A polarização política é a grande tensão social no Brasil, segundo levantamento Guerras Culturais, da empresa Ipsos. A cada dez brasileiros, oito dizem acreditar que há tensão elevada entre pessoas que defendem bandeiras partidárias diferentes no país.
"Os resultados trazem uma importante contribuição ao debate que se estabelece no Brasil neste momento, em que a polarização política, que tem se espraiado para todos os setores da nossa sociedade, atinge contornos críticos e sem perspectivas de arrefecimento", afirma Helio Gastaldi, diretor de segmento de opinião pública da Ipsos.
Para entender melhor o papel da polarização política em uma democracia, os impactos que ela pode ter no funcionamento das instituições e como a polarização pode determinar as eleições de 2022, a Sputnik Brasil conversou com o cientista político André Luis Coelho, professor adjunto da Escola de Ciência Política (ECP) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Polarização é natural e desejável
Segundo a pesquisa da Ipsos, 83% da população brasileira diz acreditar que há muito conflito entre apoiadores de diferentes partidos. A média global é de 69%. André Luis Coelho explica que, a princípio, a polarização política é natural, desejável e boa.
"Não tem como pensar em política sem pensar em polarização política [...]. A política existe para diminuir ou evitar o derramamento de sangue [...] a política tenta resolver esses conflitos que no passado geravam guerras e mortes de maneira pacífica. Então a polarização é natural e desejável. O problema é quando ela ultrapassa os limites do desejável", afirma.
O cientista político destaca que o problema é quando a polarização atinge um nível em que ambos os lados não se suportam, em que ambos os lados não querem mais conviver com o outro. Ou quando efetivamente alguma das instituições políticas, ou seja, o Judiciário, o Legislativo ou o Executivo, ultrapassa seus limites e acaba ampliando a polarização ou usando da polarização para ser majoritário em relação a outros poderes.
"A polarização acontece de maneiras distintas. Ela pode ser dada em termos religiosos, étnicos, a posição em relações a migrantes e não migrantes, entre direita e esquerda. A questão da ideologia é muito importante. A polarização pode ocorrer também de maneira muito simples entre quem faz parte do governo e quem faz parte da posição."
Enfraquecimento das instituições
Em 2014, após perder a eleição para presidente para o PT, o PSDB pediu à Justiça Eleitoral uma auditoria no resultado do segundo turno. Na ocasião, o tucano Aécio Neves perdeu para a presidente Dilma Rousseff por uma diferença de 3,459 milhões de votos, na disputa mais apertada da história.
André Luis Coelho enxerga essa situação como o momento em que começa o enfraquecimento das instituições brasileiras.
"Quando o Aécio Neves perde para a Dilma Rousseff e se nega a aceitar os resultados, ele questiona a apuração. Esse processo é muito importante para entender o contexto de Bolsonaro questionando a apuração das eleições do Brasil", garante.
Este ano, após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter afirmado diversas vezes, sem apresentar provas, que as eleições de 2014 e de 2018 teriam sido fraudadas, o agora deputado federal Aécio Neves disse não haver indícios de fraude nas eleições presidenciais de 2014: "Não tenho nenhum indício que aponte para fraudes naquela eleição".
O professor da UNIRIO frisa que é importante que as instituições deixem claro que todos têm que jogar dentro das regras, caso contrário a polarização só vai aumentar.
"Até 2014, os perdedores aceitavam o resultado das eleições. E tudo ocorria, salvo raríssimas exceções isoladas, dentro das instituições, dos marcos legais. O problema é quando um dos lados claramente não quer jogar dentro das instituições, ele diz que não aceita a derrota e que só Deus pode tirar ele da presidência. Não dá para jogar nas mesmas regras, com um adversário que não aceita as regras. Este é o ponto principal [...]. Se meu adversário está jogando fora das regras, qual é o incentivo que eu tenho para jogar dentro das regras?", questiona.
Outro ponto que André Luis Coelho destaca é que grupos negacionistas e extremistas ganharam espaço com as redes sociais e eles são um perigo para a democracia.
