'Com caráter assistencial e não social, auxílio não ajuda Brasil a sair da pobreza', diz economista
11:24 20.10.2021 (atualizado: 09:54 29.11.2021)
© Folhapress / Caio RochaAuxílio Brasil, programa de transferência de renda que deve substituir o Bolsa Família em novembro, deve beneficiar perto de 17 milhões de pessoas, Fortaleza, 18 de outubro de 2021
© Folhapress / Caio Rocha
Nos siga no
Estima-se que o governo gastará R$ 25 bilhões fora do teto para custear o Auxílio Brasil. Em meio à crise econômica, duas questões surgem: de onde sairão recursos para bancar o auxílio e até que ponto o programa ajuda, a longo prazo, o Brasil a diminuir a pobreza.
De acordo com projeções, o Auxílio Brasil – programa do governo de Jair Bolsonaro que substituirá o Bolsa Família – vai comtemplar mais 2,4 milhões de famílias brasileiras e deverá ser implementado ainda em novembro, mês que acaba o Auxílio Emergencial, segundo o G1.
Além de um maior número de famílias beneficiadas, a equipe econômica defende elevar o benefício dos atuais R$ 189, para cerca de R$ 300. No entanto, um valor de R$ 400 também poderia ser atingido.
A medida provisória (MP) do programa já foi enviada para o Congresso e aguarda aprovação. Entretanto, o custo do programa, que será 111% maior que o Bolsa Família, ultrapassará o teto de gastos.
A Sputnik Brasil entrevistou Sérgio Vale, mestre em economia pela USP e pela Universidade de Winsconsin e economista-chefe da MB Consultoria para saber quais as consequências da aplicação do novo programa para economia brasileira e o quanto ele será proveitoso para parcela da população que o vai receber.
O especialista afirma que ainda não há muita clareza sobre a diferença entre um programa e o outro, mas acredita que neste de agora mais famílias serão atendidas e o montante mensal pode ser maior.
"Não vai ser em termo de magnitude o que foi o Auxílio Emergencial, vai ser mais focado em quem precisa agora. […] Tem gente passando fome, tem gente que precisa desses recursos por conta da pandemia, estão passando dificuldade. O que gera muita dúvida é como [o Auxílio Brasil] vai ser feito e de onde vão sair esses recursos", pontuou.
© Folhapress / Renato S. Cerqueira/Futura PressMovimentação em agência da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo, para saque da última parcela do auxílio emergencial
Movimentação em agência da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo, para saque da última parcela do auxílio emergencial
© Folhapress / Renato S. Cerqueira/Futura Press
Recursos e regra do teto
Vale elucida que o Auxílio Brasil "é um gasto adicional, mas que é meritório, é preciso que exista […]" contudo, "parece que [o custo anual] será acima de R$ 80 bilhões, e no meio disso, é preciso encaixar outros gastos".
"[Teremos] gastos com o precatório, que ainda não se sabe muito bem como vai ser […], e outros que estão aparecendo na linha de frente: um, é o gasto com parlamentares em ano de eleição que a gente sabe que sempre tem […] e o outro, que agora vem aparecendo com mais intensidade como um risco, é o salário dos funcionalismos, especialmente os dos aposentados", explicou.
O economista afirma que se juntar todos dos gastos, "não cabem dentro da regra de teto que existe hoje" e cita que Arthur Lira (Progressistas), presidente da Câmara dos Deputados, vem ventilando a discussão de que talvez a regra deva ser repensada.
"O problema é colocar essa discussão às vésperas da eleição, uma eleição com um presidente tão enfraquecido, e com o centrão tão dominante como ele está, o risco fiscal […] no que está sendo pedido em relação à regra do teto muito grande. E a incerteza da economia brasileira siginificará no final uma taxa de câmbio mais depreciada."
Segundo Vale, a crise fiscal atual, que vem sendo construída consistentemente ao longo do ano, vai se adicionar a uma situação de crise suficientemente elevada, e aponta o crescimento previsto da economia brasileira como um demonstrador dessa instabilidade, uma vez que a projeção é de apenas 0,4%.
© Folhapress / Luciano ClaudinoComércio em Campinas, São Paulo. O alto índice de inflação prejudica o poder de compra do brasileiro e estagna a economia, 11 de outubro de 2021
Comércio em Campinas, São Paulo. O alto índice de inflação prejudica o poder de compra do brasileiro e estagna a economia, 11 de outubro de 2021
© Folhapress / Luciano Claudino
Reforma do imposto de renda
Em relação a impostos, Vale considera uma alternativa a execução de uma boa reforma tributária sobre impostos de bens e serviços, assim como a simplificação desses impostos, pois dessa forma, poderia haver potencial de crescimento a longo prazo.
Já sobre a reforma do imposto de renda, o economista pensa que a medida não foi acertada, uma vez que acaba apresentando dualidade.
"[A reforma] por um lado tem um efeito positivo para população de renda mais baixa porque se aumenta o limite para pagamento de imposto, mas ao mesmo tempo não discute um ponto muito importante relacionado ao imposto de renda que é o grau de progressividade desse imposto."
O economista observa que, a proposta da reforma ficou mais vista como eleitoreira, uma vez que ajuda a população mais humilde, no entanto, não resolve a questão da progressividade, e no final, vai gerar diminuição na arrecadação de 2022.
"É preciso ser colocado: no meio de uma crise fiscal crescente e diante da necessidade de achar recursos para contemplar todos esses gastos, ocorre um corte significativo de arrecadação ano que vem […] será que esse é o jeito correto de se fazer? Não deveríamos repensar a grande quantidade de subsídios que existem no Brasil?", questionou.
