No domingo (29), pela primeira vez em sete anos, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, e o ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, se reuniram em Ramallah, na Cisjordânia.
Em nota oficial, os israelenses informaram que os dois debateram assuntos ligados à segurança, à diplomacia e aos assuntos civis.
A reunião foi dividida em duas partes, sendo a primeira composta pelas duas autoridades e oficiais de segurança de ambos os lados e na segunda foi um encontro apenas entre Abbas e Gantz, segundo o Times of Israel.
"Gantz disse [a Abbas] que Israel está pronto para uma série de medidas que fortaleceriam a economia da AP. Os dois também discutiram como moldar a segurança, a realidade civil e econômica na Judeia, Samaria e Gaza", disse um comunicado do governo israelense referindo-se à Cisjordânia por seus nomes bíblicos.
A reunião entre as duas autoridades acontece no momento em que o primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, retorna de Washington após se reunir com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no dia 27, conforme noticiado.
Na reunião, Biden levantou a questão palestina com o novo líder israelense durante as discussões, segundo a mídia.
A Sputnik Brasil entrevistou Nathaniel Braia, editor de Política Internacional do jornal Hora do Povo, para entender melhor o que esperar dessa reaproximação palestino-israelense na nova gestão de Naftali Bennett em Israel após 12 anos de Benjamin Netanyahu no poder.
Encontro entre Gantz e Abbas
Segundo Braia, o encontro entre as duas autoridades tem como prelúdio a crise enfrentada durante a gestão do ex-primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, principalmente nos últimos anos. De acordo com o editor, em uma "tentativa de dar fim a esse processo desastroso que estava acontecendo houve uma unidade de forças políticas, tendo como articulador Yair Lapid".
Braia explica que a nova gestão em Israel foi constituída com uma diversidade ainda não vista, e como exemplo, cita a entrada de um ministro árabe no governo israelense, representado por Issawi Frej, na pasta da Cooperação Regional.
A presença árabe no governo e a saída de Netanyahu demonstram, então, uma tentativa de mudar a política estabelecida até então, de acordo com o editor.
"Existe uma onda crescente a favor da paz. A queda do Netanyahu e a entrada de um árabe, pela primeira vez, como ministro no governo sinaliza isso, e nesse pano de fundo aconteceu o encontro entre Abbas e Gantz", disse o editor.
O especialista ainda destaca que Frej, de forma mais enfática, ajudou nesse processo de construção de uma nova comunicação israelo-palestina, quando o ministro disse que "nós temos que avançar para construir confiança entre Israel e Palestina, temos que avançar nos itens que nos unem e não nos que nos divergem".
Na visão de Braia, o encontro foi um avanço significativo na questão, já que a última vez que uma autoridade palestina se sentou com uma autoridade israelense foi em 2014.
"Foi um avanço as declarações do Issawi Frej, foi um avanço o encontro do Gantz com Abbas. Importante também enfatizar que Gantz foi por uma via mais ideológica, não foi simplesmente uma negociação econômica ou de segurança como pretende o Bennett, o Gantz disse: 'Foi um encontro para construção de confiança'. Então esse é um processo que está se iniciando. Ainda estamos no processo da não paz, mas está iniciando."
Entretanto, mesmo com esse movimento, Braia aponta que dentro do governo há diferentes posições, e algumas delas não encaminham para uma aproximação entre os dois lados.
"Há uma posição mais centrista, representada pelo Gantz e o Lapid, uma posição pró-entendimento com os palestinos defendida pelo Issawi Frej e pelo partido Meretz e tem a posição de Avigdor Lieberman e Naftali Bennett que não querem avançar com o acordo."
Braia ressalta o fato de que ao mesmo tempo que Abbas e Gantz se encontraram, também foi lançado os prognósticos do plano de desenvolvimento de moradias na área E1, "que significará, se levado adiante, a divisão da Cisjordânia".
"Como dizem os palestinos, a região parece um 'queijo suíço' de tanto assentamento judaico que já existe. Neste momento, esses assentamentos estão espalhados, mas se o plano para área realmente acontecer, vai haver a separação de cidades como Jericó, Belém de Jerusalém, de forma definitiva por assentamentos construídos em terras assaltadas dos palestinos", afirmou o especialista.
Adicionalmente, o editor destaca a posição do Hamas, "que foi a de desqualificar o encontro, uma vez que para os palestinos não existe saída da crise que possa acertada com a sociedade israelense".
Eleições em Jerusalém Oriental
Indagado se a posição centrista, dentro do governo, como a de Gantz e Lapid, poderia colaborar para que Israel permitisse a realização de eleições em Jerusalém Oriental, o professor diz que não.
"Se isso acontecer seria legitimar a reivindicação palestina pela Jerusalém Oriental como sua capital. Então, isso não tende a acontecer, pelo contrário, acho que ainda haverá resistência a esse processo."
Comunidade judaica brasileira
Braia diz que a comunidade judaica no Brasil vive "um momento de intensa efervescência em termos de debates e discussão e ao mesmo tempo de perplexidade" em relação à questão israelo-palestina, mas enfatiza que esse é também "um período de transformação".
O editor conta que pelo seu pequeno tamanho, formada por cerca de 120 mil pessoas, "a voz crítica dentro da comunidade a respeito dos movimentos israelenses ficou abafada, e o que prevaleceu era um alinhamento incondicional ao Estado judeu, inclusive quem fazia críticas era chamado de antissemita".
Sobre a posição dos judeus no Brasil diante do atual cenário político, Braia diz que aconteceu "a percepção que a comunidade não pode ficar a parte da política brasileira no momento mais crítico da história do país que estamos vivendo".
"Muitos judeus se sentiram desconfortáveis em relação a esse contexto, a ponto de se desinserirem da comunidade e começarem a tratar dos assuntos políticos, sociais, separadamente."
O especialista diz que com a chegada do presidente, Jair Bolsonaro, ao poder, houve uma reação efusiva por parte dos judeus de direita, entretanto, "a realidade foi se impondo e outro quadro foi se desenvolvendo, e os judeus progressistas começaram a se articular dentro da própria comunidade".
"O bolsonarismo hoje, definido por nós como 'bolsonazismo', começou a querer falar em nome dos judeus, e os judeus progressistas começaram a perceber que não tinha mais como se inserir na sociedade brasileira sem se posicionar […]. Figuras dentro desse grupo iniciaram um alerta de que o bolsonarismo era prejudicial à comunidade judaica, a colocando em perigo."
Braia complementa que "um dos pilares da sustentação da direita é a estigmatização do judeu e o uso do judeu como instrumento de afirmação de ganho de popularidade. O populismo da direita, especialmente o da ultradireita, se nutri do antijudaísmo".
"Essa ultradireita é o núcleo de sustentação do Bolsonaro, não importa o quanto ele diga que é amigo de Israel, que é amigo dos judeus, ele tem que prestar serviço para esse núcleo que tem essa visão sobre os judeus."
O editor também relata que os direitistas dentro da comunidade judaica "estão incomodados, e ficam xingando essas lideranças que alertam para essa conexão perigosa entre o bolsonarismo, o fascismo e o nazismo".