Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) oficializou que o novo Bolsa Família vai se chamar Auxílio Brasil e deve ter um valor "pelo menos 50% maior" do que o atual benefício e poderá atender 17 milhões de pessoas. Atualmente o Bolsa Família atende cerca de 14,6 milhões de pessoas.
Os recursos para o novo programa serão provenientes do Fundo de Precatórios. A criação do fundo está prevista em uma proposta de emenda à Constituição (PEC) preparada pelo governo para flexibilizar o pagamento dos precatórios, que são requisições de pagamento expedidas pela Justiça após derrotas definitivas sofridas pelo governo em processos judiciais, explica agência Reuters.
O Executivo quer ainda vincular o pagamento de um bônus aos beneficiários do Auxílio Brasil às receitas decorrentes das privatizações de estatais e outros ativos. Caso a PEC seja aprovada, o novo Bolsa Família entra em vigor no ano que vem, que é ano eleitoral.
A escolha desse momento para avançar com essa proposta não é por acaso, garante Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). A Sputnik Brasil conversou Neri sobre a viabilidade do novo programa, o senso de oportunidade do governo, as perspectivas de aprovação da PEC e a importância de programas de redistribuição de renda.
Do auxílio emergencial ao Auxílio Brasil
O auxílio emergencial foi pago em 2020 em cinco parcelas e retornou em abril deste ano, com sete parcelas, devido ao recrudescimento da pandemia do novo coronavírus. As primeiras edições do auxílio tinham um valor superior, de R$ 600, podendo chegar a até R$ 1.200. O benefício atinge cerca de 40 milhões de brasileiros.
Marcelo Neri explica que o auxílio emergencial foi bastante generoso e importante, dando uma injeção de renda nas camadas mais pobres de seis vezes o valor do Bolsa Família. Mas o especialista teme que ocorra com o Auxílio Brasil o que aconteceu após o fim das parcelas do auxílio emergencial em 2020.
"Estamos falando de um novo programa, [que pode ter] o mesmo tipo de problema que o auxílio emergencial inicial teve para os beneficiários do Bolsa Família. Foi muito generoso, depois foi suspenso e a pobreza foi multiplicada por três. Assim como [aconteceu com] o 13º do Bolsa Família [em 2019]. Você cria uma instabilidade na vida das pessoas pobres que não é a melhor solução."
O diretor da FGV acrescenta que é fundamental dar previsibilidade às pessoas que vão receber o benefício e, do que se sabe até agora, o Auxílio Brasil não parece capaz de fornecer essa segurança.
Oportunismo e inconsistência
Se aprovada, a PEC dos precatórios abre um espaço de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2022, ao parcelar dívidas decorrentes de sentenças judiciais, reporta o jornal O Globo.
Marcelo Neri, todavia, receia que o programa não tenha continuidade a partir de 2023, exatamente por essa vinculação aos precatórios porque não garante sustentabilidade.
"Anos eleitorais são anos de generosidade com relação a programas seguido de cortes no ano seguinte. E o financiamento via precatórios é um financiamento em que você garante para o ano que vem, mas não garante para depois [...]. Estamos falando de um novo programa e não um programa emergencial, eu gostaria de ver mais consistência na proposta", comenta.
Ainda assim, o especialista acredita que a PEC será aprovada, exatamente porque o benefício vai ocorrer em ano eleitoral.
"Em anos de eleição a pobreza sempre cai no Brasil e em anos pós-eleitorais ela sobe. Isso não é algo desejável, nem é algo de só agora, mas sinto que as chances de aprovação são maiores dado o calendário eleitoral. Mas é importante não só ser generoso com os pobres, mas ter qualidade no programa [...] porque a diferença entre o auxílio emergencial como foi feito na pandemia é que é preciso resolver um problema de curto prazo e [...] agora é uma nova plataforma que deve permanecer durante vários anos, então é importante que seja uma boa plataforma e para mim não está claro se é uma boa plataforma, mas acho que está em uma direção meritória."
O diretor da FGV conclui afirmando que o mais importante é criar oportunidade para os beneficiários do programa, criar portas de saída da pobreza, coisas que o Bolsa Família já faz. Mas Marcelo Neri frisa que o Bolsa Família precisa ser reajustado.
"[O programa] estava defasado uns 20% em termos reais no começo de 2020, de lá para cá teve pelo menos um ano e meio de inflação a 9% ao ano [no índice que mede o impacto na população mais pobre] e a inflação de alimentos está muito alta, é preciso recuperar", explica.