"[É preocupante] quando grupos extremistas, tanto de esquerda quanto de direita, que questionam a democracia, que questionam o bom senso, acabam tendo reverberação dentro do Executivo ou junto a parlamentares. Você tem a destruição por dentro do próprio sistema. Utilizando as redes sociais para minar as instituições", comenta.
Por isso, o cientista político defende que é necessário algum controle e regulação no uso da tecnologia.
"As redes sociais têm que ter algum controle sim, e efetivamente tem que derrubar perfil falso, discurso de ódio, seja ele de qualquer autoridade constituída ou não, esses discursos devem ser encerrados nas redes sociais porque esses discursos acabam se retroalimentando [...]. É muito fácil você chegar nas redes sociais e falar que odeia, mas na vida real você não faria isso. Temos comportamentos mais radicais que a gente não via antes das redes sociais."
Instituições precisam reagir
André Luis Coelho acredita que atualmente Jair Bolsonaro utiliza o Executivo para minar e enfraquecer as outras instituições que fazem oposição a ele. Não oposição política ou partidária, mas simplesmente utilizam o sistema de freios e contrapesos que norteiam o processo democrático.
"O sistema de freios e contrapesos mostra que nenhum dos três poderes pode ser mais forte do que outro poder [...]. Quando um poder tenta ser mais forte do que outro, a gente chama isso de hiperpresidencialismo, quando o poder Executivo, nos sistemas presidencialistas, busca ser mais forte, a gente espera que os outros poderes possam controlar os arroubos do Executivo. E o mesmo pode acontecer quando, em algum momento, o Legislativo ascende de maneira mais forte. Acho que o fortalecimento das instituições é o caminho, mas o problema é quando as instituições estão fragilizadas justamente por uma série de atos extrainstitucionais [...] [que] enfraquece esse controle mútuo das instituições."
O professor da UNIRIO afirma que é preciso agir concretamente, com responsabilizações e penalizações, contra grupos que são contrários à democracia e ir além de notas de repúdio.
"Já teve, há algum tempo, pessoas que foram presas porque organizam atos contra ao STF [Supremo Tribunal Federal], mas a gente não vê do Supremo a mesma atuação quando outros grupos também são vítimas desses ataques. Gostaria que o mesmo tom usado contra aqueles que foram contra o STF fosse utilizado contra outros grupos que fazem discursos de ódio, racista, misógino ou que questionam o sistema como um todo. Acho que estamos em um momento limiar: ou as instituições democráticas resolvem atuar ou a gente tem uma chance muito grande de regressão democrática no Brasil", alerta.
Polarização e as eleições em 2022
André Luis Coelho acha pouco provável que a polarização diminua antes da eleição presidencial do ano que vem. Inclusive, o cientista político defende que a pandemia do novo coronavírus acirrou ainda mais a polarização no país, entre quem está com Bolsonaro e quem está contra o presidente.
"Como qualquer presidente, ou como qualquer membro do Executivo, seja ele presidente, governador etc. quem está na situação vai sempre ser vidraça, vai ser sempre questionado. No caso de Bolsonaro mais ainda por causa do controle da pandemia, ou do descontrole da pandemia. Então você tem de fato uma megapolarização entre quem é contra Bolsonaro e quem é favorável", comenta sobre o cenário para 2022.
Dessa forma, o cientista político acredita que mesmo que Lula saia candidato pelo PT ano que vem, os presidenciáveis da terceira via vão focar seus esforços, pelo menos em um primeiro momento, em atacar o presidente Bolsonaro.
Por outro lado, se não surgirem candidatos viáveis na terceira via, o professor da UNIRIO acredita que Lula, teoricamente, teria tudo para vencer as eleições, mas faz duas ressalvas:
"Lula tem tudo para vencer as eleições neste momento. Se fosse hoje, Lula teria tudo para vencer, mas não cravaria uma vitória por duas questões: eu não sei se Lula será candidato, não sei se vão permitir, como não permitiram que ele fosse candidato no passado, nada garante que não o permitam novamente. Também não está claro se esses grupos que foram contrários ao PT no passado, mas que hoje estão sentados ao lado do PT contra Bolsonaro, se eles vão apoiar Lula ou não vão apoiar Lula. Isso não está claro."