Na segunda-feira (2), o ministro das Comunicações, Fábio Faria, fez um pronunciamento em rede nacional para defender o projeto de privatização dos Correios.
Durante o discurso, Faria disse que os Correios são um "orgulho do Brasil" e que é preciso fortalecer a estatal para garantir a universalização dos serviços postais.
"Com a privatização, os Correios vão conseguir crescer, competir, gerar mais empregos, desenvolver novas tecnologias, ganhar mais eficiência, agilidade e pontualidade. Somente assim, os Correios poderão manter a universalização dos serviços postais, que significa estar presente em todos recantos do país", afirmou o ministro citado pela Agência Brasil.
No princípio de julho, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, disse que o governo pretende se desfazer de 100% do capital da estatal em um único leilão, "com abertura de envelopes", no qual o comprador levaria ativos e passivos da companhia, conforme noticiado.
Ainda não há valor previsto para a privatização, entretanto, o secretário afirmou que mediante dados apresentados em um estudo do BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), "os Correios precisam ser privatizados, sob pena de desastre no orçamento".
Para entender melhor a urgência do governo em privatizar a estatal e qual pode ser o futuro do serviço no país, a Sputnik Brasil entrevistou Elias Diviza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares de São Paulo (SINTECT-SP) e vice-presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (FINDECT).
Pronunciamento do ministro das Comunicações
Diviza considera que a intenção do ministro em fazer um pronunciamento em rede nacional parte da tentativa do governo de ganhar apoio popular para privatizar os Correios, pois a estatal sempre teve seus serviços bem-conceituados pela população, principalmente a de baixa renda, segundo o sindicalista.
"Eu vejo que o ministro entrou em desespero, fazendo até contradições em seu discurso. Ele elogia [os Correios] porque sabe que os brasileiros têm consideração pela estatal, e aí depois coloca as argumentações, falando do mensalão, do fundo de pensão que foi o povo que teve que pagar, mas é tudo mentira […] tentando iludir o povo", analisou Diviza.
O presidente da SINTECT também conta que, para somar esforços na intenção de convencer a opinião pública sobre a venda, na segunda-feira (2) foram instalados em Brasília placares eletrônicos nos pontos de ônibus com informações defendendo a privatização.
Serviços essenciais diante da privatização
Além dos serviços de postagem, os Correios também executam outras importantes funções para o país, como suporte durante as eleições e a realização do Enem. Indagado sobre como ficariam esses serviços diante da privatização, Diviza diz que a estatal faz um serviço social, e acredita que essa dinâmica ficaria prejudicada, destacando que há um "perigo" maior no que se refere às eleições.
"Os Correios hoje, por serem sociais e não pertencer a um X dono, conseguem fiscalizar muito melhor […]. [A privatização] prejudicaria na questão das urnas eletrônicas e do Enem. […] Uma empresa privada, ela foi feita para gerar lucro, mas os Correios foram feitos para balancear a comunicação entre os seres humanos, tanto que podemos observar em outros países a estatização dos Correios", respondeu.
Diviza afirma que até dentro do Exército há uma opinião rachada sobre a questão, "porque a instituição entende que a estatal é uma divisão do Brasil, isto é, representa, de fato, a presença do Estado no país inteiro, pois não importa quão pequena seja a cidade, há uma unidade dos Correios lá, em lugares que nem o Exército chega".
Na visão do sindicalista, essa participação vigorosa da estatal em lugares mais isolados do país, seria também enfraquecida diante da privatização, pois hoje "os Correios têm uma economia cruzada, ou seja, as unidades das grandes cidades bancam as unidades menores, e mesmo assim geram lucro, mas qual seria o interesse de uma empresa privada em manter uma agência pequena? Não compensa".
"Os Correios sempre se bancaram, desde 1969 até hoje. No discurso o ministro falou: 'A União tem que introduzir R$ 2,5 milhões', mentira. A União retira da estatal para ela, os prejuízos que ocorreram é porque foi retirado [dinheiro] a mais, aí não tem quem aguente. […] As pessoas têm uma ilusão que o serviço ficará mais barato com a privatização, outra mentira", complementou.
