A popularidade de Joe Biden atingiu o menor índice desde a sua tomada de posse em janeiro, impulsionada pela retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, que resultou na conquista do poder pelos talibãs em Cabul.
A percentagem de norte-americanos que avaliam positivamente o desempenho do presidente norte-americano caiu para 54%, em um momento em que os EUA enfrentam dois sérios problemas: uma nova onda de casos da COVID-19 e a crise do Afeganistão.
Motivos de queda da popularidade de Biden
A professora na Universidade São Judas Tadeu e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional e INCT-Ineu, Clarissa Nascimento Forner, acredita que a queda do índice de aprovação de Biden é significativa, mas não é algo totalmente inesperado, já que faz parte do processo político norte-americano.
Contudo, Clarissa Nascimento Forner ressalta que, mesmo sendo algo normal no sistema norte-americano, a queda está relacionada aos eventos mais recentes e ao contexto específico de Biden.
"Eu tendo a concordar com a perspectiva de que, neste momento, esta queda mais acentuada tem a ver com os dois eventos centrais: o avanço da variante Delta do coronavírus, e, por outro lado, os últimos acontecimentos em relação à retirada do Afeganistão", afirmou a professora, citando que estes são os dois principais fatores que têm provocado a queda acentuada da popularidade de Biden.
Para a pesquisadora do PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU), Lívia Peres Milani, há três motivos principais que contribuíram para a queda de popularidade de Biden: uma questão estrutural nas relações com os grupos internos, a questão da pandemia e a retirada do Afeganistão.
Questionada sobre como o Afeganistão estaria impactando na queda de popularidade, Clarissa Nascimento Forner acredita que, apesar de o Afeganistão ser um tema de longa data, os últimos fatos divulgados "geram uma sensibilidade muito grande". Contudo, os dados mostram que uma grande parte da população norte-americana era a favor da retirada das tropas americanas do território afegão.
"Existe uma discordância quanto ao modo como a retirada foi conduzida. A questão da proteção de civis, de modo geral há uma discordância maior em relação a isso, mas não de que a retirada fosse necessária. Essa percepção de fracasso está mais ligada a esta questão, e tende a recair com mais força sobre Biden por ter sido o governo que tomou a decisão", explica.
Risco para os democratas nas próximas eleições?
Os dados também apontam que há uma perda de apoio de Biden entre os independentes, o que supostamente poderia impactar na capacidade da administração Biden de aprovar projetos de lei no Congresso.
Para Clarissa Nascimento Forner, os independentes, sendo mais da esquerda, tendem a ter uma visão mais crítica, o que para Biden é muito importante, pois o país está em um contexto de pré-preparação para as eleições do Congresso em 2022, e Biden possui uma série de projetos que pretende aprovar, do ponto de vista econômico, social, reforma de infraestrutura, "então ter esse apoio dos independentes e da própria base democrata é muito importante".
Biden deve seguir exemplo de Trump e fazer teste cognitivo para refutar "declínio mental", dizem republicanos nos EUAhttps://t.co/DpNdW7OYQP
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) June 18, 2021
Com relação à possibilidade de o Afeganistão influenciar os democratas nas próximas eleições, a professora diz ainda ser cedo para avaliar o quanto a questão do Afeganistão vai ter um impacto eleitoral, "pois ainda há um foco maior em questões domésticas".
"Acredito que teve um impacto grande agora, mas talvez esse impacto vá se diluindo ao longo do tempo [...] Mas é algo que acredito que será explorado de alguma forma", declarou.
De acordo com Lívia Peres Milani, é importante que Biden mantenha o apoio entre os independentes, ressaltando que é preciso mobilizar a manutenção desta maioria, pois são eles que podem fazer alguma diferença nas eleições.
Comentando sobre o risco de os democratas serem derrotados, Lívia Peres Milani declara ainda ser cedo para prever qualquer resultado, contudo, a tendência aponta para haver perda de controle do Congresso pelo incumbente.
Biden e a pandemia de COVID-19
Os democratas da Câmara dos Deputados não chegaram a um acordo sobre a sequência de tramitação do pacote de infraestrutura de US$ 1 trilhão (R$ 5,1 trilhões) e da proposta orçamentária de US$ 3,5 trilhões (RS 18,1 trilhões), que faz parte da agenda econômica do presidente Biden.
A deterioração da situação da pandemia nos EUA segue afetando a política de Biden, que segue negociando o pacote de infraestrutura.
Clarissa Forner cita que o anúncio do pacote trouxe uma mobilização positiva, inclusive com os dados econômicos mostrando isso, com um primeiro trimestre positivo para a economia do país.
"O problema é que tivemos uma série de elementos que de alguma forma, enfraqueceram esse processo. Um deles é a variante Delta [...] O fato de termos essa variante acaba trazendo muita confusão do ponto de vista da opinião pública", explicou.
A professora também recorda que Biden não conseguiu cumprir a promessa de vacinar 70% da população, com pelo menos a primeira dose até o dia 4 de julho, contudo o país tem uma média de 66% da população vacinada, o que gera insatisfação.
Uma proposta de impeachment contra Joe Biden acusa o presidente dos EUA de supostamente ter deixado 10.000 norte-americanos à mercê do movimento Talibãhttps://t.co/dSHSkQ2SGi
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) August 21, 2021
Questionada sobre por qual motivo a pandemia nos EUA está diretamente vinculada à imagem de Biden, Clarissa Forner comentou que o atual presidente americano fez da pandemia a grande agenda de sua campanha, criando uma grande expectativa na população, contudo, ele não conseguiu cumprir os prazos e viu o avanço da variante Delta no país.
Americanos pessimistas com futuro econômico do país
Os norte-americanos seguem pessimistas em relação ao futuro econômico do país, apesar de os dados mostrarem que a economia dos EUA pode melhorar.
Com isso, há a percepção de que a recuperação econômica do país não está chegando na população norte-americana.
Por sua vez, Clarissa Forner acredita que os EUA ainda não tiveram tempo para sentir esta recuperação e que a nova variante da COVID-19 pode ter contribuído para uma percepção de retrocesso na economia do país.
Presidente dos EUA ordenou que o secretário de Estado norte-americano destine US$ 60 milhões em fundos do Pentágono para ajudar a Ucrâniahttps://t.co/g50XwnnTq0
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) August 27, 2021
Já Lívia Peres Milani fez questão de ressaltar que o crescimento econômico em si não significa uma melhora na condição de vida das pessoas.
"Existe um aumento da desigualdade, existe a estagnação do salário, então, muitas vezes o que acontece é que existe um crescimento da economia, e grande parte desse crescimento da economia vai para as pessoas que já têm condições melhores, por exemplo, para o chamado 1%, para as corporações, não necessariamente para a classe média ou para os trabalhadores dos EUA", explica.
Biden pode recuperar sua popularidade?
Clarissa Forner sublinha que, para Biden recuperar seu índice de aprovação, será preciso passar uma imagem de maior segurança no aspecto doméstico, principalmente com relação à pandemia, já que se trata de um assunto mais relevante do que o Afeganistão para os americanos.
Para retomar a popularidade, Biden terá de se focar no âmbito interno, nas questões econômicas e nos temas que foram centrais, segundo Lívia Peres Milani.
"Focar âmbito interno parece ser algo interessante [...] Não apenas para Biden, mas para o Partido Democrata como um todo [...]", afirmou.
Além disso, Lívia Peres Milani ressaltou que Biden deve ampliar a campanha de vacinação para tentar controlar a pandemia no país, para que as pessoas possam retornar à vida normal.