© Folhapress / Pedro LadeiraO presidente da Câmara dos Deputados, Arhtur Lira (PP-AL), recebe dos ministros Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), a 2ª parte da reforma tributária do imposto de renda, 25 de junho de 2021
O presidente da Câmara dos Deputados, Arhtur Lira (PP-AL), recebe dos ministros Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), a 2ª parte da reforma tributária do imposto de renda, 25 de junho de 2021
© Folhapress / Pedro Ladeira
Vale acredita que o governo não está abordando de maneira correta a questão tributária no país, sendo assim, as consequências serão negativas, posto que não ajudará no crescimento econômico do ano que vem.
"Houve muita pressa para execução dessa reforma, o que é muito estranho, e de fato imprime uma conotação política na sua aplicação, pois claramente há o intuito de entregar um resultado para parcela mais pobre em 2022."
A longo prazo, de acordo com o economista, essa parcela seria bem mais beneficiada se fosse realizada uma boa reforma tributária de bens e serviços e uma reorganização do gasto público brasileiro para beneficiar com o Auxílio Brasil as pessoas que mais precisam.
"Reformas sobre o gasto público no Brasil vão ter que ser contínuas nos próximos anos, a gente não vai poder parar de fazer essas reformas no intuito de gerar o gasto que é necessário para população que precisa, mas para isso, é necessário reformar a outra parte do gasto."
© Folhapress / Diego PadgurschiSegundo especialista, aumentar o tributo das empresas também não seria a solução, uma vez que o Brasil já tem uma forte carga tributária, e isso poderia ajudar a levar empresas à falência
Segundo especialista, aumentar o tributo das empresas também não seria a solução, uma vez que o Brasil já tem uma forte carga tributária, e isso poderia ajudar a levar empresas à falência
© Folhapress / Diego Padgurschi
Cadastramento mais eficaz
Durante a distribuição do auxílio emergencial houve muitas críticas sobre a forma de cadastramento, questionado se há alguma maneira de credenciar as pessoas de modo mais justo, Vale considera que o contexto da pandemia, mesmo sendo bastante complicado, gerou uma pressa que ajudou as pessoas a entenderem o sistema.
"Houve uma pressa na digitalização dessas pessoas, e hoje, quem não sabia lidar com celular, acabou tendo ajuda por conta da necessidade de ter acesso ao recurso. Portanto, aconteceu uma curva de aprendizagem forte e importante por boa parte da população que entendeu, um pouco mais agora, a lidar com isso. Não está perfeito, mas a capacidade aumentou."
No entanto, o economista destaca que apesar desse lado positivo, houve o outro lado, a partir do momento que pessoas que não precisavam do auxílio sacaram o recurso de forma facilitada pelo sistema.
"Acho que agora, passado um tempo, vai ser possível gerenciar melhor essa questão de entender quem precisa e quem não precisa, esse meio termo vai ser importante para o auxílio ir para quem ele é realmente indispensável."
© Foto / Agência Brasil / Marcello Casal JrLançamento do aplicativo CAIXA|Auxílio Emergencial
Lançamento do aplicativo CAIXA|Auxílio Emergencial
© Foto / Agência Brasil / Marcello Casal Jr
Maior número de pessoas beneficiadas
Ao que parece, o programa dará um salto, e vai contemplar mais 2,4 milhões de famílias. A previsão do governo é começar o pagamento do novo benefício já em novembro, mês em que não haverá novas parcelas do Auxílio Emergencial.
Se esse raio maior de pessoas atendidas pode ajudar a combater a pobreza efetivamente no Brasil, Vale diz que a questão não é simplesmente a quantidade de famílias que vão ser abarcadas, mas de que forma isso acontecerá, pois o governo tem uma visão "mas assistencialista do que social".
"Quando falamos em um programa social, dá-se o recurso, mas com a intenção de que essa pessoa consiga sair dessa situação, o programa assistencial puro e simples está te dando o dinheiro, mas não alternativas e meios para a pessoa conseguir sair da situação de pobreza."
Para o economista, "o gasto público no Brasil deveria ter como foco essencial um pensamento social mais amplo, que vai além desses auxílios e pensa como vamos, de fato, melhorar a performance da Saúde e da Educação no Brasil".
© Folhapress / Elio RizzoBrasileiros, que antes não eram moradores de rua, mas pertenciam a uma classe mais desfavorecidas, após os efeitos da pandemia na economia, agora se encontram em situação precária levando o que tinham em casa para as ruas, Brasília, 30 de agosto de 2021
Brasileiros, que antes não eram moradores de rua, mas pertenciam a uma classe mais desfavorecidas, após os efeitos da pandemia na economia, agora se encontram em situação precária levando o que tinham em casa para as ruas, Brasília, 30 de agosto de 2021
© Folhapress / Elio Rizzo
Vale relembra uma dinâmica presente no começo do Bolsa Família na qual só recebia o auxílio quem mantinha os filhos na escola, o que garantia um futuro mais promissor para esses adolescentes.
"É preciso ser pensado um programa social de fato, e não só assistencial. Como tirar essas famílias da linha de pobreza? […] É preciso ter critérios para pensar em como ajudar essas pessoas […] em um programa assistencial você fica mantendo aquele processo."
Na interpretação do economista, "o programa tem um caráter político e eleitoral muito forte, uma vez que aumenta a quantidade de pessoas abarcadas com um valor maior – o qual diante da pobreza intensificada pela pandemia é muito importante –, mas mantém a pessoa pobre".
"O auxílio está sendo dado, mas precisará ter uma atenção maior para essa população mais humilde por conta da inflação. […] Se pegarmos esses três anos de pandemia, já contando com 2022, teremos uma inflação total de cerca de 18%, é uma inflação muito elevada, que corrói a renda especialmente dessa parcela. Ela tem o aumento do auxílio, mas encontra alimentos mais caros, por exemplo", complementa o economista.