Adicionalmente, Diviza elucida que não houve nenhuma garantia aos trabalhadores dos Correios se a venda pode vir a lesar seus direitos.
Comunicação dos sindicatos com a população
O presidente informa que os 36 sindicatos ligados aos Correios estão fazendo uma campanha de esclarecimento direcionada à população e aos próprios funcionários da estatal.
"Estamos esclarecendo a importância dos Correios na vida de todos através da entrega de jornais e de cartas abertas à população. No Maranhão, estamos colocando outdoor, principalmente porque está lá o [deputado federal] Gil Cutrim [Republicanos-MA], o relator que está buscando a privatização" contou.
Ao mesmo tempo, Diviza revela que os sindicatos estão tentando "furar a bolha da mídia" para conseguir fazer um maior trabalho de conscientização, especialmente para pessoas jovens que hoje estão mais ligadas ao e-commerce.
A pessoa vê a Amazon [na Internet], mas não percebe que a própria Amazon utiliza os Correios. Por exemplo esse tipo de empresa cobra R$ 25 para o envio, mas R$ 15 vão para a estatal, pois é ela que faz a entrega."
Diviza ainda salienta que as pessoas podem não enxergar a importância dos Correios agora, mas o que é possível acontecer é uma mudança nessa visão posteriormente, assim como aconteceu com o SUS após a pandemia. "Até ontem, antes da pandemia, o que era o SUS para o brasileiro? Uma porcaria que só gasta dinheiro, mas e agora?", questionou.
Interesse da Câmara dos Deputados na privatização
Em uma reunião com líderes governistas na terça-feira (3), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que planeja votar o projeto de lei (PL) da privatização dos Correios entre quinta-feira (5) e sexta-feira (6), segundo o Valor Econômico.
Diviza acredita que a urgência de Lira em fazer essa votação acontece porque o deputado quer entregar para o presidente, Jair Bolsonaro, o que prometeu em troca do cargo que ocupa.
"Bolsonaro tem que entregar para os parceiros dele, os quais nós sabemos que não são nem internacionais, são nacionais, que querem [privatizar] os Correios […] e o Lira faz o papel dele para tentar convencer os deputados federais. Bolsonaro disse que acabaria com a 'velha política', mas a está utilizando justamente nesse 'toma lá da cá'."
Na interpretação de Diviza, o discurso do ministro das Comunicações tem a ver com isso, uma vez que os deputados estão vendo a pressão popular contra "e como cada um quer ser eleito no seu estado" há interesse por parte dos políticos em observar se a privatização seria bem aceita.
Simultaneamente, o presidente da SINTECT diz que os sindicatos também estão conversando com deputados que são a favor da venda para tentar mudar seus pontos de vista diante da questão.
"Todo dia, daqui por diante, vai ser um dia de batalha para tentarmos segurar isso aí [a privatização]. Temos deputados que estão conosco e também conversando com outros deputados para ver se conseguem fechar um acordo, mas o jogo do governo é pesado."
Sobre partidos que são contra a privatização, Diviza cita o PCdoB, PT, PSOL, PDT, PMDB e PSDB.
"Alguns partidos entram por conveniência porque tem aquela pressão dos eleitores […] mas a minha esperança é a formatação de uma nova esquerda através dos jovens, uma nova esquerda com mais coerência e com o olhar mais para o povo, não só focada em questões ideológicas, afim de gerar uma política mais humana no mundo, é o que estamos precisando hoje", expressou o presidente do sindicato.
Sobre o resultado final, se vai acontecer a privatização ou não, Diviza acredita que "sairemos vencedores" porque a "população brasileira tem um relacionamento muito próximo aos Correios e acredito que isso vá mudar o jogo, além do trabalho dos sindicatos diante do assunto".
"Os sindicatos também estão esquecendo um pouco da questão ideológica e focando mais na questão humana, que se ilustra no trabalhador e na população brasileira. Esquecer as divergências e se unificar agora é necessário, pois no futuro, não vai ter o que disputar, não terá o que conversar com os nossos jovens", afirmou Diviza.