Além de Portugal, entre os países com artigos publicados na obra estão Brasil e Rússia. Uma das editoras do livro, Cláudia Seabra, liderou uma equipe de pesquisadores da Universidade de Coimbra (UC) e do Instituto Politécnico de Viseu que obteve 1.902 respostas válidas ao longo do primeiro ano de pandemia. A equipe é formada por Carla Silva, Odete Paiva, Manuel Reis e José Luís Abrantes.
Os resultados globais foram divididos em quatro fases: as três ondas pandêmicas e o verão europeu de 2020, entre a segunda e a terceira ondas. Na percepção global, 59,8% dos portugueses também dizem sentir medo de viajar dentro do próprio país, um percentual menor do que o receio das viagens internacionais (70%).
No universo dos entrevistados, 43,5% fizeram pelo menos cinco viagens internacionais nos últimos três anos; 25% fizeram entre cinco e dez; e 18,5%, mais de dez. Os restantes 13% não responderam ou não viajaram para o exterior. O estudo conclui que esses resultados serão impactados no longo prazo.
Questionada pela Sputnik Brasil qual a estimativa que faz deste longo prazo, Cláudia Seabra divide sua resposta em duas partes. Em relação aos países desenvolvidos, que estão com a vacinação adiantada, como é o caso de grande parte dos países europeus, ela prevê que, no máximo, em um ano e meio a situação turística esteja regularizada.
No que diz respeito aos países em vias de desenvolvimento, onde a vacinação ainda está mais atrasada, como o Brasil, a professora catedrática da Universidade de Coimbra, especializada em risco e turismo, destaca que o longo prazo pode ser mais longo, entre dois e três anos.
"Em termos globais, creio que no final de 2023, no verão de 2024, as coisas estarão globalmente equilibradas. Provavelmente, não vamos chegar aos níveis de receitas de 2019, mas já estaremos em um ritmo de desenvolvimento interessante", estima Cláudia Seabra.
Coordenadora do doutorado em Turismo, Território e Patrimônio da UC, ela faz a ressalva de que se trata de um exercício de futurologia, pois as novas variantes do vírus estão sempre a propor novos desafios. Cláudia faz referência indireta à declaração de Andrew Pollard, criador da AstraZeneca, de que com a variante Delta não será possível atingir a imunidade de grupo mesmo com a vacinação.
Ainda assim, ela é otimista, na medida do possível, quanto ao turismo em Portugal e no resto da Europa, prevendo que no verão europeu de 2022 as viagens estarão relativamente regularizadas.
"Para os portugueses que, em regra geral, fazem viagens de curta distância, a países de um mercado essencialmente europeu, creio que no próximo ano as coisas estarão mais calmas. Da mesma forma para os principais mercados que vêm para Portugal: Espanha, Reino Unido, Alemanha, França", exemplifica.
Turismo vai demorar mais a se recuperar do que pós-11 de setembro
O estudo português mostra também que a segurança é fundamental para mais de 93% dos entrevistados, tanto em viagens internas quanto internacionais. Pós-doutora em Geografia Econômica e Social, Cláudia se interessa pela pesquisa nas áreas de terrorismo e risco no turismo.
Ela faz um paralelo com a indústria turística após o atentado às Torres Gêmeas, em 2001. De acordo com a especialista, a pandemia provoca uma crise mais longa, pois o mercado não pode se regularizar sozinho no que diz respeito aos padrões de consumo, uma vez que os países também impõem restrições diferentes no fluxo turístico.
"Nas crises anteriores, como no 11 de setembro, o próprio mercado acabou por se autorregularizar, pois os próprios viajantes foram se sentindo confiantes e voltando a viajar. Neste caso [pandemia], mesmo quando os consumidores estavam ganhando confiança para novamente viajar, as restrições impostas pelos próprios países limitaram as viagens", compara.
Apesar de considerar sempre uma incógnita, já que a evolução da própria doença também é muito incerta, Cláudia crê que já se aprendeu com os erros do início da pandemia. Mesmo assim, ela critica medidas arbitrárias, como a decisão repentina do governo do Reino Unido de impor quarentena a turistas britânicos que retornassem de Portugal.
