O que Bolsonaro pode oferecer e 'colher' em viagem ao Oriente Médio?
09:06 18.11.2021 (atualizado: 10:52 27.11.2021)
© AFP 2023 / Mazen Mahdi Presidente Jair Bolsonaro discursa em Bahrein, 16 de novembro de 2021
© AFP 2023 / Mazen Mahdi
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Em entrevista à Sputnik Brasil, Fernando Brancoli, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em questões do Oriente Médio, fala sobre os interesses econômicos e políticos do Brasil no Oriente Médio.
No dia 12 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro seguiu rumo aos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Catar, em viagem oficial de quatro dias para tentar estreitar os laços com estes países e atrair investimentos.
Falando sobre os interesses econômicos e políticos do Brasil nesses países, o professor Fernando Brancoli afirmou que, do ponto de vista econômico, o Brasil tem uma balança comercial muito favorável com os países da região.
Ele também destaca que o Brasil é um dos maiores exportadores de carne halal do mundo, lembrando que esta é uma carne preparada de maneira especial para consumo de muçulmanos.
Nos últimos anos, a dimensão política ganhou uma expressão muito grande, onde o grande ator neste cenário é Israel, na medida que a Terra Santa foi considerada por apoiadores do bolsonarismo, principalmente evangélicos, um espaço a ser protegido. Isso levou Bolsonaro, inclusive, a planejar a troca da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, contudo, isso não foi concretizado.
Ao contrário da Europa, o Oriente Médio recebeu o Bolsonaro com "bastante exuberância", já que se trata de países que pouco consideram os direitos humanos, ressalta o especialista.
Com isso, Bolsonaro tenta se reforçar politicamente, mostrando que ainda tem apoio de outras lideranças e que não está isolado.
Ausência da comitiva brasileira
Questionado sobre a ausência da comitiva brasileira na viagem, que tem como objetivo fortalecer as relações do Brasil com os países da região do golfo Pérsico, o professor afirma que nos últimos anos os países do Golfo, de modo geral, estão tentando diversificar seus investimentos.
"Vale ressaltar que são países que dependem muito do petróleo, e que, nos últimos anos, com flutuações muito grandes do preço do barril, têm tentado encontrar outros espaços [...]", explicou o professor.
Nesse cenário, o Brasil está se apresentando como um possível receptor desse tipo de investimento, como em armamento, indústria química, indústria pesada e nos mercados financeiro e imobiliário.
Produtos que Brasil pode oferecer
De acordo com Fernando Brancoli, o Brasil tem um grande plantel de produtos que ele transporta para os países do Oriente Médio, como carnes halal, automóveis e alimentos.
"Do ponto de vista brasileiro, é particularmente interessante, porque estamos nos acostumando como país que basicamente exporta apenas produtos alimentícios. Para o Oriente Médio e países do Golfo conseguimos, de certa forma, ter uma lógica um pouco mais complexa", explicou.
Círculos ideológicos de Bolsonaro e reforço das alianças políticas
Para Fernando Brancoli, existe uma tentativa, principalmente por parte do Eduardo Bolsonaro, que é mais interessado em questões internacionais, de se aproximar dos países do Oriente Médio.
Segundo o especialista, se pensarmos em um contexto mais amplo, parte importante da política externa do Bolsonaro está relacionada com uma aproximação mais forte com Israel.
"Isso tem a ver com o apoio evangélico, com uma relação com o Trump, quando ainda era presidente, mas se pensarmos do ponto de vista histórico, isso poderia criar um problema, na medida que Israel e países do Golfo têm relações estremecidas, desde a criação do Estado de Israel em 1948", ressaltou.
Nos últimos anos, países como Arábia Saudita e o próprio Catar têm estabelecido relações mais próximas com Israel, "e acredito que o Brasil tente se enquadrar nesses pontos", já que são países estratégicos do ponto de vista geopolítico, ressaltou.
Fernando Brancoli também observa que a presença dos filhos do presidente na comitiva não chama a atenção, pois nos últimos anos Bolsonaro mostrou lidar com a política de uma maneira muito familiar.
