Nesta terça-feira (10), dia em que a Câmara dos Deputados inicia a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, Brasília recebeu um comboio de tanques militares. Oficialmente, a justificativa para a presença dos veículos blindados e armamentos da Força de Fuzileiros da Esquadra da Marinha foi para uma exibição na Esplanada dos Ministérios.
A parada militar teria a função de entregar um convite ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) e ao ministro da Defesa, Walter Braga Netto, para que eles participem da demonstração de um treinamento das Forças Armadas na próxima segunda-feira (16).
Alguns analistas acusam que o ato foi "encomendado" pelo próprio presidente, como uma suposta forma de pressionar o Congresso para tentar aprovar o voto impresso.
Marcelo Jackson, cientista Político e professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto, acha que a ação é uma tentativa de mostrar poder: "Eu acho que ele quer demonstrar força em seu momento de maior fraqueza", disse à Sputnik.
Base de apoio
Jackson explica que para se manter no poder, qualquer ator político precisa de um apoio mínimo popular. O cientista explica que para ter esta estabilidade em democracias liberais como Estados Unidos e França, é necessário apoio mínimo de 30% da opinião pública. No entanto no Brasil, ele compara como um caso "assustador", afirmando que um presidente eleito consegue continuar governando com cerca de apenas 10% da opinião pública à seu favor. O que significa dizer um nível de insatisfação popular muito elevado.
"Bolsonaro com o apetite político que ele tem […] Ele sabe que esse percentual é suficiente para mantê-lo no poder e por isso se comunica diretamente com este público", explica.
Os militares no Brasil "historicamente eram vistos como bons moços", segundo o cientista, têm sido recentemente denunciados por corrupção e desvios. Por isso, ele acredita que Bolsonaro "quer mais dar um recado para esses 25% da população do que propriamente em relação às Forças Armadas", opina. E assim garantir que um processo de impeachment não seja validado.
Voto impresso
A votação pelo pedido de recriação do voto impresso como uma alternativa ao eletrônico é uma pauta levantada por Bolsonaro e seus apoiadores, que acusam a urna eletrônica de fraude no processo eleitoral, apesar de não terem apresentado até hoje nenhuma prova.
Jackson não acredita que essa tentativa de demonstrar poder através de tanques de guerra vá favorecer tal retrocesso do processo eleitoral.
"Ele [Bolsonaro] joga para a torcida dele, para essas pessoas que não se informam mesmo, não têm o hábito de ler, não pesquisam, não estudam, não fazem nada. Essas pessoas continuem o apoiando com o voto", lamenta Jackson, contando que as pessoas em sua maioria nem sabem o que estão apoiando.
O cientista político explica que a PEC não fala em urnas eletrônicas com impressoras como muitos pensam, mas sim no retorno ao processo eleitoral de urnas de papel, que muitas pessoas de gerações mais jovens nem mesmo conheceram". A votação é feita em cima do projeto apresentado […] Mas como os apoiadores de Bolsonaro não leem o que está acontecendo, eles não sabem", detalha.
Bolsonaro pode tentar dar um golpe?
Para o professor, Bolsonaro já não é visto com bons olhos nas relações internacionais por vários motivos, dentre eles por não demonstrar preocupação com questões atuais globais como meio ambiente, sustentabilidade e clima.
Ele também acredita que o fato de Bolsonaro "reforçar uma imagem militaresca é tudo o que o mundo atual não quer" e que atitudes como o desfile militar desta terça-feira (10) não ajudam a melhorar a visão que o mundo tem do seu governo.
"Bolsonaro vive em um mundo da década de 1960 […] Tentar dar um golpe ele [Bolsonaro] pode até tentar. Mas a questão não é dar um golpe, mas sim sustentá-lo. São duas coisas completamente diferentes", conclui Jackson, desacreditando a possibilidade de um golpe militar efetivo.