Na percepção global, 69,2% dos entrevistados responderam que estavam pensando em mudar planos de viagem ou férias por causa do medo do novo coronavírus. Esse medo chegou ao pico na terceira onda da pandemia, com 76,6% acenando com essa possibilidade. Por isso, a especialista explica que foram frustradas as expectativas de que esse verão seria redentor.
"Isso coloca uma série de medos porque, a partir do momento em que os turistas estão dispostos a viajar, mas os seus próprios países impõem regras e restrições, os consumidores voltam a repensar as possibilidades. Isso é o que acontece nesta pandemia. Portanto, 2021, que já podia ser um ano de retoma, não foi e não vai ser", assinala.
De acordo com ela, a grande diferença em relação ao ano passado é a de que os portugueses estão mais seguros para viajar, quer para fora do país, mas principalmente para dentro. Essa percepção é confirmada pelos resultados da pesquisa, que mostram que, para mais de 80% dos lusitanos, a segurança é o atributo mais importante que um destino turístico pode oferecer.
Assim mesmo, para pouco mais de 46% dos entrevistados, as medidas de segurança adicionais nos aeroportos tornam as viagens mais seguras. Isso explica, em parte, que os portugueses tenham adaptado seus planos de viagens nestas férias de verão para destinos domésticos, que, na maioria dos casos, são acessíveis por transporte terrestre, à exceção dos Açores e da Madeira.
"Nunca houve tanta viagem dentro do país por portugueses. Não só no território continental, mas também nas ilhas, porque é mais seguro. Estamos dentro do nosso país e, qualquer coisa que corra mal, estamos perto de casa", explica.
Cerca de 56% consideram inseguras estadias em hotéis e resorts
O estudo revela ainda que a única atividade turística considerada segura para a maioria dos portugueses, 56,5% na análise global, são visitas e caminhadas em parques nacionais ou florestas. Esse percentual chegou a 83,8% na segunda onda da pandemia, após o verão de 2020.
Em segundo lugar aparecem idas a praias, lagos e rios, consideradas seguras por 33,5%. Por outro lado, 38,7% consideram-nas inseguras. A percepção de segurança máxima foi atingida também na segunda vaga, com 59,4%. Segundo Cláudia, isso é acompanhado pela opção de reservas em opções de hospedagem mais particulares, já que 56,5% consideram inseguras estadias em hotéis, resorts e campings.
"Estão à procura de atividades de natureza, com recurso a alojamentos menores. Os resorts e grandes hotéis não tiveram tanta procura. Já o turismo rural e as pequenas unidades de alojamento local tiveram muita procura, porque as pessoas se sentem mais seguras por não terem que partilhar espaços comuns", justifica.
Por outro lado, atividades turísticas em ambientes fechados são rejeitadas pela grande maioria dos portugueses. No topo da rejeição, estão as saídas noturnas para boates e discotecas, consideradas inseguras para 86% dos entrevistados, seguidas de cassinos (84,3%); concertos, festivais e shows (79,7%); lugares religiosos e peregrinações (77,5%); prática de atividades físicas em academias (76,5%); parques de diversões ou temáticos (74,1%); e eventos esportivos (73%).
No que diz respeito à aceitação de restrições e medidas de segurança, 93,2% concordam com a quarentena obrigatória em caso de diagnóstico da infecção. Enquanto isso, 81,1% estão de acordo com um maior controle nas fronteiras de todos os países.
A maioria também concorda com as limitações impostas por Portugal na entrada de imigrantes e estrangeiros (60,8%); com a proibição de que cidadãos de áreas afetadas pela doença entrem no país (57,8%); e com a obrigação de todos os cidadãos serem examinados por equipes médicas (57,8%).
Em contraposição, 44,3% discordam da possibilidade de as forças de segurança pararem aleatoriamente pessoas nas ruas para que possam ser examinadas, contra 36,5% favoráveis a essa medida. Da mesma forma, 41,4% são contrários à repatriação de estrangeiros que foram diagnosticados com COVID-19 para seu país de origem, enquanto 32,8% são a favor.