Aviação: consumidor brasileiro gosta de 'regalias' por isso low cost não 'vingam', diz especialista
14:33 14.10.2021 (atualizado: 08:52 20.11.2021)
© Folhapress / Eduardo KnappAviões da LATAM Airlines Brasil em solo no aeroporto Mário Pereira Lopes, em São Carlos, São Paulo. Foto de arquivo
© Folhapress / Eduardo Knapp
Nos siga no
A Sputnik Brasil conversou com dois especialistas sobre os novos acordos da Embraer e as expectativas de retomada no setor aéreo após o impacto da pandemia do novo coronavírus.
As ações da Embraer (EMBR3) subiram 4,89% na segunda-feira (11) após a divulgação de que a empresa brasileira recebeu uma encomenda de US$ 1,2 bilhão (aproximadamente R$ 6,6 bilhões) da companhia aérea da Berkshire Hathaway, empresa de investimentos de Warren Buffett, para a fabricação de até 100 novas aeronaves. Outros 100 jatos executivos foram entregues recentemente.
O acordo prevê que a companhia aérea da Berkshire Hathaway, NetJets, comece a receber o modelo Phenom 300E da nova encomenda no segundo trimestre de 2023, para operação nos EUA e na Europa.
"Com este novo pedido, que inclui um abrangente contrato de serviços, a NetJets não apenas reforça seu compromisso em criar uma experiência aprimorada para o cliente, à medida que a demanda por aviação privada continua a crescer, mas também sua confiança no inovador portfólio da Embraer para oferecer a experiência perfeita a seus clientes", lê-se no comunicado da empresa brasileira, reproduzido pelo portal G1.
Na semana passada, a Eve Urban Air Mobility, empresa da Embraer, e a Avantto, líder no ramo de compartilhamento de aeronaves no Brasil, anunciaram uma parceria para o desenvolvimento de operações de Mobilidade Aérea Urbana no Brasil e na América Latina.
A parceria inclui 100 aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical (eVTOL, na sigla em inglês) da Eve. O eVTOL é uma aeronave de emissão zero, baixo ruído e design simples e intuitivo. As empresas afirmam que pretendem democratizar a aviação por meio do aumento da viabilidade e da acessibilidade.
A parceria inclui 100 aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical (eVTOL) da Eve, bem como uma cooperação para desenvolver uma nova operação do veículo aéreo no Brasil e em toda a América Latinahttps://t.co/bu59zn3Z4j
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) October 4, 2021
A Sputnik Brasil conversou com Elton Fernandes, professor de Engenharia de Produção e de Transportes do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) e Samuel Barros, pró-reitor da pós-graduação do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-RJ), sobre os novos acordos da Embraer e as expectativas de retomada no setor aéreo após o impacto da pandemia do novo coronavírus.
Embraer e novas empresas operando no Brasil
Em 2021, a Embraer acumula valorização de aproximadamente 190% na bolsa de valores. Elton Fernandes destaca que a empresa é uma das maiores do mundo na fabricação de aviões para o transporte de passageiros e que, com as últimas notícias, "podemos dizer que existe perspectiva real de avanço da empresa em sua área de atuação, mantendo o Brasil como um ator importante no mercado de aeronaves comerciais".
© Folhapress / Lucas Lacaz RuizLinha de produção e montagem da Embraer em Botucatu, São Paulo (arquivo)
Linha de produção e montagem da Embraer em Botucatu, São Paulo (arquivo)
O impacto das novas negociações no curto prazo, todavia, não deve ser sentido no setor aéreo brasileiro. Samuel Barros afirma que o acordo com NetJets não tem relação direta com recuperação do setor, "até porque esses jatos não são para entrega imediata".
Por outro lado, a atuação de novas companhias áreas no país pode ter um efeito mais imediato de acordo com os especialistas. Desde o início da pandemia, o Brasil ganhou três novas empresas: Itapemirim, para voos domésticos, e Southern Air e Airline Peru para voos internacionais. Além disso, segundo o portal Poder360, há a expectativa de que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) avalie até o fim do ano o pedido de atuação no Brasil de outras três companhias aéreas em voos domésticos (Asa Linhas Aéreas, Nella Linhas Aéreas e Regional Linhas Aéreas) e uma internacional (Eastern Airlines).