"Os filhos, principalmente o Carlos, têm gerência direta nas ações de decisões do governo. O Eduardo Bolsonaro, ao que tudo indica, foi um dos nomes que apresentou o ex-chanceler Ernest Araújo para o Bolsonaro, e é um dos que tentou nortear a política externa bolsonarista. Apesar de gerir do ponto de vista moral ser algo relativamente complicado, não chama atenção pensando na forma como o bolsonarismo tem atuado nessa lógica muito familiar", afirmou.
Resultados da visita de Bolsonaro aos Emirados Árabes
O presidente Jair Bolsonaro visitou o Dubai Airshow 2021, passando três dias nos Emirados Árabes Unidos.
Comentando a passagem de Bolsonaro pelo Oriente Médio, Fernando Brancoli, destaca que o que chama a atenção é que, como o Bolsonaro nesse momento está muito isolado internacionalmente, essa é uma forma de encontrar uma agenda positiva, já que grande parte dos líderes internacionais não querem ser vistos com o presidente brasileiro.
"Quando ele faz estas viagens, ele consegue argumentar, por exemplo, grandes investimentos ou promessas de investimentos no Brasil. Ele consegue circular fotos dele sendo recebido por mandatários e coisas parecidas, então esse longo período nesses países é uma forma de o presidente gerar uma agenda positiva, pensando que nos últimos meses, ou mesmo no último ano, o cenário tem sido muito ruim para o governo", explicou.
Abertura da embaixada do Brasil em Bahrein
O presidente Jair Bolsonaro inaugurou a embaixada do Brasil na capital do Bahrein, Manama, e partiu para um encontro com o rei Hamad ben Issa Al-Khalifa.
"Eu diria que a abertura dessa embaixada do Bahrein é muito mais simbólica. O Bahrein, inclusive, como Estado é quase um estado anexado à Arábia Saudita. A política do Bahrein é toda pensada, articulada em Riad [Arábia Saudita]", comentou o professor ao ser questionado sobre os interesses do Brasil em abrir uma embaixada no local.
Além disso, o especialista volta a ressaltar que essa é mais uma tentativa de criar uma agenda positiva, e que, apesar de ser um país pequeno, ele compra alimentos do Brasil.
"Eu enquadraria dentro desse processo, dessa lógica de tentativa de construção de uma agenda", declarou.
Memorando de entendimento
Durante a visita ao Bahrein, os países assinaram um "memorando de entendimento" na promoção da tolerância e da liberdade religiosa. O documento assinado prevê a cooperação entre o Centro Global Rei Hamad e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Comentando o acordo, o professor diz que a ideia chama atenção, já que o Bahrein tem prerrogativas religiosas restritas sobre a atuação das mulheres em determinados espaços, sobre direitos de minorias, direitos da comunidade LGBTQI.
"A capacidade de transferência de normas do Bahrein para o Brasil é relativamente preocupante, mas isso também se enquadra dentro de uma agenda maior do bolsonarismo, que estabelece alianças com países conservadores, fundamentalistas em determinados momentos. Uma tentativa de construção do que seria uma internacional conservadora", declarou.
"Vale a pena lembrar que a agenda bolsonarista tem na agenda de costumes uma bandeira muito forte. A ideia de que gênero é uma constituição restrita e muito consolidada, não passível de mudança", destacou.
Percurso internacional do Lula e do Bolsonaro
Nos últimos dias, o Lula foi recebido no Parlamento Europeu por Emmanuel Macron, presidente francês, e, sendo assim, há uma comparação inevitável entre as duas agendas, afirmou o professor.
"Bolsonaro está se reunindo com países menos relevantes do sistema internacional, países importantes como Arábia Saudita e Emirados, mas não são efetivamente potências, com acordos um pouco peculiares. E o Lula, que efetivamente é um pré-candidato à Presidência, ele não tem um cargo político efetivo atualmente, está sendo recebido com pompas e circunstâncias em diversos países europeus", comparou.
O professor ressalta que os dois lados estão buscando uma agenda, com Lula se colocando, se apresentando como uma liderança pragmática mais moderada, com quem lideranças do mundo podem contar, e com o Brasil voltando à sua política externa tradicional.