implantação dessas novas fontes no Brasil, o resultado ainda não foi suficiente. Primeiro, porque não foram disseminadas fontes dessas suficientes para abarcar uma grande parte da demanda da energia brasileira, e também pela questão das mudanças climáticas que mudaram os ciclos das chuvas.
"Os regimes de chuva que estamos vendo agora são muito diferentes dos regimes de chuva que aconteciam a 50 anos atrás. Nós vemos que os ciclos hídricos hoje são bem menos generosos do que foram no passado."
Para o futuro, o especialista acredita que entre as tecnologias emergentes, diante da abundância de vento no Brasil e da existência de armazenamento por reservatório, a entrada da tecnologia do hidrogênio vai ser facilitada, mesmo que ainda hoje não seja tão comercial, mas para um futuro próximo, sim.