© Folhapress / Miguel Noronha/Futura PressVista de Airbus A320-232 Boeing da Itapemirim. Foto de arquivo
Vista de Airbus A320-232 Boeing da Itapemirim. Foto de arquivo
© Folhapress / Miguel Noronha/Futura Press
"Nova empresa no mercado é sempre boa notícia, é sinal de que os empresários veem perspectivas no mercado e sempre trazem novos conceitos que ajudam na competição", comenta Fernandes. Barros complementa: "Gera movimentação para o mercado, acaba sendo interessante para tentar reaquecer o setor".
Em contrapartida, em 15 de outubro, a Alitalia vai deixar de operar no país. "A saída da Alitalia já era esperada, era uma companhia que vinha sofrendo mesmo antes da pandemia e que a pandemia só agravou a situação, fazendo com que ela encerrasse as operações no Brasil", diz Barros.
Retomar ritmo pré-pandemia
Os dados mais recentes da Anac mostram que foram transportados 390,6 mil passageiros em voos internacionais em agosto deste ano, contra 2 milhões no mesmo período de 2019. Em relação a voos domésticos, a recuperação foi melhor: 7,8 milhões em agosto de 2019 para 5,5 milhões em agosto deste ano.
© Foto / Twitter da Infraero AeroportosAeroporto Regional de Maringá, Paraná
Aeroporto Regional de Maringá, Paraná
© Foto / Twitter da Infraero Aeroportos
"Temos expectativa de que esses números melhorem com o tempo, no entanto, ainda é bastante prematuro cravar qualquer direção para isso. Existem alguns fatores que influenciam muito esse comportamento: além da própria pandemia, há um dólar extremamente elevado, e um preço do combustível, que também precifica as passagens aéreas", explica Barros.
Mesmo com o câmbio alto, Fernandes afirma que a expectativa é que ocorra mais voos de brasileiros para fora do país do que de estrangeiros para o Brasil, movimento que sempre foi muito baixo, quase nunca saindo dos 6 milhões por ano.
"O que se espera que ocorra com maior intensidade é a volta do turista brasileiro a suas viagens para o exterior, que representa a maior parte do movimento aéreo de passageiros internacionais no Brasil. O valor do dólar e a concentração de renda no Brasil são os principais amortecedores dessa volta."
Questionados sobre como incentivar o setor aéreo e sobre a viabilidade de companhias de baixo custo (low cost) para atender um público maior, os especialistas não são muito otimistas.
© AP Photo / Eraldo PeresJair Bolsonaro mostra a foto de uma praia durante cerimônia de apresentação de um programa para reiniciar o turismo, em meio à pandemia de COVID-19, em 11 de novembro de 2020
Jair Bolsonaro mostra a foto de uma praia durante cerimônia de apresentação de um programa para reiniciar o turismo, em meio à pandemia de COVID-19, em 11 de novembro de 2020
© AP Photo / Eraldo Peres
Barros frisa que o setor aéreo brasileiro, assim como o setor de turismo, sempre foi muito caro e recorda que o país já teve uma experiência com low cost que não correu bem.
"O consumidor brasileiro tem expectativas diferentes daquelas que a low cost é capaz de entregar. O serviço das low cost são espartanos, enquanto em uma companhia mais tradicional se espera algumas 'regalias' que uma low cost é incapaz de entregar. Não há expectativa de ter low cost no Brasil tão cedo em virtude da própria expectativa do consumidor."
Fernandes enxerga como possível estratégia de crescimento o estímulo ao transporte aéreo regional. Ele ressalta que a infraestrutura atende perfeitamente ao desenvolvimento do transporte nacional e internacional, mas destaca que esses mercados dependem exclusivamente dos outros setores da economia para crescer. "Creio que a melhoria do mercado interno é o grande desafio da economia brasileira e, por conseguinte, do transporte aéreo no país."
Barros conclui com más notícias: os preços das passagens devem aumentar no curto e médio prazo.
"Observamos que o que pode acabar acontecendo é um aumento dos preços, em virtude da variação cambial e de uma necessidade das companhias de apresentarem resultados. Temos um volume menor de passageiros e, dessa forma, [as empresas] precisam compensar essa margem dentro do preço."